Tudo ao molho e fé em Deus
Rena va plus
Pedro Azevedo
A Finlândia é um país onde acontecem sortilégios como o Sol da Meia Noite no Verão, a Aurora Boreal no Inverno ou o Pai Natal todo o ano em Rovaniemi (Lapónia). A inclusão aqui do Pai Natal não foi inocente, na medida em que é preciso acreditar muito nele para imaginar uma equipa finlandesa como a que nos visitou ontem competitiva no futebol. É certo que houve um Litmanen, que marcou uma década no Ajax, mas essa foi a excepção que confirma a regra da mediania do futebol finlandês. Pelo que nem o sangue de rena - elas até voam nas mãos, lá está, do Pai Natal - que valeu ao Lasse Viren bater o nosso Carlos Lopes em Montreal lhes tem servido ao longo dos tempos, que no futebol a bola deve correr mais do que o jogador e para isso é necessário talento. Como tal, foi o adversário ideal para dar continuidade a um grupo de qualificação onde pontificaram vários países do terceiro escalão do futebol mundial, ficando por revelar o que ocorrerá quando defrontarmos um adversário de primeiro nível: será a Aurora Boreal que fará luz sobre o Inverno do nosso descontentamento ou o Sol da Meia Noite de um sonho de uma noite de Verão? (Ou como com uma tirada Shakespeariana a armar ao inteligente se procura desesperadamente esconder a falta de ideias e encher o chouriço de uma crónica.)
Se o Pai Natal é omnipresente só em Dezembro, o Palhinha é omnipresente no ano inteiro em tudo o que envolve estádios de futebol. Ele parece ter o dom da ubiquidade: em cada palmo de relva, na bancada a vender nougats, no bar a servir umas imperiais, em todo o lado e ao mesmo tempo há Palhinha. Não admira por isso que, para quem vive o futebol como quem bebe de um trago só (o público), ele caia no goto, que é coisa que não ocorre a quem no relvado se submete ao filtro de Palhinha. É verdade, com ele em campo o adversário não mexe um(a) Palhinha, não assusta, não incomoda. Ele é o seguro de vida do senhor Martinez e a razão por trás dos sonhos de todos os portugueses. Porque já não é só mais do que notório na repressão, qual guarda florestal que contrabalança a acção de uns quantos espalha-brasas. Sim, em matéria florestal ele continua a ser o eucalipto que nada deixa crescer à volta, mas agora também é o pinheiro que domina o jogo aéreo e o azevinho que ornamenta belas jogadas de ataque com os seus venenosos passes entre-linhas. Não é a árvore, é a floresta toda. Por exemplo, às tantas o Puki marcou 2 golos de rajada. "Puki"? "Puki" o Palhinha já não estava no relvado. Estavam outros, jovens estrelas ainda na idade dos "Pukis", mas Palhinha só há um.
Outro que não engana é o Bruno. Rematar como ele só o Ronaldo dos melhores dias. E depois ainda tem o "plus" de ser um treinador dentro do campo, o que pode dar algum jeito caso o seleccionador seja tão mau a dar a táctica como a explicar as convocatórias. E não posso esquecer o Diogo Jota, que é do meu particular agrado: um faz-tudo simultaneamente empreendedor e solidário, mais combativo do que a sua envergadura recomendaria, melhor cabeceador do que a sua altura prognosticaria, mais veloz do que o seu biotipo avaliaria, melhor goleador do que a sua posição no terreno atestaria. No fundo, supera-se. E eu creio que é de jogadores assim que se pode sempre esperar um golpe de asa quando outros já baixam os braços.
Uma nota final para o Chico Sansão (ele que não corte o cabelo), que espalhou brasas como o prometido, Vitinha, que se espera que no fim seja tão bom para a barriga quão agradável é para a vista (ainda tenho as minhas dúvidas), Pedro Neto, um furacão na ala esquerda, e Nuno Mendes, um regresso que se saúda.
E pronto, temos os nossos 26, rien ne vas plus. A Finlândia também não vai (ao Euro), mas marcou-nos dois golos (a rever). Ficou a ideia de que o grupo não é tão homogéneo assim, no sentido em que não há um substituto à altura de Palhinha, por exemplo.
Tenor "Tudo ao molho...": Palhinha