Tudo ao molho e fé em Gyokeres
Um argumento caído do Céu
Pedro Azevedo
Antes do jogo era sabido o seguinte: o Manchester City não perdia há 26 jogos para a Liga dos Campeões, um recorde da competição. E ainda não havia sofrido qualquer golo na Champions da presente temporada. Adicionalmente, vencera a exigentíssima Premier League na época passada, chegando assim ao tetra-campeonato, totalizando 6 títulos de campeão inglês nas últimas 7 edições. Perante estes factos, escusado será dizer que o City era super favorito. Mas um jogo de futebol não se joga no computador, nas estatísticas, nas previsões das cassandras apressadas nos jornais e teievisoes. Não, um jogo de futebol joga-se no campo, no relvado. E é presente, e não passado, pelo que tudo o que aconteceu lá atrás não é garantido que se repita. Além de que se trata de um jogo, logo inclui variáveis aleatórias como a sorte e o azar que tantas vezes são desprezadas na sua análise posterior. Serve este último arrazoado para introduzir não de supetão o resultado do jogo. Para quem não viu ou não sabe ainda, recomendo que se acomode, que se sente bem - o resultado foi quatro-a-um para o Sporting!!!
"Como é que tal foi possível?", perguntará, legitimamente, o Leitor. Foi possível porque é futebol. E também na medida em que os pontos fortes do Sporting colidiram com os poucos pontos fracos do City e daí resultou a hecatombe inglesa. Pode agora parecer paradoxal, tendo-vos dito primeiramente que o passado não garante o presente, mas a história está cheia de exemplos de superação do mais fraco face ao mais forte. Desde David e Golias, passando por Aljubarrota ou pela Armada outrora julgada Invencível. E ontem fez-se história em Alvalade, na despedida do nosso treinador desse palco sagrado para todos os Sportinguistas. Um enredo que desafiaria o guionista mais out-of-the-box de Hollywood, porque alinhavado no Céu, que Amorim é um daqueles que Deus mais ama e assim transporta com ele uma estrelinha que reluz quando dela mais precisa. Como todo o bom argumento, os sinais iniciais foram contraditórios com o resultado final, como se o Dramaturgo desta história quisesse apanhar o espectador de surpresa. Assim, cedo (3 minutos) o City se apanhou em vantagem no marcador. E para que não houvesse dúvidas de que a noite não seria auspiciosa, pouco depois Gyokeres, o nosso Vik Thor, o Viking e filho de Odin que em boa hora aportou a Alvalade, falhou um golo cantado, mostrando assim uma faceta menos própria de um deus e mais próxima de uma condição humana que se lhe desconhecia. Se o nosso deus está num dia mau, e nós, mortais, nem sabíamos que os deuses poderiam ter dias menos bons, então a nossa glória ou ambição acabará na vala (e não em Vahala) - pensou-se. Mas os guiões mais criativos dão muitas voltas e reviravoltas ("remontadas" é no Bernabéu e este enredo vai mais no caminho de re-béu-béu, pardais ao ninho, conforme adiante se verá) e este centrou-se durante largos minutos num actor secundário que roubou o palco aos designados protagonistas. Falo-vos de Franco Israel, que foi adiando o julgado inevitável, e assim mantendo o Sporting no jogo e dando tempo para que um qualquer milagre se operasse. Eram vagas e vagas constantes de ataque do City, calafrios a seguir a calafrios, mas Israel foi mantendo o sonho da "terra prometida". Até que o menino Quenda agigantou-se e serviu Gyokeres no espaço com maestria. Na profundidade, o Vik Thor ganha artes de Neptuno e nada nem ninguém o pode parar. Resultado: 1-1.
O intervalo chegou e com ele a sensação de que o resultado era muito melhor do que a exibição. Mas estávamos dentro do jogo, e assim tudo ainda era possível, o sonho continuava presente e à espera de ser vivido. A verdade é que o jogo reatou-se e o nosso Aladino logo soltou o Pote Mágico, libertando o primeiro de 3 desejos que viriam a ser concretizados na íntegra, deixando Kovacic nas covas e isolando Maxi - não um perna-de-pau qualquer, mas um Super Max(i) - na cara de Ederson. O uruguaio, que no primeiro tempo já havia liderado pelo exemplo, nunca se deixando intimidar e mostrando ganas de ser o primeiro a libertar-se do jugo inglês, não perdoou e pôs o Sporting na frente. Ainda não refeitos da pancada, logo os ingleses viram Trincão a isolar-se na direita. Em pânico, sem perceber o que, o como e o porquê do que estava a acontecer, Gvardiol atropelou-o na área. Subitamente, o City via-se em banho-maria no caldeirão do Panoramix Amorim, mais um exemplo de como um "pequeno" pode fincar o pé a um "grande" ou uma "aldeia gaulesa" se manter invicta face ao todo-poderoso "Império Romano". Chamado a converter a penalidade, o Gyokeres recorreu à antiguidade clássica do engodo do penalty: guarda-redes para um lado, bola para o outro. De engodo se faz um bom argumento e este ainda estava longe de estar terminado. Eis então, no nosso melhor período, que do inferno do VAR cai um penalty desta vez a favor do City. Para marcá-lo o Haaland, o deus deies, aquele que na antecâmara do jogo suscitara nas TVs e redes sociais um condescendente "pois, o Gyokeres e tal, mas o Haaland é outra loiça...". Se o era, partiu-se, desintegrou-se naquela bola que saiu da marca dos 11 metros para malhar no ferro. Nesse momento, o Sporting ganhou o jogo, até São Tomé deixou de acreditar num qualquer outro cenário que não fosse a vitória leonina. Restava porém perceber por quantos. O City estava reduzido a cacos e nesse transe até um dos seus melhores jogadores no dia (Matheus Nunes) perdeu a compostura e não cedeu à tentação de cometer mais um penalty. Era o descalabro, o desgoverno de uma equipa que não entendia o que acontecia no campo, como se tivesse sido atropelada pelo autocarro que em tempos Amorim dispusera no relvado, antes de lhe ligar a ignição e de inerte ganhar vida. Desta vez o Gyokeres quis que o Ederson adivinhasse o lado e conhecesse os limites da sua própria elasticidade, colocando a bola com a força e pontaria necessárias a que os esforços do brasileiro fossem vãos e inglórios - uma maldade. Estava feito o resultado final de um jogo que foi como uma Marioshka, ou seja, teve vários jogos dentro de si. Como o jogo entre o futuro treinador do United e o actual do City. Ou o duelo particular entre Gyokeres e Haaland, que também terminou com 3 golos de diferença.
O Homem sonha, a obra acontece. Venha o Braga! Depois, se "o rei está morto", "longa vida ao novo rei". Muito obrigado por tudo, mister Amorim, boa sorte, mister João Pereira!!! Deixem-me sonhar...
"Aquele que já não consegue sentir espanto nem surpresa está, por assim dizer, morto; os seus olhos estão apagados." - Albert Einstein
Tenor "Tudo ao molho...": Vik Thor Gyokeres. Menções honrosas: Israel, Maxi, Pote (para Martinez ver), Trincão, Quenda e todo o sector defensivo (como entrou bem o Quaresma!)