Tudo ao molho e fé em Gyokeres
Que grande 31!
Pedro Azevedo
Numa Liga ainda(!) presidida por um Pedro Proença que acredita que o anteriormente competitivo futebol português, que já foi capaz de vencer quatro Champions, uma Taça dos Vencedores de Taças e duas Ligas Europa, voltará em todo o seu esplendor de Choupana-Quibir num dia de nevoeiro, enquanto o Porto foi de passeio até à Pérola do Atlântico - um mistério da fé, ou não se tratasse da quadra natalícia -, o Sporting deixou a pele num duelo muito intenso na Cidade Berço. Assim, enquanto os Dragões puderam descansar e focar-se imediatamente na Taça da Liga, os Leões tiveram de ir a jogo e subsequentemente recuperar fisiologicamente os jogadores que actuaram em Guimarães, ao mesmo tempo que com rezas e mezinhas procuravam resgatar da enfermaria de Al Cochete um ou dois dos inúmeros entretanto coxos caídos em combate que por lá se vão acumulando. Dir-se-ia assim que o Sporting chegava com armas desiguais a esta semi-final com o Porto, mas os jogos não se perdem antecipadamente quando se é de uma raça que nunca se verga. E assim apresentámo-nos em Leiria.
O Porto começou melhor, aproveitando o espaço que a linha recuada dos Leões foi cavando para o seu meio campo. Nessas entrelinhas foi-se destacando o que parece ser o clone perfeito de João Vieira Pinto, um miúdo com pinta de malabarista da bola que dá pelo nome de Rodrigo Mora, que logo se evidenciou com um toque de calcanhar seguido de passe açucarado para um remate perigoso à baliza de Israel. Em contraste de estilo, o Samu abusou da canela do meio campo até à nossa área e chegou a ameaçar rematar, mas o Fresneda interpôs-se e tudo acabou num pastel de nada. Terminadas as aproximações perigosas do Porto à nossa área, que oportunidades de golo são outra coisa, logo equilibrámos a coisa: primeiro, num slalom gigante de Gyokeres que ultrapassou portistas como se fossem bandeiras até rematar rente ao poste, depois num tiro defiectido de Quenda que quase enganava o Cláudio. Chegava o intervalo.
Se no primeiro tempo os Leões foram ineficientes na saída para o ataque, especialmente na ala direita - numa jogada típica de bowling, o Fresneda chegou a mandar violentamente a bola contra o Geny como se este fosse um pino - , no reatamento o Sporting surgiu a atacar por todo o lado. Mas a mina estava no corredor central, mais concretamente no espaço que já no primeiro tempo se percebia existir nas imediações da meia-lua da área portista. Eis então que Geny pega na bola, tabela com Morita, recebe de volta, finta mais um, toca para Quenda, este desmarca Gyokeres no centro da área e o sueco não vacila: golo a coroar uma jogada de tiki-taka a fazer lembrar o Barcelona de Messi ou os brasileiros de 82. Foi o 31º golo de Gyokeres pelo Sporting nesta época desportiva, ele que também ontem foi um grande 31 para quem o teve de marcar. E poderia ainda ter feito mais estragos, não fora a compaixão do árbitro para com os desfavorecidos que passaram o tempo todo a agarrá-lo e a dar-lhe pontapés como se não houvesse amanhã e assim conseguiram "passar entre os pingos da chuva".
Este Rui Borges que pode ser Rui Borges está a sair-nos muito melhor do que o João Pereira que não pôde ser João Pereira, o que não quer dizer que se o Rui Borges não pudesse ser Rui Borges (o Rui Borges é tão camaleónico e ontem usou tantos sistemas que é difícil dizer se foi igual a si próprio ou o que é o seu "eu" próprio) a coisa corresse mal. É que há ali uma aragenzinha de sorte que o acompanha que faz com que o Rui Borges se assemelhe ao Rúben Amorim. Costuma porém dizer-se que a sorte protege os audazes e o discurso de Borges antes do terrível ciclo que está a ter pela frente foi sempre orientado pela positiva e sem desculpas. E ontem há que dizer que mexeu muito bem na equipa ao intervalo, mesmo não fazendo nenhuma substituição. Agora só lhe resta seguir as sábias palavras de Jean Cocteau: "O tacto na audácia é sabermos até onde podemos ir". Ainda que com Pote, o céu possa ser o limite...
Tenor "Tudo ao molho...": Vik "Thor" Gyokeres