Saltar para: Posts [1], Pesquisa [2]

A Poesia do Drible

"Um pouco mais de sol - eu era brasa, Um pouco mais de azul - eu era além. Para atingir, faltou-me um golpe d'asa... Se ao menos eu permanecesse aquém..." - excerto de "Quasi", de Mário de Sá Carneiro

"Um pouco mais de sol - eu era brasa, Um pouco mais de azul - eu era além. Para atingir, faltou-me um golpe d'asa... Se ao menos eu permanecesse aquém..." - excerto de "Quasi", de Mário de Sá Carneiro

A Poesia do Drible

06
Jun25

Quaresma e Rui Jorge


Pedro Azevedo

Estalou a polémica sobre a "auto-exclusão" de Eduardo Quaresma do Euro de sub-21, após umas declarações de Rui Jorge que foram particularmente arrasadoras para o jogador, em modo crucificação, o que no caso de um jogador com nome de Quaresma até nem será de estranhar. 

Se eu fosse jogador de futebol, não tenho dúvidas de que seria para mim um privilégio representar a "Equipa de Todos Nós". Mas, vamos a factos: Eduardo Quaresma tem 23 anos, não é propriamente um sub-21, embora os possa representar em face das regras vigentes. E fez um campeonato excelente, que o recomendaria para o patamar acima, a equipa A de Portugal. É por isso natural que a sua motivação intrínseca para representar o país neste escalão não seja a melhor, ainda mais após uma época para ele particularmente exigente do ponto de vista físico. Está esgotado o jogador, do ponto de vista físico e também mental, e terá sido isso que comunicou a Rui Jorge como resposta à prévia inquirição do Seleccionador (pormenor que vejo ser desvalorizado nas análises). Este não reagiu bem, o que também se aceita. Mas a partir do momento em que optou por o verbalizar, sujeitou-se ao contraditório que agora venho exercer. 

Começo por dizer que não é a acéfala clubite que me norteia, apenas os factos e só os factos. Facto 1: Eduardo Quaresma nunca foi um titular indiscutível para Rui Jorge desde que é elegível para os sub-21 (mesmo que tendo mais idade e experiência que os demais). Suspeita-se assim que não seria imprescindível para o treinador. Facto 2: existe o precedente de alguns clubes pedirem a exclusão de alguns dos seus jogadores elegíveis para as selecções nacionais com base na prevenção de problemas físicos. O facto de o Sporting não o ter feito não significa que o jogador não sinta não estar nas melhores condições, ele que foi acometido de várias maleitas durante a época. Facto 3: tendo já 23 anos e na sequência de brilhantes prestações durante a época, é natural que o jogador ambicione a Selecção princípal. Facto 4: se é verdade que o treinador é soberano nas suas opções, estas, ao longo do tempo, não deixam de ser escrutináveis. Nesse sentido, causou espanto na época que Pote, na altura (2020/21) melhor jogador e marcador do campeonato, fosse nos sub-21 suplente de Jota, um ex-junior promissor do Benfica cuja careira profissional ainda não confirmou o imenso potencial precocemente detectado. Ou que Gonçalo Inácio tenha chegado à Selecção A antes de ser notado pelos sub-21, numa época em que o Sporting foi campeão e ele um titular indiscutível. 

Espero que esta polémica fique por aqui porque na verdade não me parece que a atitude do Eduardo Quaresma tenha sido tão lesa-pátria como agora se quer fazer crer. Creio no entanto que é importante prevenir que situações análogas não voltem a acontecer, o que na minha opinião passará também por critérios mais justos, coerentes e transparentes dos selecionadores envolvidos nestes processos de decisão. 

qurj.webp

24
Mai24

Eduardo Quaresma


Pedro Azevedo

Gosto muito do Quaresma, começo por dizer. A sua compostura com a bola e a velocidade com que corre para trás permitem-nos adequar mais o nosso jogo ao da equipa grande que somos. Com a sua saída em progressão há uma alternativa ao passe de Inácio, duas formas diferentes de quebrar linhas que tornam o nosso jogo mais imprevisível para qualquer adversário. Também a sua rapidez nos ajuda e muito, permitindo-nos subir linhas até quase o meio campo adversário. 

