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A Poesia do Drible

"Um pouco mais de sol - eu era brasa, Um pouco mais de azul - eu era além. Para atingir, faltou-me um golpe d'asa... Se ao menos eu permanecesse aquém..." - excerto de "Quasi", de Mário de Sá Carneiro

"Um pouco mais de sol - eu era brasa, Um pouco mais de azul - eu era além. Para atingir, faltou-me um golpe d'asa... Se ao menos eu permanecesse aquém..." - excerto de "Quasi", de Mário de Sá Carneiro

A Poesia do Drible

08
Fev25

Tudo ao molho e fé em Gyokeres

Um Pinheiro a empatar a acção no campo


Pedro Azevedo

Uma visita ao campo do FC Porto é uma experiência que muitas vezes (demasiadas?) deve ser enquadrada no conjunto de fenómenos ditos paranormais. Lá, o Sporting já viveu no inferno de (Alder) Dante, não sofrendo o único golo na história do futebol mundial marcado com a mão mas sim o único golo marcado com a mão por um apanha-bolas (e, ainda assim, vencemos por 3-2), ou jogou boa parte do tempo com 8 jogadores contra 11 (e, ainda assim, empatámos por 3-3). Nas antigas Antas vi, por exemplo, um santo de altar polaco, incapaz de fazer mal a uma mosca (Juskowiak), ser expulso após uma entrada assassina de um "cara" que dentro do campo gozava connosco e não era pouco. Também aí acabámos com 8 e Peixe e Juskowiak impedidos de defrontar o Benfica no jogo dos 6 a 3. De uma outra vez, observei um golo limpo ser invalidado ao Manuel Fernandes e um penálti fictício ser atribuído ao Biffe, mais tarde falhado e repetido ad- nauseam até finalmente a bola entrar na baliza do nosso Vaz. Paralelamente, os "caldinhos" foram e continuam a ser o paradigma dessas visitas, com o Matheus Reis como alvo principal recente. As tácticas, as dinâmicas do jogo, as qualidades individuais e colectivas das nossas equipas nunca foram determinantes nas visitas do Sporting ao FC Porto. As circunstâncias, sim. Logicamente, na ausência de nevoeiro, um apanha-bolas não pode ser goleador. Mas um Pinheiro manso, plantado no relvado, pode dar jeito. "Bravo!" - dirão os portistas sobre a actuação do mesmo. O Pinheiro de que Vos falo insere-se em algo muito superior a ele próprio. Surge aqui parabolicamente para nos explicar a diferença entre a realidade e a percepção que dela temos. A percepção que temos da realidade é a de que Pinto da Costa era o Lobo Mau e que, comparados com ele, André Villas-Boas, Jorge Costa e Zubizarreta são os 3 Porquinhos, sendo o André, o Prático, que em alvenaria reconstruiu um edifício que fez com que o Lobo Mau não soprasse mais (velas na presidência do Porto). Porém, a realidade presente na mente dos árbitros assemelha-se mais à Alegoria da Caverna, de Platão, onde, apesar de na Liga do senhor Proença nos quererem fazer crer que o mundo mudou, a ideia de mudança é errónea (mesmo sem guarda Abel) e há quem continue a viver acorrentado a falsas crenças, preconceitos e ideias enganosas que no final determinam resultados. 

O Sporting perdeu nos últimos instantes a possibilidade de vencer no Dragão e eliminar definitivamente o Porto da corrida pelo título. E teve as melhores oportunidades de golo, mesmo num segundo tempo em que o Porto foi melhor e chegou mesmo a asfixiar pela pressão constante. Claro que para isso também ajudou o Pinheiro ter feito disciplinarmente vista grossa a uma entrada de Eustáquio que tirou Simões do campo ou o Djaló ter executado um mata-leão sobre o Harder dentro da área portista com a complacência do árbitro e o encobrimento tácito da SportTV, que nesse lance decidiu editar umas imagens filmadas a partir da Lua para assim testar a acuidade visual dos telespectadores. Evidentemente, houve também 2 penáltis, um quando o mesmo Djaló agarrou e imobilizou o Gyokeres na área, outro quando Quenda foi atropelado. ao abrir uma passadeira para golo, por Zé Pedro. Mas como este fez a bola mexer - "E pur si muove" (e no entanto ela mexe-se), diria Galileu, que também ele receava as arbitragens (da Santa Inquisição) - , após uma pantufada dois-em-um no joelho e pé direito de Quenda, o árbitro sentenciou que era "business as usual" e com o silêncio cúmplice do VAR Tiago Martins massajou o ego portista com um final feliz que consistiu em eliminar dois jogadores do Sporting antes da marcação de um canto que poderia ser perigoso, tornando assim a nossa vida mais difícil no futuro, que no presente já pouco mais prejuízo poderia haver. 

