Tudo ao molho e fé em Gyokeres
Ser ou não ser
Pedro Azevedo
De Mirandela não vêm só alheiras, há em Rui Borges alguém que não está aqui para encher chouriços e se afirma desde o primeiro dia como um René Descartes cuja dúvida metódica lhe faz desconfiar do 3-4-3 e começar a construir do zero um novo sistema de crenças que pode ser sintetizado no 4-1-4-1 com que a equipa do Sporting (des)organiza-se ofensivamente. Pelo que passámos da tentativa mal-sucedida de clonação de Rúben Amorim por parte de João Pereira, o nosso momento Dolly, para a ruptura com o sistema de crenças anterior, por enquanto ainda mais dependente da atitude que da inspiração, a modos de um "lutem e continuem lutando até que os cordeiros se tornem leões" (ou desfaleçam de cansaço ou por lesão durante o processo).
O Sporting vive presentemente em transição ontológica. Quer-se agora que alguém que dirige a equipa seja igual a si próprio, da mesma forma que no passado recente não se quis que outro alguém fosse esse alguém. É confuso para quem queira aprofundar a questão, o que felizmente não é o caso dos nórdicos, tradicionalmente concentrados na tarefa e pouco dados a dúvidas existenciais. Por isso, o Gyokeres foi o Gyokeres e começou logo a marcar, que para ele metafísica é mais "mete a física" a caminho da profundidade. O Sporting ataca em 4-1-4-1, o que exige que Hjulmand se dê constantemente ao jogo para procurar a bola e a colocar de seguida nos dois médios-centro ofensivos. No primeiro golo do Vitória, o Hjulmand estava marcado em cima. Diomande podia ter passado à queima para Quaresma ou optado por atrasar tranquilamente para Israel. Mas não, tentou queimar linhas e colocar longo na frente, permitindo assim uma transição muito perigosa que só foi parada por Quaresma em falta. Do livre subsequente, o Vitória empatou, com Israel a fazer-se tarde à bola. Quando os médios contrários condicionam Hjulmand, os centrais são obrigados a fazer passes longos. Aqui surge um dilema, porque nem Diomande nem St Juste são particularmente bons neste item, ao contrário de Debast que por outro lado é quem defende pior, o que sem os 3 centrais é ainda mais notório. Nesse transe, Quaresma destacou-se no primeiro tempo da mediocridade geral, servindo bastas vezes de pronto-socorro e levando o sector defensivo a reboque. Em suma, esta táctica presente não deixa confortável nenhum central. Sem conseguir jogar entrelinhas pelo meio, o Sporting circulou por fora, em "U": Quenda voltou a solicitar Gyokeres na profundidade e o nosso Vik Thor não perdoou. O Sporting foi para o intervalo em vantagem.
De uma brilhante tabelinha entre Morita e Gyokeres, o Sporting marcou o terceiro golo. Pensou-se que o jogo estava ganho. Só que Morita "deu o berro", o meio-campo tornou-se muito levezinho e Matheus Reis adormeceu à sombra da bananeira e abriu uma auto-estrada com via-verde para o segundo golo do Vitória. Pouco depois, veio o terceiro: St Juste afastou uma bola para a zona central do campo, desequilibrando toda a equipa. E o quarto: Matheus Reis ficou a ver o avançado vimaranense cabecear à vontade, ao mesmo tempo que Israel ficava pregado na linha de golo, como um prisioneiro em solitária que faz de postes e barra a sua própria cela. Sobre o gongo, Trincão ainda empatou, em lance brilhante que esteve nos antípodas da sua acção no jogo, salvando-nos 1 ponto.
Voltando à questão ontológica, o Sporting ontem não foi Sporting. A boa notícia é que hoje o Benfica ainda foi menos Benfica (se o Manchester United amanhã não for Manchester United, a notícia poderá não ser tão boa porque se Lage continuar a ser Lage então Amorim até poderá vir a ser novamente Amorim e estar a caminho). O problema é que o Porto começa a ser Porto, ainda que a coberto do nevoeiro, o disfarce ideal para quem não quer ainda dar nas vistas.
Tenor "Tudo ao molho...": Vik Thor Gyokeres