Custa muito a entender como um jovem desta categoria, com atributos que podiam fazer dele um Beckenbauer ou um Baresi, ainda não é um titular indiscutível no Sporting. A razão talvez resida num complexo qualquer de Peter Pan de que padecerá: olha-se para ele e parece uma criança. Ainda que um bom menino, note-se. Alguém de bem com a vida, alegre, em suma, feliz. Não sei se isso colide com a imagem que se espera de um "activo" do futebol negócio, cinzento e aparentemente compenetrado da sua tarefa, mas a cor que o Quaresma traz para o jogo é um espectáculo, reconcilia-nos com o futebol dos bancos da escola e com a nossa juventude. Não foi por isso que aprendemos a amar o jogo? Então, muitos parabéns ao Sporting por ter prolongado o vínculo do Eduardo (até 2028), um jogador que, mais do que admirado, precisa de ser compreendido.

quaresma17642747_standard.jpg

16
Fev24

Tudo ao molho e fé em Deus

Sintético a dobrar


Pedro Azevedo

Caro Leitor, isto de ser analítico a comentar o sintético já de si é uma contradição nos termos. Acresce que sintético não foi só o relvado, artificial. Não, sintético foi também o Rúben Amorim na dosagem de esforço dos mais utilizados, gerindo a condição física dos jogadores e simultaneamente a disposição anímica do balneário. Doravante, socorramo-nos então do dobro do sintético para nos aproximarmos de algo que se assemelhe a uma análise, substituindo a relva e o Amorim por Kant e Hegel em busca de uma síntese filosófica que explique o que se passou ontem em Berna.

 

A síntese filosófica é um processo que deriva do simples para o composto, do elemento para o todo, das causas para as consequências, com o objectivo último de defender uma ideia através da argumentação. Como tal, comecemos pelo mais simples, o elemento, o jogador: Coates e Paulinho foram poupados a um piso demolidor para as articulações e ficaram em Lisboa. Trincão, que pegou de estaca e muito tem jogado (e jogado muito, também) desde que o novo ano brotou, e Morita, em acção recente na Taça de Ásia, não iniciaram o jogo por gestão da sua condição física. Se estas foram as causas, tudo isto conjugado deu a oportunidade a Edwards, Bragança, Matheus Reis e, mais tarde, aos estreantes Nel e Koba de jogarem, solidificando a união do balneário, pelo que a única consequência negativa para o todo (a equipa) foi um desempenho menos bom do nosso meio-campo. Tratou-se de um risco, creio que calculado, que o nosso treinador assumiu correr, mas a verdade é que a dupla Bragança-Hjulmand não funcionou, não conseguindo controlar os tempos de jogo e dando demasiado espaço (por vezes, avenidas) aos nossos adversários no miolo do terreno. Então, o que nos valeu? Bom, desde logo a excelente acção dos nossos 3 centrais, em especial de Eduardo Quaresma e de Gonçalo Inácio, que numas vezes deram o corpo ao manifesto e noutras fizeram valer a antecipação para evitarem males maiores. E depois a acção de Edwards e de Gyokeres na frente (Pote esteve muito activo, mas desinspirado na definição), que puserem sempre em sentido as pretensões helvéticas de avançar mais as suas linhas, com o "plus" do sueco ter arrancado desde cedo um cartão amarelo ao seu marcador directo (quando mais tarde ficámos a jogar contra 10, senti-me como um voyeur a espreitar o que é jogar como o Benfica), ele que foi carregado à margem das leis tantas vezes quantas as que ousou transformar a defesa do Young Boys num queijo suíço. [Emmental (que até é de Berna), meu caro Watson.]

 

No fim, gerindo até ao limite (os nossos dois melhores jogadores, Gyokeres e Pote, foram descansar com um quarto de hora mais descontos por cumprir), Amorim venceu a triplicar: o jogo, a condição física dos jogadores e o balneário. Especulou e foi feliz, que o controlo esteve à beira de se descontrolar em momentos como o do "frango" de Adán ou dos golos anulados ao Young Boys e o golo inaugural do jogo foi na realidade um auto-golo. Não que o Sporting não fosse muito superior aos suiços, mas porque Amorim quis ganhar em Berna a pensar em Moreira de Cónegos. Legítimo, evidentemente, mas não necessariamente sinónimo de uma menor ambição europeia, espera-se. Pelo menos a fazer fé no lema do nosso fundador: "TÃO GRANDES COMO OS MAIORES DA EUROPA". 