Obviamente, não foi só por acção do árbitro que o Sporting não ganhou. Este novo Porto promete e jogou muito quando Anselmi juntou a criatividade de Fábio Vieira à de Mora, mais tarde reforçada com a adição de Gonçalo Borges. E aproveitou bem o único erro de Diomande em todo o jogo, que afundou a linha de fora de jogo, para empatar a partida nos seus últimos instantes. Fez-se justiça em termos de caudal de jogo, mas as melhores oportunidades foram do Sporting, com Harder (duas vezes) e Quenda a desperdiçarem bolas de golo. No fim, houve empate. Um empate que empata mais o Porto que nós, que continuamos na frente, ainda que com uma vantagem para o Benfica que presumivelmente será encurtada para 4 pontos. O futuro dirá se ganhámos 1 ponto ou se perdemos 2. Dependerá das culturas que tivermos pela frente. [Um dia, no rugby da Agronomia, contaram-me uma história relacionada com um professor do Instituto (ISA) que teria desafiado os seus alunos a plantarem uma árvore em pleno campo de rugby. Lembrei-me deste episódio surreal ao observar que ontem houve um Pinheiro a obstaculizar a acção no Dragão. O que se lhe seguira? Um(a) Oliveira em Aves? O tempo o dirá.]

 

Tenor "Tudo ao molho...": Quenda, pelo lance mágico do golo do Sporting, que meteu túnel e ultrapassagem em excesso de velocidade. Hjulmand foi imponente até aos 75 minutos e Diomande teria sido o melhor em campo não fora o deslize final (e fatal). Maxi muito bem no primeiro tempo e até ceder ao cansaço e o Fresnove voltou a mostrar os seus dotes de segundo avançado. 

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03
Fev25

Tudo ao molho e fé em Gyokeres

Das circunferências do Trincão saiu o raio do Fresnove


Pedro Azevedo

Os movimentos circulares de Trincão e a estreia de um novo ponta de lança adquirido no Mercado de Inverno marcaram o jogo de ontem em Alvalade. Além de presidentes de Câmara, ninguém acompanha Trincão no gosto por rotundas. É como se nesse movimento, geralmente descrito no sentido dos ponteiros de relógio, como tal em contra-mão pelo código da estrada português, o Trincão alegoricamente nos explicasse a sua existência: muitas voltas de 360 graus para sempre regressar ao ponto de partida. Verdade porém seja dita que esse aparente castigo de Sísifo esconde um propósito evidente: evitar que a equipa se parta e o nosso jogo se resuma a transições, se desorganize. E assim o Trincão (e o jogo) justifica-se, da mesmíssima forma que um interlúdio publicitário cria as condições e prepara para o programa que veremos a seguir. Mas a novidade do dia foi o Fresnove, um ponta de lança ou segundo avançado recém-contratado. Não, não se trata de um lateral direito goleador porque para isso lhe faltariam duas premissas: ser um (bom) lateral e marcar dessa posição. Como o Diogo Travassos, que já foi nosso, fez ontem ao Benfica (já agora, alguém explique ao guardião do Estrela que guarda-redes é título metafórico, que o propósito é mesmo defender o risco de baliza e não encostar às redes como se nesse acto protegesse a virtude). Não, o Fresnove é um avançado centro. Não lhe peçam por isso para defender ou atacar bem pelo flanco, que essa não é de todo a sua especialidade, mas a aparecer solto na área pode ser letal.

 

Caro Leitor, a crónica já vai em andamento, mas preciso voltar atrás para deixar uma palavra de apreço para com o trabalho do nosso técnico. Eu gosto muito do Rui Borges, como admiro todos aqueles que transformam problemas em soluções. No caso particular, conseguindo fazer passar por entre os pingos da chuva uma Unidade de Performance que mantém Pote há 3 meses no estaleiro e um Director Desportivo aparentemente em part-time e que acaba de contratar para o nosso elenco um jogador de um clube do Grupo City por uma verba recorde para esse clube (Bahia), o que convenhamos não abona muito bem sobre a política de prevenção de conflito de interesses existente(?) no Sporting. Mas a tudo isto Rui Borges vai sobrevivendo, levando o barco a bom porto. Ou bom Porto, como se espera na próxima sexta-feira. 

 

De quem eu gostei muito ontem, e avanço já que elegi como "melhor em campo", foi do João Simões. Por uma simples razão: eu não me recordo de um jogador que tenha dado um salto tão quântico de produção após meia-dúzia de jogos como o João. Ainda mais entrando numa fase difícil, com a equipa pouco estabilizada na sequência do trauma da saída de Amorim e concomitante convulsão de lesões (a Torre do tombo onde, sobranceira, habita a Unidade de Performance, que Rui Borges relativiza ao ressuscitar o velho lema de António Oliveira, de "por cada leão que cair, outro se levantará"). Impressionante a forma segura, mas trépida, como leva a bola para a frente em movimento perpendicular, bem como as suas desmarcações na ala esquerda que abrem linhas de passe à equipa e agitam o jogo, dão-lhe uma dinâmica que combate a pastelice procrastinadora do passe para trás e para o lado. E, na ausência de Gyokeres, devo realçar o Harder, que deu o peito às balas, o que aqui deve ser encarado como literal e metaforicamente correcto, ou não tivesse ele amortecido e encaminhado para a baliza com o tronco um tiro de canhão de Matheus Reis que assim adquiriu a bonita semântica de uma assistência. 

