Tudo ao molho e fé em Gyokeres
Morte em “Veneza”
Pedro Azevedo
Há quem diga que Aveiro é a Veneza portuguesa. Se assim é, talvez até haja um Casanova à solta na terra dos moliceiros. A haver, desconhecer-se-á a sua identidade e paradeiro, mas ontem chegou a parecer tratar-se de Gyokeres e estar nesse "Elefante Branco" (construído de propósito para o Euro 2004), tal a facilidade com que na primeira parte ajudou a abanar o véu da noiva. Mas tudo não passou de uma ilusão porque o Casanova não deixava para terceiros aquilo que era da sua competência e o Gyokeres desperdiçou duas claras oportunidades de abanar ele próprio o véu da noiva. Ilusão foi também pensar-se que o enredo do jogo já estava escrito após o 3-0. O problema foi Ruben Amorim ter desenvolvido uma estranha obsessão pela permanência do intranquilo Debast em campo que permitiu o volte-vace no marcador. E do argumento de Casanova passámos para o Thomas Mann e o seu Morte em Veneza.
Esta coisa de ser Sportinguista tem muito que se lhe diga. Envolve uma dose cavalar de Lexotan e um desfibrilador sempre à mão de semear. Não admira assim que este Sportinguista não tenha embandeirado em arco mesmo com 3 golos à maior. É isso, em cada Sportinguista há um cinico, um ser desconfiado, um Abraracourcix sempre à espera que o céu lhe caia em cima da cabeça. Eu sei, seria altamente improvável e nada racional pensar-se que um dia o céu nos cairia em cima da cabeça. Mas os dinossauros pensaram o mesmo e um dia levaram com um meteoro na província de Yucatán que se assemelhou a uma explosão nuclear e conduziu à sua extinção, abalo semelhante ao que ontem foi psicologicamente sentido em Aveiro e em todos os lares onde há um Sportinguista. A boa notícia é que não nos extinguiremos nunca, daremos a volta - não, não me falem em "remontadas", senão não dormirei de noite - apoiados em meninos como o jovem Quenda que na sua estreia oficial marcou à Jordão. Leões rampantes são assim, ficam sempre de pé, ainda que uma e outra vez pequem pela esmerada arte de perdoar, indo do 80 para o 8, da potencial goleada à derrota, reanimando moribundos e dando moral ao novo Porto de Villas-Boas e de Vítor Bruno por falta de algo que há 30 anos o grande Bobby Robson - ainda assim, não tão grande que se tivesse salvado de um despedimento aéreo que mais pareceu saído de um sketch do Aeroplano, com o Leslie Nielsen (também tinha o cabelo branco) como protagonista - definiu em duas palavras anglo-saxãs: killer instinct.
Tenor "Tudo ao molho...": Gyokeres. Menções honrosas: Quaresma, Quenda e Pote.