 

Um dia, num treino do Varzim, o Joaquim Meirim, que tinha tanto de filósofo como de psicólogo e louco, disse a um guarda-redes espanhol que lá treinava, Jose Luis de seu nome, que era o melhor da Europa. Quando este então o inquiriu sobre a razão por que não jogava, Meirim respondeu-lhe que o Benje era o melhor do Mundo. O Sporting pode até ganhar a Liga Europa, mas a condição de melhor equipa da Europa paradoxalmente não lhe garante o título máximo doméstico. Por isso há que fazer pela vida, externa e internamente. E ser objectivo, que é como quem diz, sintético. Serve como análise? (Deu para "dobrar" os suiços.) 

 

Tenor "Tudo ao molho...": Eduardo Quaresma. Edwards, Inácio e Gyokeres estiveram em bom plano. 

P.S. (Sobre o excesso de futebol nas televisões.) À hora a que termino esta crónica está a começar mais um jogo no 11, canal sempre na vanguarda da promoção do futebol exótico. Parece que é em casa (casota?) do São Bernardo. Não ouvi o adversário, mas suspeito que seja o Pastor Alemão. Ou então o Serra da Estrela, o que daria um belo clássico de montanha.

youg boysjpeg.jpeg

08
Fev24

Tudo ao molho e fé em Deus

O Estádio Policial e os Calcanhares de Aquiles


Pedro Azevedo

O jogo de futebol era muito simples na minha meninice: num rectângulo, nem sempre relvado, dispunham-se duas equipas de 11 jogadores, 1 trio de árbitros, duas balizas e uma bola. À medida que fui crescendo, adicionou-se complexidade: o nº de jogadores, de balizas e de bolas curiosamente permaneceu o mesmo, contudo a equipa de arbitragem foi aumentando, primeiro com o 4º árbitro, depois com VAR, AVAR, técnicos especializados, cabos hertzianos, equipamentos vídeo e uma roulotte anormalmente não nómada porque sita na Cidade do Futebol. Até que na semana passada me dei conta de que, em Portugal, o XV da Polícia também ia a jogo. Ou, mais precisamente, que quando o XV não quiser, não haverá jogo. Conclusão: o futebol português vive num "Estádio Policial". [Um dia o ladrão, sindicalizado, entrará em greve por falta de condições de trabalho e todos acharão bem que lute pelos seus direitos e lhe sejam facultadas melhores condições. Até que, com tanto respeito pelos direitos de todos, no fundo nada nem ninguém no país será respeitado, sendo esse o calcanhar de Aquiles de um mal (perda de autoridade do Estado) sem direito a protesto.]

 

 

Aquiles era filho de Peleu, o rei dos mermidões (Tessália). Um dia, sua mãe, Tétis, banhou-o no rio Estige a fim de torná-lo imortal. Só que ao segurá-lo pelo calcanhar, este ficou vulnerável. Em consequência, morreu na Guerra de Tróia após uma flecha disparada por Páris lhe ter acertado aí. Gyokeres tem a mesma pinta de guerreiro mítico, tanto que muitas vezes é comparado a Thor, o filho do deus nórdico Odin. A sua vulnerabilidade é o jogo de cabeça, diz-se, mas ontem marcou 2 golos com a testa que mostram que o sueco está gradualmente a transformar essa fraqueza numa força. Pelo que tendo nós o nossa Tróia, que curiosamente se situa na mesma península (de Setúbal) que Alcochete e o Seixal, para o futuro cresceu a esperança de que esse calcanhar de Aquiles não se venha a tornar mortal às nossas aspirações ao triunfo nesta "Guerra  Peninsular" que se perspectiva até ao final da temporada. 

 

 

O Sporting ganhou ao União de Leiria por três bolas a zero. Desses três golos, o Gyokeres marcou 2 e assistiu em outro. Mas não ficou satisfeito. Pelo menos a avaliar pelos seu protestos para com o árbitro na sequência deste só ter dado 1 minuto de desconto e assim violado o seu direito de correr mais e de tentar obter um hat-trick. Com trabalhadores destes, arriscamo-nos a ganhar sempre o próximo jogo. Ou o outro a seguir, se a Polícia não deixar fazer o primeiro. (Vamos jogo-a-jogo que a Polícia deixar fazer.)