 

Seguimos em (na) frente!

 

"O Homem é o Homem e as suas circunstâncias", sentenciou Ortega Y Gasset. Até aparecer Rui Borges, que, em vez de se adaptar às circunstâncias, faz as circunstâncias adaptarem-se a si, naquele jeito transmontano de quem faz das fraquezas forças, agradece ter trabalho ("inherent problems come with the territory") e ainda tem tempo (ou não fosse ele um "Jack of all trades") para ir com toda a naturalidade a Mirandela comer uma alheira e ver jogar o clube da terra. Sem dramas, nem stress. 

 

Tenor "Tudo ao molho...": João Simões

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26
Jan25

Tudo ao molho e fé em Gyokeres

Um Braillinho da Madeira


Pedro Azevedo

Há duas máximas sobre massa que o Leitor precisa de recordar: a primeira, diz-nos que é muito importante ou mesmo determinante no futebol; a segunda, adverte-nos de que o que é Nacional é bom. Ainda assim, há clubes com mais "massa" do que outros, mas essa "massa" pode não ser necessariamente de melhor qualidade do que a de um clube com menos "massa". Por exemplo, o clube dos 6 milhões tem muita "massa", massa dinheiro e massa associativa, pelo que é uma maçada quando perde com um humilde mas valente clube-roulotte que tem tão pouca "massa" que anda com a casa às costas quinzenalmente até finalmente a poder parquear em Rio Maior. Logicamente, os adeptos do clube com muita "massa", que se deslocaram em massa ao local onde o adversário parou a roulotte, ficaram amassados com a atitude da sua equipa e logo pediram justificações ao seu treinador, que por sua vez, já que pedir não custa, devolveu o requisito, pedindo ajuda aos adeptos, de forma a que ele pudesse resolver "esta m€rd@", o que pressupõe, sentindo-se ele parte da solução e não do problema, que a ajuda requerida não implica que os adeptos o substituam no banco e assim consigam tirar o mínimo rendimento de um plantel milionário, inferindo-se assim que a cooperação pretendida será do género "somos todos Benfica" e se todos forem Benfica ninguém os parará, até porque não restará ninguém para o fazer (um velho sonho "vieirista"). 


Ora, na noite passada, um clube com "massa", não tanta como a do clube dos 6 milhões mas ainda assim muita "massa", defrontou o Nacional. Além de alertado para o facto de que o que é Nacional é bom, o Sporting tinha bem presente um exemplo de como a sobranceria pode custar caro, que mesmo com massa para o Benfica não foi "canja de galinha". Assim, com o acompanhamento da "massa", meteu a carne toda no assador, não poupando o Gyokeres, o Morita e o Bragança e procurando assim confecionar uma boa bolonhesa (que se espera dure pelo menos até quarta-feira). Por outro lado, o Nacional, ainda que não sendo um clube-roulotte, trouxe um contentor de frio a Alvalade para não estragar a famigerada qualidade da sua massa. E pousou-o em frente à sua baliza. Com um objecto de dimensões tão consideráveis à sua frente, os jogadores do Sporting tiveram sempre muita dificuldade em ver a baliza, pelo que recorreram ao braille para lerem correctamente o que se estava a passar, ao mesmo tempo que foram desenvolvendo outros sentidos: o olfato de Gyokeres, a audição de Hjulmand, o tacto de Diomande e o paladar de Quenda. Mas ainda assim não foi fácil. Pelo que, se o macaco-hidráulico fez oscilar o contentor mas não o retirou da frente, o engenhoso do Trincão acabou por resolver o problema à lei da bala, ou, mais concretamente, a tiro de canhão (rima com Trincão). Ainda assim, os nacionalistas não desarmaram, pelo que só mesmo massa fresca (18 aninhos, João Simões) resolveu definitivamente o problema.

 

Nos últimos 4 jogos do campeonato, o Sporting fez 10 pontos e o Benfica e o Porto (menos 1 jogo) apenas 3, o que quer dizer que Rui Borges, que arrancou com menos 1 ponto que Lage e os mesmos de Vítor Bruno, ganhou um total de 14 pontos (no mínimo 11, caso o Porto vença hoje) aos seus rivais nessas jornadas, aumentando em 1 ponto a diferença que Amorim havia cavado para cada um dos adversários directos quando faltam menos 8 jogos para o campeonato terminar, tendo pelo meio de gerir as lesões prolongadas de Pote e Nuno Santos, as recorrentes de Quaresma, Inácio, St Juste, Matheus Reis, Morita e Bragança, o cansaço muscular de Gyokeres e a falta de compromisso de Edwards. É obra!!! Bom, mas isso é outra loiça, que hoje foi a massa que nos trouxe aqui... 

