Tudo ao molho e fé em Gyokeres
O dia em que a realidade superou a ficção
Pedro Azevedo
Quando, em "Once upon a time in Hollywood", Tarantino mudou o destino de Sharon Tate, na verdade uma vítima mortal do clã de Charles Manson, estava de facto a piscar o olho ao espectador, mostrando-lhe que a ficção podia alterar a realidade dos factos sem que daí resultasse necessariamente qualquer desconforto a quem esperaria um final diferente. Foi surpreendente. Hoje aconteceu o contrário, o Godot (Pote) finalmente apareceu, o que fez com que a realidade tivesse contrariado a ficção de Beckett. Também não houve qualquer desconforto, pelo menos entre os Sportinguistas, o que mostra que a ficção e a realidade podem distorcer-se entre si sem que ninguém se incomode, desde que tal agrade a quem assiste. Algo que os políticos já aprenderam há muitos anos...
Para quem durante 4 décadas teve de conformar-se com ver o seu clube como um underdog, a "Táctica do Cachorrinho", que consiste em ficar em vantagem no marcador e depois desistir do ataque continuado, recuar linhas e lançar a bola na direcção do Gyokeres como se esta fosse um osso e ele um vira-lata, até pode parecer uma promoção. Mas a verdade é que no campeonato tal resultou numa despromoção, com o Sporting a descer de primeiro para segundo na tabela classificativa. Talvez para evitar mais do mesmo, hoje Rui Borges pareceu querer evitar ficar cedo em vantagem. Por isso, Quenda ficou no banco e entrou Fresneda, o que num jogo onde o m2 estava caríssimo significou abdicar de criar quaisquer desequilíbrios. Assim, a primeira parte foi paupérrima, com Borges a querer personificar aquele lema do Bukowski de que "um gosto precoce de morte não é necessariamente uma coisa má". E de morte de facto se tratava, na medida em que, se o Sporting não vencesse, o campeonato estaria irremediavelmente perdido. O Santa Clara pressionava em cima, o espaço era pouco ou nenhum, mas é nesses momentos em que se solta o geny(o) da lâmpada daqueles jogadores acima da média. E foi o que aconteceu quando, já no segundo tempo, o Trincão meteu um passe nas costas da defesa açoriana e daí resultou um golo do Catamo. A diferença é que desta vez não recuámos linhas, continuámos a atacar e Fresneda até conseguiu finalmente ganhar a linha e centrar para Gyokeres estrelar uma bola na trave. Ou Diomande marcar um golo que desta vez foi anulado por 13 cm. Pelo que o Santa Clara a partir daí só incomodou através de livres directos saídos do arco da velha apitagem à portuguesa que marca faltas por tudo ou por nada, a não ser que a vítima seja alta e espadaúda como o Gyokeres, o que nesse caso significa que vale tudo menos tirar olhos.
O Sporting ganhou e o Pedro Gonçalves voltou. Não é só contrariar o Beckett, há qualquer coisa de sebastiânico no regresso do martir Pote de Alcochete-Quibir, no sentido em que a partir deste facto a nossa história pode ser recriada. Agora só temos que disfarçar isto, fingir que nada mudou e tirar a máscara (por enquanto o Gyokeres pode emprestar a dele) na altura certa, na Luz. Assim a jeito de Almeida Garrett, em Frei Luís de Sousa:
-"Romeiro, quem és tu?"
-"Ninguém!"
"Quando faltar a inspiração, que não falte a atitude". Hoje batemo-nos como leões, contra ventos (fortes) e marés (enxurrada de Cláudio Pereira em jogos com o Santa Clara).
Tenor "Tudo ao molho...": Geny Catamo