 

 

Tenor "Tudo ao molho...": Viktor Gyokeres. (Pote muito bem, Hjulmand idem e Quaresma também. Nuno Santos esteve em 2 golos e Morita regressou ao seu nível.)

gyokeres leiria.jpg

24
Jan24

Tudo ao molho e fé em Deus

Eficiência vs Eficácia


Pedro Azevedo

Para quem se preocupa com o rendimento, o jogo de ontem do Sporting mostrou a diferença entre a eficiência e a eficácia. Quer dizer, o Sporting foi eficiente, na medida em que com os recursos disponíveis - havia jogadores importantes na dinâmica da equipa ausentes pela participação nas taças da Ásia e de África - conseguiu dominar o jogo e ter as melhores oportunidades. Mas não concretizou essas oportunidades, e nessa medida não foi eficaz. Depois, há quem analise o jogo do ponto de vista etéreo. Por exemplo, para as "viúvas" do Paulinho, a sua exclusão do onze inicial teve como consequência a derrota, ainda que tenha tido 23 minutos (mais 4 de descontos) para fazer a diferença e nem sequer se tenha dado por ele. São os mesmos que agora desenvolvem a teoria de que o Gyokeres beneficia muito da presença do Paulinho, quando o sueco tem tantos golos marcados (11) com o português em campo como fora dele (já a influência positiva de Gyokeres no rendimento de Paulinho é visível pelos 9 golos que o português marcou com o sueco em campo, contra apenas 4, dois deles com o Dumiense, sem ele presente). E, finalmente, há ainda os amantes do esoterismo, os supersticiosos: para eles, o Sporting foi também vítima da evolução do jogo, ou melhor, da evolução das infraestruturas adjacentes ao jogo: no futebol de antigamente, três pancadinhas na madeira teriam dado sorte; na era do pós-revolução industrial e dos postes metálicos, malhar três vezes no ferro produziu um manifesto azar. São os mesmíssimos que acham que os eventos do Esgaio não dar andamento pela faixa direita e lhe ter parado o cérebro no golo do Braga estão relacionados com uma tremenda falta de sorte ou com uma intervenção nefasta do bruxo Nhaga. 

 

A ideia da sorte ou azar num qualquer tipo de jogo não é totalmente descabida. Diria até que a sorte e o azar fazem parte do jogo. Todavia, aquilo a que chamamos de sorte acontece mais quando a oportunidade certa encontra a preparação adequada, e ontem mesmo os espíritos preparados não conseguiram concretizar as oportunidades que tiveram (bolas a rasar os postes, de Pote, Gyokeres e Quaresma). Pelo que as melhores oportunidades (as bolas nos postes) surgiram mais de boa preparação (remates colocados, de longe) do que de situações reais em que um jogador aparece isolado em frente ao guarda-redes. Ou seja, nessas circunstâncias, foi mais a boa preparação do jogador que criou a oportunidade e não a oportunidade criada pela dinâmica da equipa que esperou a preparação certa. E quando a dinâmica da equipa criou a oportunidade, a bola saiu ao lado. Depois, após sofrido o golo, a equipa perdeu o tino, por quebra anímica ou substituições que não produziram efeito, mostrando-se impreparada para a situação e não vendo na ameaça a oportunidade de fazer algo épico como dar a volta ao jogo. 

 

De lado ficaram também as aspirações do Sporting de vencer a Taça da Liga, falhando assim o primeiro objectivo da época. Sendo esta claramente a competição menos importante daquelas em que estamos inseridos, tal não será muito grave. Gravíssimo seria a equipa desmoralizar e os adeptos desmobilizarem, porque há ainda coisas muito importantes para ganhar esta temporada. Como o Campeonato, a Taça de Portugal e mesmo a Liga Europa, esta última uma prova que o Sporting precisa de encarar com uma ambição condizente com o lema do seu fundador. Num certo sentido, esta derrota até se poderá traduzir em algo positivo, capaz de se vir a reflectir em muitas vitórias futuras. É, todavia, imperial que se aprenda com os erros e se corrija o que está mal. Porque não podemos ter uma ala direita coxa, que não dê andamento atacante e comprometa defensivamente. Pelo que ou se vai ao mercado, ou se adapta St Juste, Quaresma ou mesmo o Afonso ali, como está é que não se pode manter (o Geny deveria ser mais uma solução como interior, ou extremo num 4-2-3-1 com, por exemplo, Quaresma a fazer de lateral). Se tal acontecer, então poder-se-á esperar sermos ainda mais eficientes, melhorando ainda mais as tarefas desempenhadas pelos recursos disponíveis ao disponibilizar melhores recursos para o processo. E sendo ainda mais eficientes, estaremos mais perto de ganhar. Porque mais oportunidades surgirão. E os golos também, por mais ou menos eficácia que haja. 

