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A Poesia do Drible

"Um pouco mais de sol - eu era brasa, Um pouco mais de azul - eu era além. Para atingir, faltou-me um golpe d'asa... Se ao menos eu permanecesse aquém..." - excerto de "Quasi", de Mário de Sá Carneiro

"Um pouco mais de sol - eu era brasa, Um pouco mais de azul - eu era além. Para atingir, faltou-me um golpe d'asa... Se ao menos eu permanecesse aquém..." - excerto de "Quasi", de Mário de Sá Carneiro

A Poesia do Drible

05
Nov25

Tudo ao molho e fé em Gyokeres

Parábola da Cena Animal


Pedro Azevedo

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Um clube com o oximoro de denominar-se Juventus (juventude) e apelidar-se de "Vecchia Signora" (Velha Senhora) só por si já é de desconfiar, indicando que vem aí matreirice. Deviam por isso talvez chamar-se "Raposas", mas o único outro apodo deles conhecido é "Zebras", um animal da classe dos equídeos que ao contrário do cavalo ou do burro nunca foi domesticado e é conhecido pela velocidade e coice que desenvolveu para fugir do grande predador do seu habitat natural, o leão. Pelo que o desafio entre o Sporting e a Juventus foi uma parábola do ambiente da savana africana, com uma Juve mais veloz e agressiva nos duelos individuais e um Sporting a procurar atacar e ser letal pela certa.

 

Na antecâmara do jogo, não deixei de ficar intrigado ao observar um certo menosprezo da imprensa portuguesa por um adversário que já foi 36 vezes campeão de Itália (recordista da competição, com mais 16 títulos do que o Inter e mais 17 do que o Milão) e duas vezes vencedor da Champions. Pareceu-me uma falta de noção, como aliás o jogo viria a demonstrar. 

Se a Juve já não tem o génio de Platini e mais de meia equipa campeã do mundo em 82 (Zoff, Gentile, Scirea, Cabrini, Tardelli, Rossi), não deixa ainda assim de ter jogadores distintivos como o sérvio Vlahovic, o canadiano Jonathan David, o americano McKennie, o francês Thuram, o neerlandês Koopmeiners ou os internacionais italianos Locatelli, Cambiasso, Gatti ou Rugani. Além do português Conceição, claro. Mas, se valores individuais não faltam, é naquela matreirice táctica tão típica do futebol transalpino que estava o grande obstáculo do Sporting, frequentemente infeliz nas visitas a Itália. 

O jogo nem começou mal para os leões: Pote conseguiu encontrar Ioannidis numa diagonal longa, este amorteceu sumptuosamente de calcanhar para Trincão e a bola seguiu até Maxi que desferiu um remate colocado e inaugurou o marcador. Com o ânimo reforçado, logo Trincão enviou a bola à barra, falhando por pouco o segundo golo. Só que, na primeira parte, o Sporting ficou por aqui. Uma série de perdas de bola colocou os leões em perigo. Com a bola descoberta (sem pressão), um italiano centrou para Vlahovic, de cabeça, proporcionar a Rui Silva a defesa da noite. Seguiu-se novo duelo entre o sérvio e o nosso guarda-redes, agora num remate com o pé. O destino foi o mesmo: bola desviada para canto. Até que a Juve empatou, no aproveitamento de uma série de erros individuais dos jogadores do Sporting: Quenda foi atraído por fora pelo lateral de Turim e deixou Vagiannidis desprotegido, este não leu bem o lance e não fez falta, Hjulmand largou o seu adversário directo e deixou-o galgar metros sozinho e Inácio não encurtou o espaço para Vlahovic e permitiu que este desviasse o centro de Thuram. Com o empate, as equipas foram para intervalo. 

No segundo tempo, as constantes perdas de bola de Quenda e o pouco rendimento de Vagiannidis tornaram-se gritantes e deram um quarto de hora de avanço à Juventus. Valeram-nos Diomande e Maxi, agressivos sobre a bola e sempre bem posicionados. Subitamente, o lateral grego foi descoberto por Inácio sozinho na área da Juventus, mas na hora da definição não ajudou ter um pé chato (ou foi chato não ter um melhor pé). Rui Borges leu bem o que o jogo precisava e lançou Geny e Quaresma, mudando todo o lado direito da sua equipa. Se o moçambicano foi mais associativo e assim melhorou um pouco o nosso desempenho atacante, o português foi um "upgrade" enorme face ao grego, mostrando-se imperial nos duelos e saindo com outra fluidez para o ataque. Assim, o Sporting conseguiu finalmente estabilizar o seu jogo defensivo e com a ajuda das abelhinhas Simões e Hjulmand voltar ao meio campo dos italianos. Suarez entrou para o lugar de Ioannidis e assim reforçar o controlo de bola no meio campo adversário. Faltava ainda uma cartada e Rui Borges jogou-a bem. Em teoria, procurando em Alisson uma profundidade que este na prática ameaçou mas acabou por não dar, fugindo prematuramente da linha lateral e não procurando a linha de fundo, antes indo para zonas interiores congestionadas de tráfego e onde invariavelmente encontrou um sinal vermelho. Morita entrou também para o lugar do exausto Simões, que com um pequeno toque esteve em dúvida até à hora do jogo, mas o japonês, mesmo fresco, está sem explosão e ritmo, pelo que não faz a diferença. Nos últimos minutos, a Juventus surgiu de novo ameaçadora. Era o último assalto, mas Rui Silva não deu hipóteses aos piemonteses. Guardado ainda estava porém um susto: um exausto Maxi provou os danos que a falta de oxigénio pode provocar no cérebro ao intentar fintar três italianos sem ninguém nas costas. Perdeu a bola, houve cruzamento para área, remate, mas a bola deflectiu num jogador do Sporting e acabou por sair por cima. Não havia mais tempo e o jogo praticamente terminou ali. 

Com quatro jogos e sete pontos, o Sporting se vencer o Club Brugge fica com um pé e meio na próxima fase da Champions. Falta-nos uma vitória para cumprir o lema do nosso fundador e não deixa de ser apreciável que o timoneiro desse possível desiderato europeu seja um homem desdenhado por ser originalmente um rural, como diria o presidente Marcelo, se tivesse ao almoço os correspondentes dos jornais estrangeiros a fazerem perguntas sobre o futebol português. Já dizia o Einstein que é mais fácil desintegrar um átomo do que destruir um preconceito, mas a exportação da "Taberna Mecânica" ou "Tiki-Taska" como triunfo da regionalização lusa na Europa ainda é capaz de vir a fazer corar de inveja o muito mais cosmopolita "Special One". Aguardemos então as cenas dos próximos capítulos. 

 

Tenor "Tudo ao molho...": Rui Silva 

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