 

"Deixem passar esta linda brincadeira, que a gente vamos bailar p'ra gentinha da Madeira..."

 

Tenor "Tudo ao molho...": Morten Hjulmand

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18
Jan25

Tudo ao molho e fé em Gyokeres

Sandes Miszta


Pedro Azevedo

Caro Leitor, enquanto em Alcochete, desde que chegou Rui Borges, voltou a reinar a tranquilidade, nos nossos vizinhos há sinais de que o sonho hegemónico, quiçá até imperialista, foi retomado a todo o vapor. Tanto é assim que descobri pela Comunicação Social que o Barreiro está no Seixal (e no Seixal, e em toda a CS, só se fala no Barreiro), e não por acção de um terramoto (ou mesmo da Transtejo Soflusa). O facto de o Barreiro não estar mais no seu lugar natural (o Barreiro) foi um coelho que só podia ter saído da cartola (hat-trick) benfiquista, sempre desejosa de puxar para as suas hostes todos aqueles que lhe puderem dar uma mãozinha, seja por via das desventuras do Boaventura. de funcionários dos tribunais e agora também através da anexação do Barreiro. Não sei se isto vai dar uma Guerra Penínsular (de Setúbal), mas espera-se a solidariedade da comunidade para com o Barreiro. É que surpreende ainda mais a ideia que nos vendem de que o Barreiro assim está em alta, principalmente porque toda a gente sabe que quem diz Barreiro, diz Baixa (da Banheira)...

 

Bom, mas isso são contas de outro rosário, que o que nos trouxe hoje aqui foi a visita do Sporting ao Rio Ave. Sir Francis Bacon, que foi um ilustre político, filósofo e cientista inglês, dizia que um homem esperto cria mais oportunidades do que aquelas que encontra. Lembrei-me disso ao pensar em Rui Borges, sem dúvida um treinador astuto e camaleónico tacticamente, virtudes que aliadas ao seu optimismo e atitude positiva (face a lesões e falhanço em contratações) vão conduzindo a nossa equipa num sentido tão ascendente que hoje nos proporcionou um final de tarde inesperadamente descansado no tão renovadamente difícil e rico eolicamente Estádio dos Arcos, em Vila do Conde. 

Com Debast no meio campo, mas a recuar e juntar-se a Diomande e ao regressado Inácio para o início de construção a 3, Rui Borges começou logo a surpreender. Petit pareceu baralhado e os seus jogadores idem, que não esperariam ver Maxi tão balanceado para a frente e na ajuda a Quenda no ataque. Sempre em superioridade numérica na esquerda, Rui Borges conseguiu assim libertar o joker Quenda para este espalhar magia. E espalhou, pelo que só um dia desgracado de Harder na finalização impediu uma goleada histórica. Ainda assim, deu para uma bela sandes Miszta: o Aderlan, em luta com o Fresneda, descobriu o queijinho (Manchego), o Hjulmand adicionou-lhe o Nobre fiambre dinamarquês e o Gyokeres, que esteve a maior parte do tempo no banco a serrar presunto, assim que entrou juntou o ingrediente final. E se foi Miszta, deveu-se também ao guarda-redes do Rio Ave, senão teria sido uma enorme club-sandwich. Assim mesmo, à inglesa, como o nosso Sporting. 

 

Tenor "Tudo ao molho...": Quenda

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04
Jan25

Tudo ao molho e fé em Gyokeres

Ser ou não ser


Pedro Azevedo

De Mirandela não vêm só alheiras, há em Rui Borges alguém que não está aqui para encher chouriços e se afirma desde o primeiro dia como um René Descartes cuja dúvida metódica lhe faz desconfiar do 3-4-3 e começar a construir do zero um novo sistema de crenças que pode ser sintetizado no 4-1-4-1 com que a equipa do Sporting (des)organiza-se ofensivamente. Pelo que passámos da tentativa mal-sucedida de clonação de Rúben Amorim por parte de João Pereira, o nosso momento Dolly, para a ruptura com o sistema de crenças anterior, por enquanto ainda mais dependente da atitude que da inspiração, a modos de um "lutem e continuem lutando até que os cordeiros se tornem leões" (ou desfaleçam de cansaço ou por lesão durante o processo). 

