O Postiga aterrou em Londres para jogar no Tottenham e cinco segundos depois já os media britânicos, sempre rápidos a carregar no gatilho do trocadilho inteligente, o baptizavam como "The Postman" (O Carteiro). Acontece que muito provavelmente o Postiga, que era uma espécie de Paulinho aditivado da época, não conhecia bem as ruas inglesas, razão pela qual a esmagadora maioria das cartas nunca chegou ao seu destino. Ou, então, terá sido por não pressionar suficientemente a campainha e assim ninguém se mostrar disponível para abrir-lhe a porta, já que também em Inglaterra é vox-populi que o carteiro toca sempre duas vezes. Em sentido inverso, a Portugal chegou o Gyokeres. Vinha da segunda divisão inglesa e muitos o olharam com desconfiança. Ninguém se atreveu a chamar-lhe carteiro. Diziam-no, isso sim, móvel, mas desses suecos já havia em stock no IKEA, o que pela lei da oferta e da procura para alguns o desvalorizava face ao preço de compra. Mais do mesmo, pensaram. Entretanto, o Gyokeres começou a trabalhar. Logo na estreia, tocou duas vezes aos vizelenses. Repetiu a dose em Faro. E ontem, de novo aos farenses, chegou até a tocar três vezes. Conclusão: nem o correio azul, que tem carteiros espanhóis, brasileiros e um persa que de tão mergulhador até é capaz de entregar correspondência em submarinos, despacha tão rápido como este verde. Sempre com selo... de golo. Para o classificar, o melhor é recorrer a Jose Régio: Gyokeres é "um vendaval que se soltou, um átomo a mais que se animou, uma onda que se (a)levantou". Um cântico negro para os adversários, uma boa onda para todos os Sportinguistas.
Se o Gyokeres já é mais carteiro do que o Postiga, o polivalente Gonçalo Inácio ainda não é tão Kaiser quanto o Franz Beckenbauer. Mas para lá caminha. Para já é o Stones do mister Rúben Amorim, o que para quem viu o recente derby de Manchester não pode deixar de soar a elogio. Outro que também se disse ter custado caro foi o Diomande, mas eu nunca acreditei. É que, já se sabe, Diomande's are forever, o que muito ajudará a amortizar o seu custo. Além disso, é rápido, bom na marcação e pelo ar, tem sentido posicional, sai a jogar como um médio. E depois nem se percebe se é destro ou canhoto, que a bola dos seus pés sai sempre redondinha. Faz lembrar o Marcel Desailly. O jogo serviu também para reconciliar Trincão com os adeptos. A magia empregue no nosso primeiro golo justificou por si só o preço do bilhete. Será ele capaz de manter a consistência no alto nível? Quem regressou aos golos foi o Nuno Santos. Aqui produziram-se dois paradoxos: porque o Nuno marcou de pé direito, mas também na medida em que andamos a ouvir desde miúdos que o seguro morreu de velho para depois vermos o Velho a dar uma franganada nada segura.
Cada adepto do Sporting tem dentro de si um Abraracourcix, sempre com medo que o Céu lhe caia em cima da cabeça. Nesse transe, há sempre dramas no cotidiano leonino. O desta semana era a perspectiva de o Gyokeres estar afectado pelo cartão vermelho observado na Polónia. Como justificação, o ter ficado em branco no Bessa. Ora, eu nunca me revi nisso, primeiro porque me pareceu que o apagamento do sueco no xadrez boavisteiro se havia devido à estratégia de Amorim para esse jogo, depois porque estavam a fazer do Gyokeres uma florzinha de estufa, cheia de estados de alma à portuguesa, quando ele é um guerreiro de Odin que irá sempre perseguir a glória terrena em busca da consagração em Valhala. De forma que tomem lá um hat-trick, e fim de conversa de lamechice. Temos muito que aprender com este sueco, e seria bom que toda a equipa se deixasse contagiar pelo frenesim constante que ele traz ao(s) jogo(s), mostrando sempre respeito pelo jogo, lealdade com o adversário e solidariedade com quem veste o mesmo equipamento.
O Sporting vai jogo a jogo. A vantagem desta ideia é que o passado não conta, pouco importando o que fizemos até aqui. Não, o foco está sempre no futuro próximo, no próximo jogo, no mata-mata de Scolari, como se cada jogo fosse um campeonato por si só ou de uma final de tratasse. Eu gosto desta ideia. Tal como um condutor só deve olhar circunstancialmente pelo retrovisor, sob pena de, abusando de olhar para trás, se estampar no carro da frente, também o foco do Sporting deve estar naquilo que terá pela frente. Segue-se o Estrela. E um(a) Estrela, quando polar, indicará sempre o norte (da classificação). Norte que depois, paradoxalmente, passará pela Luz. Mas isso já serão contas de um outro rosário, e note-se que o campeonato ainda nem sequer chegou a um terço.
Em tempos, a imprensa relatava: o Sporting "dá vinte". E assim chegou um Gyoconde a um clube brazonado e com ele o Renascimento do Sporting. Que ele nos ilumine até ao fim... Jogo a jogo, que é como quem diz, Gyokeres a Gyokeres.
Tenor "Tudo ao molho...": Gyokeres