Tudo ao molho e fé em Gyokeres
O Óbvio Ululante
Pedro Azevedo
Aquando da convocatória para o Euro, ficámos a saber que, para Roberto Martinez - um homem incapaz de ver o óbvio ululante, ainda que este se agite, num dia de céu aberto, a um palmo do seu nariz -, o Pote é um indivíduo com azar, muito azar. Mas o azar de uns é a sorte de outros, como foi o caso da França ou da Geórgia. Também do Pedro Neto, que acaba de assinar pelo Chelsea por 60 cripto-mendilhões, que é moeda que valoriza sempre para directores desportivos e nos mercados do futebol internacional. Sorte, e orgulho, tambem tem o Sporting em contar com o Pote nas suas fileiras, sentimento que tudo o indica ser recíproco: na Sexta-feira voltou a mostrar o seu entusiasmo com 2 golos, um com uma finalização à ponta de lança, outro de pura antologia. Tal como no passado, não deverá ser suficiente para convencer o senhor Martinez, algo que deveria ser mais propício de preocupar o Dr Fernando Gomes do que o Pote. É que, como diria o Confucio: "Se o problema tem solução, concentra-te na solução; se o problema não tem solução, porque é que te preocupas?". O facto é que Roberto Martinez não tem mesmo solução e o Pote tem o poder de mudar o figurino de um jogo mas não o de demitir o Seleccionador, logo...
[O cargo de Seleccionador nacional tornou-se assim o símbolo do mais alto representante do "gajo-porreirismo" luso, doutrina que consiste em habilmente se conseguir estar bem em simultâneo com Deus e o diabo. Os seus representantes são os "gajos-porreiros", isto é, muito amáveis e gentis mas sempre incapazes de tomar partido por uma causa justa que possa afectar compromissos assumidos ou obrigue a tomada de decisões que ponham em causa cargo e carreira. Habitam em cima de muros, sendo o comprimento, largura e profundidade desses muros as únicas medidas que têm no pensamento praticar em vida, aquelas vitais que evitam que caiam (na real) e se tornem uns "gajos susceptíveis" e capazes de empreender acções em nome de conceitos tão comezinhos como os resultados ou a justiça.]
Comecei por dizer que o Pote marcou um golo "à Inzaghi", mas na preparação estiveram o Quenda e o Gyokeres. A sorte do Quenda é ser do Sporting. Se fosse do Benfica, logo os poetas e bardos do regime teceriam loas e entoariam belas melodias à volta dos seus feitos, estabelecendo imediatamente um mercado paralelo de cotações onde o jogador valeria na casa das centenas de milhões. Mas o Quenda é do Sporting, e essa singularidade é o melhor antídoto contra o vedetismo e o deslumbramento. E assim poderá ir longe... O que não foi longe foi o pontapé do guarda-redes do Rio Ave, que ficou logo ali, à entrada da área e ao jeito do pé direito do Pote. Resultado: bola e jogo na gaveta, venha o próximo !!!
O segundo tempo foi igual a tantos segundos tempos de jogos antecipadamente ganhos ao intervalo, prélios de que constitui desonrosa excepção o recente desafio da Supertaça: os espectadores, treinadores e jogadores de ambas as equipas sabem tacitamente que o jogo terminou, mas há que prosseguir, representando, como se tudo estivesse em aberto. Nesse contexto mais distendido, pudemos vislumbrar melhor o jogador que Gyokeres é e aquele que Trincão virá a ser a partir de Janeiro. Do encontro entre um sueco que diz presente e um português que é o futuro gerou-se um buraco negro temporal por onde a bola irrompeu aos tropelões até dentro da baliza do Rio Ave. Até ao fim, nada mais haveria a destacar, não fora a audácia de Clayton em desmontar o Diomande em dois, momento que, à semelhança dos múltiplos protagonizados por Debast na Supertaça, serviu para evocar o grande capitão Coates. Amém !!!
[Cronista que se preze não analisa o Trincão sem primeiro se fazer municiar do Borda d'Água. Uma breve leitora deste almanaque permite-nos concluir que em Janeiro se colhem couves e espinafres, tulipas, violetas, amores-perfeitos... e amores-imperfeitos como o Trincão (a adenda é livre e do autor). Este é portanto o tempo de semear, para colheita o Leitor deve esperar pelo início do novo ano.]
P.S. O "óbvio ululante" é uma expressão criada pelo genial Nelson Rodrigues, um dos melhores cronistas desportivos (e não só) de sempre.
Tenor "Tudo ao molho...": Pote