 

O Sporting vive presentemente em transição ontológica. Quer-se agora que alguém que dirige a equipa seja igual a si próprio, da mesma forma que no passado recente não se quis que outro alguém fosse esse alguém. É confuso para quem queira aprofundar a questão, o que felizmente não é o caso dos nórdicos, tradicionalmente concentrados na tarefa e pouco dados a dúvidas existenciais. Por isso, o Gyokeres foi o Gyokeres e começou logo a marcar, que para ele metafísica é mais "mete a física" a caminho da profundidade. O Sporting ataca em 4-1-4-1, o que exige que Hjulmand se dê constantemente ao jogo para procurar a bola e a colocar de seguida nos dois médios-centro ofensivos. No primeiro golo do Vitória, o Hjulmand estava marcado em cima. Diomande podia ter passado à queima para Quaresma ou optado por atrasar tranquilamente para Israel. Mas não, tentou queimar linhas e colocar longo na frente, permitindo assim uma transição muito perigosa que só foi parada por Quaresma em falta. Do livre subsequente, o Vitória empatou, com Israel a fazer-se tarde à bola. Quando os médios contrários condicionam Hjulmand, os centrais são obrigados a fazer passes longos. Aqui surge um dilema, porque nem Diomande nem St Juste são particularmente bons neste item, ao contrário de Debast que por outro lado é quem defende pior, o que sem os 3 centrais é ainda mais notório. Nesse transe, Quaresma destacou-se no primeiro tempo da mediocridade geral, servindo bastas vezes de pronto-socorro e levando o sector defensivo a reboque. Em suma, esta táctica presente não deixa confortável nenhum central. Sem conseguir jogar entrelinhas pelo meio, o Sporting circulou por fora, em "U": Quenda voltou a solicitar Gyokeres na profundidade e o nosso Vik Thor não perdoou. O Sporting foi para o intervalo em vantagem.

 

De uma brilhante tabelinha entre Morita e Gyokeres, o Sporting marcou o terceiro golo. Pensou-se que o jogo estava ganho. Só que Morita "deu o berro", o meio-campo tornou-se muito levezinho e Matheus Reis adormeceu à sombra da bananeira e abriu uma auto-estrada com via-verde para o segundo golo do Vitória. Pouco depois, veio o terceiro: St Juste afastou uma bola para a zona central do campo, desequilibrando toda a equipa. E o quarto: Matheus Reis ficou a ver o avançado vimaranense cabecear à vontade, ao mesmo tempo que Israel ficava pregado na linha de golo, como um prisioneiro em solitária que faz de postes e barra a sua própria cela. Sobre o gongo, Trincão ainda empatou, em lance brilhante que esteve nos antípodas da sua acção no jogo, salvando-nos 1 ponto. 

 

Voltando à questão ontológica, o Sporting ontem não foi Sporting. A boa notícia é que hoje o Benfica ainda foi menos Benfica (se o Manchester United amanhã não for Manchester United, a notícia poderá não ser tão boa porque se Lage continuar a ser Lage então Amorim até poderá vir a ser novamente Amorim e estar a caminho). O problema é que o Porto começa a ser Porto, ainda que a coberto do nevoeiro, o disfarce ideal para quem não quer ainda dar nas vistas. 

 

Tenor "Tudo ao molho...": Vik Thor Gyokeres

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30
Dez24

Tudo ao molho e fé em Gyokeres

Borges contra o caos


Pedro Azevedo

João Pereira foi uma espécie de quarto segredo de Fátima revelado em exclusivo a Frederico. Todavia, bem ao contrário de outras aparições, esta nunca teve a benção do Vaticano, tratou-se enfim de uma alucinação comum a presidentes de grandes clubes, que uns anos antes também Luis Filipe Vieira havia visto uma luz no Seixal (inclino-me para um pirilampo). Foi galo! Na subsequente contratação de Rui Borges, Varandas não viu um clarão sobre uma azinheira, nem tampouco consultou o tarot da Maya ou a bola de cristal da Alcina Lameiras, limitou-se a olhar para o currículo do treinador. Também não fez nenhuma previsão sobre aonde estaria o treinador daqui a 4 anos, o que já se sabe implicaria saldos na cláusula de rescisão para os colossos europeis. Ou seja, começámos logo a ganhar. Mas Rui Borges teria apenas 3 dias para preparar o derby, os mesmos que Bruno Lage para jogar os búzios e tentar adivinhar em que sistema jogaria o Sporting. Quem aproveitaria melhor o tempo? 

 

O Sporting apresentou-se ofensivamente em 4-1-4-1 (defensivamente em 4-4-2), com Quaresma a lateral direito, Morita mais perto de Trincão do que de Hjulmand e Geny e Quenda como alas. O desdobramento do 3-4-3 tradicional em Rúben Amorim num outro sistema não foi algo de novo, na medida em que o próprio Amorim já o havia feito na época passada, pelo que a novidade foi mesmo a posição relativa de Morita, que transformou o 4-2-3-1, de 2023/24, num 4-1-4-1, uma aproximação ao 4-3-3 que Borges usava em Guimarães, em que Manu Silva era o "6" e Tiago Silva e João Mendes os "10". A colocação de 2 médios em cima da linha de defesa do Benfica foi intencionado como uma faca apontada à carótida dos encarnados, uma rampa de lançamento de mísseis instalada num quintal em Carnide. mas, com pouco tempo de trabalho e Hjulmand a precisar de treinar passes rasos de maior distância, esse não foi o factor decisivo. Pelo que o maior perigo surgiu dos apoios frontais que Gyokeres deu e das consequentes interacções que se estabeleceram com Morita, Trincão e Geny (principalmente). Quenda falhou um golo cantado numa acção dessas e provavelmente um penalty foi cometido sobre o mesmo jogador, mas seria de uma antecipação mal-sucedida de Tomás Araújo a Gyokeres (à semelhança de uma outra com igual resultado perpetrada por Otamendi na época passada) que nasceria o desequiíbrio que permitiu a Geny marcar o único golo do desafio. 

