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A Poesia do Drible

"Um pouco mais de sol - eu era brasa, Um pouco mais de azul - eu era além. Para atingir, faltou-me um golpe d'asa... Se ao menos eu permanecesse aquém..." - excerto de "Quasi", de Mário de Sá Carneiro

"Um pouco mais de sol - eu era brasa, Um pouco mais de azul - eu era além. Para atingir, faltou-me um golpe d'asa... Se ao menos eu permanecesse aquém..." - excerto de "Quasi", de Mário de Sá Carneiro

A Poesia do Drible

05
Dez24

Tudo ao molho e fé em Gyokeres

O passado, o presente e o futuro


Pedro Azevedo

Em "O Leopardo" (Il Gattopardo"), Don Fabrizio, príncipe de Salina, afirma que é preciso mudar alguma coisa para que tudo fique exactamente igual. Em jogo estava a sobrevivência, algo que para um felino (literal e metaforicamente) desperta sempre o instinto de preservação. Sendo certo que o Leão partilha com o Leopardo o mesmo étimo comum, ambos pertencendo ao género Panthera, no actual reino do Leão as circunstâncias são diferentes, isto é, não se quis mudar, as circunstâncias é que assim o obrigaram. No entanto, o pretendido é o mesmo: que tudo fique igual. Para que tudo ficasse na mesma, Frederico Varandas escolheu um treinador da Academia com predileção pelo sistema 3-4-3. Como Amorim havia adoptado esse sistema desde a sua chegada a Alvalade, Frederico quis acreditar que tudo ficaria igual. Logo o comunicou à massa associativa e adeptos, valendo-se do tirocínio de 3 anos que João Pereira já tinha de Alcochete para dar credibilidade à sua mensagem dirigida aos Sportinguistas. Esqueceu-se porém de um pormenor: a ideia da continuidade iria confrontar mais o presente com o passado, com os resultados como fiel da balança do tribunal do povo Sportinguista. Outras soluções exigiriam tempo, e tempo é algo que os Sportinguistas estão habituados a ter de dar, ou não tivessem tido de esperar por vitórias em 2 longos períodos de 18 e 19 anos, respectivamente, mas a ideia da continuidade criou a ilusão de que não haveria que esperar. Seria pois tudo igual, que o futebol é fácil, fácil, e normal é ganhar o Euromilhões duas vezes seguidas. Só que os resultados iniciais não foram animadores e logo houve quem pegasse no Orwell e se lembrasse de que os animais (e, por conseguinte, os homens) são todos iguais, mas há uns mais iguais do que os outros (e, logicamente, outros menos iguais, como adiante se verá). Inevitavelmente, ou não, tendo o nosso povo essa tradição, com as dúvidas apareceu o sebastianismo, mostrando-se os Sportinguistas órfãos de Amorim, o que é mais legítimo, maduro e fácil de entender do que sentir a falta de quem por uma bravata perdeu simultaneamente a vida e a soberania do reino português. Porém, esse sentimento de orfandade quando se pretende andar para a frente é semelhante àquele automobilista que conduz a sua viatura só a olhar para o espelho retrovisor. Resultado: estampa-se ao primeiro obstáculo que apanha pela frente. Haveria por isso que erradicar esse sentimento e agarrarmo-nos ao que temos e João Pereira percebeu isso muito bem. Como tal, em conferência de imprensa, alertou que o treinador antigo não voltará, assim como quem diz: foquem-se no presente que o passado já lá vai, ultrapassou-nos pela direita com um terço da estrada percorrida e foi por um atalho tratar do seu futuro para Manchester. Tudo estaria bem se os Sportinguistas não desconfiassem de que o futuro não será igual ao passado recente, tomando como referência o presente. E o que é o presente? Por um lado temos um presidente que nos diz que o novo treinador está a ser preparado há 3 anos, por outro há um treinador que nos transmite que não pode replicar o que não sabe, que há comportamentos e nuances introduzidas por Amorim que desconhece, o que cria a dúvida sobre que preparação específica foi feita e obriga a mudar a fórmula de sucesso que nos foi dita que permaneceria igual. Afinal, tal como em "O Leopardo", seria preciso mudar para tudo ficar igual (os resultados), com o Sporting na liderança. Ora, mudar o que deu certo e com um protagonista ao leme diferente daquele que já tinha provas dadas é coisa para a qual os Sportinguistas não estavam preparados, daí a perplexidade e imediata insegurança que se apoderou de nós, potenciadas pela derrota de goleada com o Arsenal e o inédito desaire caseiro com o Santa Clara. Foi com estes sentimentos no subconsciente dos Sportinguistas que chegou o jogo de Moreira de Cónegos: lançaria ele água na fervura ou mais achas para a fogueira? (Para achas na fogueira já nos chegava mais uma das nossas idiossincrasias, a insólita existência de um bombeiro "incendiário", um oxímoro leonino.)