 

Tenor "Tudo ao molho...": Eduardo Quaresma (Nuno Santos, que fez um jogo de raça, à leão, seria a minha 2ª opção). O nosso central esteve simplesmente magnífico, mostrando a sua refinada técnica (ser bom na "roleta" num jogo de sorte ou azar é sempre uma mais-valia) e impressionante velocidade. 

nuno santos braga.jpg

19
Dez23

Tudo ao molho e fé em Deus

Ciclone Gyokeres contra as altas pressões


Pedro Azevedo

Das histórias de quadradinhos do Walt Disney vêm-nos à memória vários personagens. Uns mais recorrentes no almanaque, como o Tio Patinhas, o Mickey, o Donald ou mesmo o Pateta, outros mais raros. Entre estes últimos destaco o Grilo Falante. Este falava frequentemente ao ouvido do Pinóquio, dando-lhe conselhos sábios e constituindo-se como a voz da sua consciência. Transferindo dos quadradinhos para o universo do futebol profissional, o Grilo Falante seria o VAR ideal de qualquer árbitro. O problema é que no nosso futebol há muitos Pinóquios - já o dizia o Pimenta Machado a propósito do que hoje é verdade, amanhã poder ser mentira - e poucos Grilos Falantes, abundando porém os Metralhas. Vem isto a propósito do Clássico de ontem, porque não é natural comentar um jogo contra o Porto em que o nosso maior adversário residiu no auricular instalado no ouvido do Nuno Almeida. A botar faladura, o Tiago Martins: aquando do seu anúncio, disseram-nos que o VAR era para ser usado em lances de flagrante delito do árbitro e seus auxiliares. Tomámos boa nota. O que ninguém nos preparou foi para um anti-ciclone Gyokeres a operar a partir da Cidade do Futebol, uma flor de estufa muito sensível a correntes de ar. Como resultado da acção desse centro de alta pressão (sobre o árbitro), foram anulados dois golos ao Sporting e os ânimos aqueceram na proporção das nuvens cinzentas que se desanuviaram sobre o Porto. No primeiro, o Quaresma veio da direita à esquerda para cortar um ataque perigoso do Porto. Embalado, tabelou com o Morita e foi apanhar a bola à frente. Enquanto o João Mário se contorcia no chão com dores de cotovelo, o Quaresma sacou do GPS e direccionou um cruzamento perfeito para o Gyokeres, que de cabeça disparou um míssil que passou por cima do Diogo Costa antes que este pudesse sequer ajeitar o cabelo para a fotografia. A anulação do golo foi um crime de lesa-futebol. No segundo, o Bragança chegou primeiro à bola - há uma imagem de uma câmara de frente que mostra o portista que o tenta desarmar ainda com o pé no ar - e tocou para o Paulinho, que marcou. O auxiliar anulou por fora de jogo que o VAR posteriormente viu não existir. Os portistas alegaram ter havido falta do Paulinho, que o VAR também viu não existir. Criou-se assim um impasse: consultadas as leis do jogo, a utilização do pé esquerdo não constituía infração por si só para anulação de um golo. A chuteira estava calçada, outro contratempo. Continuação do impasse. Até que o inefável Martins recorreu ao Telescópio James Webb para vislumbrar uma alegada falta do Daniel. O curioso é que o jogador que alegadamente sofreu a falta não protestou, ao contrário dos colegas que se dividiram entre um sem número de alegações cujo único propósito visava evitar a goleada.  

 