 

Se no primeiro tempo quase não houve Benfica no relvado e só a má definição de Quenda e Trincão evitou que o jogo ficasse logo aí decidido, no reatamento o Sporting sofreu. Ora, o sofrimento para um Sportinguista é algo natural e uma condição inerente à nossa existência, um ADN que provavelmente terá sido inspirado em Schopenhauer, que teria de bom gosto vivido mais 46 anos para poder dar a sua benção à nossa fundação. Pelo que convivemos bem com o assunto, e o Quaresma cheio de cãibras, o Morita com falta de ar, o St Juste sempre preso por arames (para não falar da ala de inválidos do comércio sita em Alcochete que certamente sofreu por fora) fizeram das tripas coração para estarem à altura do lema de Mr Borges: "Quando faltar a inspiração, que não falte a atitude". E se a inspiração foi alternante (só o Quaresma esteve irrepreensível), atitude foi coisa que não faltou ao Sporting durante os 90 minutos, com Borges a emular o seu homónimo argentino Jorge Luis (o nosso presidente informou-nos que o Rui Borges pode ser... Rui Borges, mas esta noite ele foi Jorge Luis Borges), também ele a ter de perorar sobre o caos que governou o mundo (leonino, durante penosos 44 dias), conseguindo ver no escuro aquilo (a solução) que outro (Veríssimo) em plena claridade fornecida pela iluminação do estádio não conseguiu enxergar (segundo amarelo e consequente expulsão a Otamendi por falta imprudente sobre Geny que interrompeu um ataque promissor do Sporting). 

 

Tenor "Tudo ao molho...": Eduardo Quaresma (teve de adaptar-se a um novo sistema com grande impacto no seu posicionamento em campo e esteve imperial a atacar e a defender). O Gyokeres também seria uma boa opção, assim como o Geny (4º golo a "grandes" no espaço de 1 ano) caso não tivesse sido egoista e perdido o 2º golo do Sporting.borge.jpg

23
Dez24

Tudo ao molho e fé em Gyokeres

O Auto da Barca do Inferno


Pedro Azevedo

Não sei em relação a vocês, mas eu não acredito em coincidências: o Big Bang não aconteceu por acaso, o meteoro que caiu na província de Yucatán, dizimou os dinossauros e criou as condições ideais para o desenvolvimento da espécie humana, idém. E se coisas tão complexas como estas que ocorreram no passado e influenciaram o mundo como o conhecemos hoje não foram coincidência, o Sporting ter encontrado ontem no Gil Vicente a barca dos infernos muito menos o foi. 

O Sporting navegava numa barca comandada por um anjo. O mar era calmo e o sol luzia, a embarcação seguia sem sobressaltos. Mas o anjo permitiu que os seus dons de timoneiro lhe subissem à cabeça e, qual Lúcifer, afrontou a vontade de Deus, logo se achou acima de todos e reclamou uma barca mais luxuosa, deixando a do Sporting à deriva em alto-mar, a naufragar num mar que logo se encrespou. Até que foi abordada por outras duas barcas que imediatamente disputaram as almas em presença, uma tripulada por um anjo não corrompido pela ambição desmedida e outra dirigida pelo diabo. Só que para muitos era tarde demais, a desidratação e falta de alimento já haviam produzido o seu efeito e na barca jaziam vários corpos, só escapando com vida os jogadores. 

Em sequência, os mortos começam a ser distribuídos pelas embarcações. O primeiro chama-se Frederico. É condenado ao inferno por soberba, preguiça e avareza. Arrogante, a sua alma reclama o Paraíso, alegando os muitos êxitos obtidos no seu mandato "fácil, fácil". O anjo recusa-o, com o argumento de que os méritos foram essencialmente de Rúben. Segue-se o próprio Rúben, previamente capturado em Manchester by the Sea pelo diabo e já condenado por ganância. Ainda tenta mudar novamente de barca e convencer o anjo a ir para o céu, mas, apesar dos seus méritos evidentes, não o consegue convencer pelos recentes prejuízos causados ao anterior clube e seus apaniguados. Também pede ao diabo que o deixe voltar a onde tudo começou (Sporting), mas é demasiado tarde para a redenção e acaba na barca do inferno. O terceiro a chegar é um ingénuo. Chama-se João. É tentado pelo diabo a entrar na barca do inferno, mas quando descobre que o seu destino é um presente envenenado vai falar com o anjo. Este, embevecido com a sua humildade e a "brilhante defesa" (do seu caso), fá-lo entrar na barca que vai para o céu. Depois, chega o que é já o fantasma de Viana, que tenta mostrar que não é deste filme. Mas o anjo não o leva, apoiado-se em tudo o que (não) fez quando não teve controlo parental. Os nomes de Bolasie, Jesé e Fernando são ecoados e imediatamente o diabo o puxa para a barca que segue para Inferno City, onde árbitros e VAR também têm lugar cativo. Finalmente, avança o Paulinho, o último a deixar a toalha cair ao chão, uma vítima inocente do despautério de outros. O diabo sente que com este não tem qualquer hipótese e logo o anjo o conforta e encaminha este verdadeiro leão para a barca que vai para o céu. 