 

Não se sabe o que João Pereira vale, mas é sabido que não bale (como a Dolly), que clonagem por enquanto ainda é coisa para ovelhas. Ainda assim, hoje João Pereira quis aproximar-se dos princípios de jogo de Ruben Amorim, pelo menos no que respeita ao ponto de partida dos interiores, lançados de fora para dentro e facilitando o "overlap" dos alas. Só que a equipa revelou falta de paciência, abandonando precocemente o tricô no centro e não resistindo ao "cruzabol" a partir dos flancos. Além de que, no primeiro tempo, o jogo esteve de novo sub-virado à esquerda, um tipo de "marxismo-leoninismo" já observado em igual período com o Santa Clara. Todavia, Gyokeres conseguiu ganhar um penalty na área e o Sporting adiantou-se no marcador. Parecia que o mais difícil estava feito, mas se a organização ofensiva requer afinação, a organização e transição defensivas entregaram o jogo. Tudo começou numa bola parada em que a zona não funcionou. Porém, o cabeceamento foi executado ainda longe da baliza, o que oferecia boas possibilidades de defesa ao nosso guarda-redes. Mas este denota falta de escola, não corre debaixo dos postes, atira-se de onde está como se fosse um nadador a esperar pelo tiro de partida para mergulhar dos blocos. Resultado: faltou-lhe largura e altura na estirada, mostrando uma flagrante falta de elasticidade para um guardião com quase 2m de altura. Se as coisas já estavam menos bem, pior ficaram quando Geny cometeu um erro de principiante e enviou a bola num arremesso para o centro do terreno. Na sequência, Schettine chutou à baliza. O remate foi efectuado de fora de área, mas Kovacevic voltou a não chegar a tempo. Sem muito fazer por isso, o Moreirense ia para o descanso em vantagem. 

Muito se fala de nuances tácticas quando não se resiste a comparar o Ruben com o João. Essa análise porém é redutora porque nos esquecemos da estrelinha. O Ruben tinha avisado para isso e o segundo tempo confirmou que a João Pereira tem também faltado sorte: 2 remates à barra. A equipa reentrou bem e fez uns bons 15 minutos. Mas depois cedeu ao nervosismo, começou a lançar a bola na frente à toa em vez de jogar de ouvido como antigamente. Faltou um grito para dentro do campo e as coisas complicaram-se ainda mais. Nesse particular, Trincão teve uma noite desinspirada e estragou quase todos os lances em que entrou. Nesse transe, ele e Bragança ignoraram, em duas ocasiões distintas, Matheus Reis isolado pela esquerda. E quando Braganca saiu, a equipa deixou de ter cérebro e passou só a viver da emoção. Bem lutou Gyokeres para evitar o nosso fado, mas a equipa não o ajudou rigorosamente nada. Pelo que nem mesmo as substituições que desta vez João Pereira não adiou, mudaram fosse o que fosse para melhor. Não, a equipa perdeu-se emocionalmente no relvado. 

Em 2 semanas o Sporting vê-se na iminência de ser apanhado na liderança pelo Porto (e potencialmente ultrapassado pelo Benfica). Acabou-se assim a almofada confortável que amortecia a chegada de um novo treinador. Frederico Varandas bem que pode ser um vidente e ter visto na bola de cristal da Alcina Lameiras em João Pereira o futuro do Sporting com 4 anos de antecedência, mas bastaram 9 dias para que o Sporting perdesse por 3 vezes e 1 dia para que perdesse 6 elementos da equipa técnica. As coisas no futebol mudam muito depressa, dizia Amorim, que foi conseguindo adiar essa mudança antes de ele próprio mudar para Manchester e deixar os jogadores que em si acreditaram órfãos com dois terços da época por completar. Nessa recriação de Amorim do célebre ditame de Pimenta Machado de que no futebol o que hoje é verdade, amanhã pode ser mentira, Varandas até pode estar certo e o amanhã provar que a presente desconfiança de sócios e adeptos é mentira. Mas é preciso cuidar de que haja amanhã, e isso trata-se no presente, que a natureza tem horror ao vazio e logo surgem ervas daninhas. Ou então, o presente trata de nós, um presente que certamente nenhum Sportinguista desejará em época natalícia.  

 

Tenor "Tudo ao molho...": Gyokeres

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