Não sei se o Sporting teve melhor organização colectiva do que o Porto, o que é claro é que os nossos jogadores ganharam os duelos individuais mais importantes. Nesse particular, o Gyokeres e o Quaresma destacaram-se: de tanto encostar o Pepe às cordas, o Gyokeres levou-o à exaustão física e mental, erosão que terá estado na origem de ter confundido o relvado com um ringue de boxe e concomitante expulsão por agressão a soco. E o Quaresma colou o cromo do Galeno numa caderneta e fechou-a, não o deixando sair de lá e tendo ainda tempo para uma jogada à Baresi ou à Beckenbauer, conforme a Vossa preferência. No golo, o Gyokeres choca contra o Pepe, ganha o ressalto com o peito e surpreende o Diogo Costa ao chutar para o primeiro poste. (Quem quer comparar este golo com o sofrido por nós em Guimarães engana-se, porque o jogador vimaranense conduz pela esquerda do seu ataque com o pé canhoto e tem pouquíssimo ângulo, enquanto o Gyokeres vem da esquerda, tem a bola no seu pé direito e assim o ângulo aberto.) O Sérgio Conceição logo alegou ter havido mão do sueco. Mas podia também ter alegado maus tratos a idosos e requerido a presença de uma assistente social no local para registar o facto, que ainda que fosse possível motivo para interditar o nosso lar de Alvalade não seria alibi para anular o golo. A cena repetiu-se aquando da anulação do segundo golo a Gyokeres: o árbitro não viu razão para infração e até advertiu por simulação o portista caído no chão. Mas logo se armou a tenda do circo, não faltando o anão da praxe e o médico que troca o juramento de Hipócrates pela hipocrisia de utilizar o seu estatuto para falar ao ouvido do bandeirinha: um outro tipo de Grilos Falantes. Após o intervalo, o Pepe foi expulso. O árbitro, de frente para o lance, não viu a agressão ao Matheus Reis. Chamado ao VAR, Nuno Almeida demorou um tempo infinito a constatar o óbvio ululante. Cheguei a pensar se não estaria a ser equacionado que o Matheus Reis teria agredido com a sua boca o punho cerrado do Pepe, mas o facto de as comunicações entre VAR e árbitro não serem divulgadas em tempo real inibiu o seu cabal esclarecimento (e um momento potencialmente humorístico). Após consulta exaustiva da Carta Universal dos Direitos do Homem, o direito à segurança pessoal (artigo 3º) prevaleceu sobre a presunção de inocência (artigo 11º) e Nuno Almeida mandou finalmente o Pepe ir tomar banho. No chão, Matheus Reis jorrava sangue... Com menos 1 em campo, os portistas concederam mais espaços ao Sporting. O Geny encontrou o Gyokeres com uma pista para acelerar e este não se fez rogado, oferecendo no fim o golo ao Pote. A celebração que se seguiu foi de baile de máscaras, como se o Pote tivesse reconhecido que o golo era todo construção do sueco e fosse necessário disfarçar a enorme superioridade leonina. Depois o Gyokeres voltou a isolar-se e a tocar novamente para o Pote, mas desta vez o Diogo Costa conseguiu defender. Novo vendaval sueco se seguiria, com o golo a ser novamente anulado como descrito acima. Pelo meio, uma cotovelada de Taremi a Inácio ou um pontapé deliberado de Varela a Catamo escaparam somente com o amarelo. 

 

No fim do jogo lá apareceram o Faustino e o Duarte Gomes na televisão. Afinal foi tudo normal: os golos anulados, a cotovelada do Taremi ao Inácio, o pontapé do Varela ao Catamo e o tempo que o Nuno Almeida demorou para tomar a decisão de expulsar o Pepe. É sempre pungente ver como funciona o corporativismo em Portugal. Em resumo, a arbitragem foi excelente, nós todos é que precisamos de ir urgentemente à Multiópticas. Como aliás já foi a Dª Dolores, a mãe do nosso Cristiano Ronaldo, que, Sportinguista orgulhosa, foi vista a festejar euforicamente a nossa grande vitória. Grande Dª Dolores! Do jogo fica ainda uma lição da matemática: como marcar 4 golos e só ganhar por 2 de diferença, sabendo-se que o adversário não marcou qualquer golo. É que a matemática é uma ciência exacta, excepto quando a bola rola em Portugal e se subtrai a verdade desportiva. Estamos na frente!

 

Tenor "Tudo ao molho...": Gyokeres. Grande jogo do Eduardo Quaresma e exibições acima da média do Hjulmand, do Diomande e do Inácio. 

gyokeres porto.jpg

Mais sobre mim

Facebook

Apoesiadodrible

Subscrever por e-mail

A subscrição é anónima e gera, no máximo, um e-mail por dia.

Arquivo

  1. 2025
  2. J
  3. F
  4. M
  5. A
  6. M
  7. J
  8. J
  9. A
  10. S
  11. O
  12. N
  13. D
  14. 2024
  15. J
  16. F
  17. M
  18. A
  19. M
  20. J
  21. J
  22. A
  23. S
  24. O
  25. N
  26. D
  27. 2023
  28. J
  29. F
  30. M
  31. A
  32. M
  33. J
  34. J
  35. A
  36. S
  37. O
  38. N
  39. D
Em destaque no SAPO Blogs
pub