 

Entretanto, os jogadores ficam num limbo, isto é, ainda sobrevivem, se bem que estourados física e psicologicamente, mas já não sabem se isso é real ou se estão no purgatório. E aquilo que poderia ter sido Um Cântico de Natal sobre os méritos da redenção e metamorfose do nosso Ebenezer Scrooge, virou um Auto da Barca do Inferno...

 

Tenor "Tudo ao molho...": Hjulmand

resumo-do-livro-Auto-da-Barca-do-Inferno-500x500.p

15
Dez24

Tudo ao molho e fé em Gyokeres

Regresso ao Passado com falhas de memória


Pedro Azevedo

Quando João Pereira pegou na equipa esta estava na iminência de bater o recorde de melhor início de campeonato, pouco mais de duas semanas depois jogámos para não estabelecer um novo recorde de derrotas consecutivas. Como se percebe, fomos do oitenta a oito, mas, assim como tudo o que sobe um dia inevitavelmente desce nem que seja pelo efeito da força de gravidade (que também bem graves são algumas decisões...), quando se atinge o nível do solo não se pode cair mais. Não só não descemos mais como, ou não jogássemos com uma bola redonda, ressaltámos da valente queda que demos. É verdade, a primeira hora de jogo da nossa parte foi ao nível do melhor de Ruben Amorim, com os interiores a partirem de fora para dentro (nem todas as coisas devem ser geridas de dentro para fora...), Gyokeres a ter espaço na profundidade e o regresso da geometria euclidiana com os inúmeros triângulos desenhados no rectângulo de jogo e abrangendo essencialmente as duas alas. Todavia, faltaram duas coisas para convencer definitivamente os adeptos sobre a retoma: a finalização, que foi desastrosa (Gyokeres só à sua conta perdeu 3 golos cantados, Geny, Maxi e Simões falharam outros tantos), e o comportamento defensivo, com falta de pressão sobre o portador da bola nos lances mais perigosos do Boavista e o erro claro de colocação de Debast como central pelo meio (o belga só olha para a bola, não controla o espaço nem a deslocação do avançado que lhe cabe marcar). E se da má definição final dos lances ofensivos dificilmente se poderão assacar responsabilidades a João Pereira, a insistência em Debast no centro da defesa após o desastre na Supertaça foi o mesmo que pôr-se a jeito para que as coisas não corressem bem (pior é o João Pereira quando fala parecer não ter noção da origem das coisas, como se estas ocorressem por obra e graça do Espírito Santo ou de uma conspiração universal contra ele e o Sporting). Não é que o Debast seja mau jogador, que aquela capacidade de passe entrelinhas não engana e é do melhor já visto no futebol mundial, simplesmente não é um bom defesa, ou, melhor, pode defensivamente ser um razoável central pela direita e compensar com o que dá à equipa ofensivamente, mas actualmente não é um fiável central pelo meio. Senão vejamos o lance do primeiro golo dos axadrezados, em que em nenhum momento se preocupa com Bozenik, o tempo todo 1x1 nas suas costas, ou no segundo golo dos boavisteiros, em que não encurta em largura para Quaresma (este aproximou-se correctamente de Geny, que disputou um duelo de cabeça com um adversário em que a bola podia ter ficado por ali), afunda-se em relação à linha e tarda a reagir à movimentação do avançado à sua frente. 

O Sporting perder constantemente as vantagens que detém no marcador é coisa para enervar um monge tibetano, mas, quando cumulativamente temos de levar com o Fábio Veríssimo, então até o mesmo monge tibetano é levado à tentação de cortar os pulsos. E se nenhum adepto merece esta montanha russa em que se tornou o futebol do Sporting, em relação ao Veríssimo a Liga Portugal tem o que merece (a UEFA é que não tem culpa nenhuma de levar com esta exportação lusa feita a martelo). 

