Tudo ao molho e fé em Deus
Um cabrito antes do borrego
Pedro Azevedo
As visitas do Sporting à Áustria provocam-me sentimentos contraditórios. Por um lado, convocam-me uma certa nostalgia, trazendo-me à memória os concertos de ano novo do maestro von Karajan e a família von Trapp do "Música no Coração", filme que em miúdo não houve madrinha, padrinho, mãe, pai, avó, avô ou amigo de família que não me tivesse levado a ver no cinema. Por outro, fazem-me sonhar, na medida em que à boleia dos jogos acabo sempre por ser transportado para o universo de Mozart e a genialidade da sua arte. Finalmente, causam-me pesadelos. Não, não me refiro ao canto tirolês do José Figueiras, mas sim às bolas que entraram a meio da baliza do Costinha em Salzburgo (Casino), expulsão de Dani em Viena (Rapid), derrota pesada em Linz (LASK) e a uma outra meiguinha, porque a eliminatória nos sorriu, em Innsbruck (Swarovski Tirol), tudo consubstanciado numa sova de 14 golos sofridos e apenas 2 marcados em visitas anteriores. Ou causavam, porque ontem matámos o borrego na pátria da imperatriz Sissi.
A transmissão televisiva iniciou-se e logo dei conta da publicidade enganosa. É verdade, em Grass, ou Graz, ou lá o que é, a (S)turma que trata da relva merecia um cartão vermelho. Nada porém que incomodasse sobremaneira o nosso panzer sueco, um todo-o-terreno a quem devemos agradecer o empenho acima da média - "You have to push yourself", disse ele no fim do jogo com aquele rigor quase robótico que caracteriza a irrepreensível ética de trabalho dos povos do norte da Europa. Dado o local do jogo, é sem dúvida caso para lhe enviar um "graz(ie)"!
Como os tempos são de crise, o Rúben entrou em poupanças. O problema é que não se deve poupar no que nos alimenta, senão faltar-nos-ão as forças para realizar bem o nosso trabalho. Foi mais ou menos disso que nos ressentimos ontem. Sem Morita e Pote, dois jogadores absolutamente nucleares e imprescindíveis na filosofia de jogo de Amorim, ao Sporting foi faltando quem quebrasse linhas em progressão e soubesse jogar entre-linhas. Assim, o jogo tornou-se monocórdico, de posse estéril, sem quem o acelerasse no centro do terreno com critério (bom, a ideia era ser o Trincão...). Restavam assim as linhas laterais, mas o deplorável estado da relva não ajudou a esse desiderato. Ainda assim, foi de iniciativas individuais de Geny que resultaram os lances de maior perigo do Sporting, ingloriamente desperdiçados por Paulinho e Trincão. Quanto a Gyokeres, ele bem tentou desestabilizar as linhas austríacas, ora explorando a profundidade, ora procurando a largura, sacando faltas e 2 cartões amarelos no processo, mas a comunicação com um contido Matheus Reis não o favoreceu. Foi sempre mal servido, dando muito mais à equipa do que esta actualmente lhe dá. Por outro lado, quando desceu no terreno em apoio, faltou sempre quem soubesse ir na outra direcção, em ruptura. Trincão nunca o fez, pelo que as saudades de Pote estavam a ser enormes. Até que de uma transição simples dos austríacos resultaria a nossa inferioridade no marcador, em lance onde foi notória a ingenuidade de Geny e o desposicionamento e falta de pernas dos médios leoninos, sem conseguirem recuperar após atraídos que foram para o vazio quando em superioridade numérica.
A perder, Amorim meteu a artilharia pesada. Diomande galgou terreno e avistou Pote. Se a ideia era matar o borrego, o transmontano começou com um cabrito. E deu a prová-lo ao guardião austríaco. Da indigestão subsequente resultou uma bola perdida perto da linha de golo. Um defensor do Sturm Graz estava muito melhor posicionado para atacar a bola, mas a força física, velocidade de reacção e instinto matador de Gyokeres levariam a melhor. Mais ninguém no nosso actual plantel conseguiria marcar um golo assim. Com o empate, o Sporting cresceu ainda mais. Pote marcou um livre, a bola resaltou para a entrada da área e Diomande amorteceu-a, mudou de direcção e rematou. Coates ainda lhe terá tocado, mas o resultado foi o fundo das redes do Graz. O golo sentenciou o jogo, pouco mais havendo a declarar além de uma iniciativa individual kamikaze austríaca que só o nosso capitão conseguiu parar.
"Diz-me como rodas a equipa, dir-te-ei que resultados obterás". Ontem pusemo-nos a jeito, num outro dia provavelmente não teremos a mesma sorte.
Tenor "Tudo ao molho...": Viktor Gyokeres