Com um olho negro, um galo na cabeça e um frango entre os postes, o leão estropiado conseguiu os 3 pontos. Do lado do Boavista, uma palavra para Seba Perez, um grande jogador, um polvo cujos tentáculos se estenderam por todo o campo e pernas dos jogadores leoninos. Já Debast é o nosso Contreras do Século XXI: óptima saída de bola, mas erros defensivos de um principiante. Um jogador à primeira vista agradável aos olhos, mas que não enche a barriga. Tem de melhorar urgentemente o seu comportamento defensivo (no primeiro golo o Quaresma foi ao meio dissuadir um boavisteiro que seguia frontalmente com a bola e ao regressar teve de enfrentar um bloqueio legal de Reisinho e Matheus Reis deu algum espaço na largura a Agra com medo que este metesse a velocidade, mas é Debast que perde totalmente a sua referência de marcação, o eslovaco Bozenik). 

 

Vencemos o jogo e com isso ganhámos tempo. Só o futuro dirá se esse tempo foi ganho para ser desperdiçado ingloriamente, o que se sabe é que não se deve perder o tempo que custou tanto a ganhar. Ontem, João Pereira provou que até é capaz de entender os comportamentos e nuances ofensivas que Rúben Amorim criou no Sporting, falta perceber se algum dia compreenderá o que é necessário fazer defensivamente. Talvez ajudasse porém que Diomande ou Inácio jogassem como centrais pelo meio, uma lição que Amorim aprendeu com um custo elevado em Aveiro.  

 

Tenor "Tudo ao molho...": Francisco Trincão. Quenda realizou um bom jogo. Simões fez uma óptima primeira parte. Maxi alternou o muito bom com o muito mau. Hjulmand evitou o empate final.

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05
Dez24

Tudo ao molho e fé em Gyokeres

O passado, o presente e o futuro


Pedro Azevedo

Em "O Leopardo" (Il Gattopardo"), Don Fabrizio, príncipe de Salina, afirma que é preciso mudar alguma coisa para que tudo fique exactamente igual. Em jogo estava a sobrevivência, algo que para um felino (literal e metaforicamente) desperta sempre o instinto de preservação. Sendo certo que o Leão partilha com o Leopardo o mesmo étimo comum, ambos pertencendo ao género Panthera, no actual reino do Leão as circunstâncias são diferentes, isto é, não se quis mudar, as circunstâncias é que assim o obrigaram. No entanto, o pretendido é o mesmo: que tudo fique igual. Para que tudo ficasse na mesma, Frederico Varandas escolheu um treinador da Academia com predileção pelo sistema 3-4-3. Como Amorim havia adoptado esse sistema desde a sua chegada a Alvalade, Frederico quis acreditar que tudo ficaria igual. Logo o comunicou à massa associativa e adeptos, valendo-se do tirocínio de 3 anos que João Pereira já tinha de Alcochete para dar credibilidade à sua mensagem dirigida aos Sportinguistas. Esqueceu-se porém de um pormenor: a ideia da continuidade iria confrontar mais o presente com o passado, com os resultados como fiel da balança do tribunal do povo Sportinguista. Outras soluções exigiriam tempo, e tempo é algo que os Sportinguistas estão habituados a ter de dar, ou não tivessem tido de esperar por vitórias em 2 longos períodos de 18 e 19 anos, respectivamente, mas a ideia da continuidade criou a ilusão de que não haveria que esperar. Seria pois tudo igual, que o futebol é fácil, fácil, e normal é ganhar o Euromilhões duas vezes seguidas. Só que os resultados iniciais não foram animadores e logo houve quem pegasse no Orwell e se lembrasse de que os animais (e, por conseguinte, os homens) são todos iguais, mas há uns mais iguais do que os outros (e, logicamente, outros menos iguais, como adiante se verá). Inevitavelmente, ou não, tendo o nosso povo essa tradição, com as dúvidas apareceu o sebastianismo, mostrando-se os Sportinguistas órfãos de Amorim, o que é mais legítimo, maduro e fácil de entender do que sentir a falta de quem por uma bravata perdeu simultaneamente a vida e a soberania do reino português. Porém, esse sentimento de orfandade quando se pretende andar para a frente é semelhante àquele automobilista que conduz a sua viatura só a olhar para o espelho retrovisor. Resultado: estampa-se ao primeiro obstáculo que apanha pela frente. Haveria por isso que erradicar esse sentimento e agarrarmo-nos ao que temos e João Pereira percebeu isso muito bem. Como tal, em conferência de imprensa, alertou que o treinador antigo não voltará, assim como quem diz: foquem-se no presente que o passado já lá vai, ultrapassou-nos pela direita com um terço da estrada percorrida e foi por um atalho tratar do seu futuro para Manchester. Tudo estaria bem se os Sportinguistas não desconfiassem de que o futuro não será igual ao passado recente, tomando como referência o presente. E o que é o presente? Por um lado temos um presidente que nos diz que o novo treinador está a ser preparado há 3 anos, por outro há um treinador que nos transmite que não pode replicar o que não sabe, que há comportamentos e nuances introduzidas por Amorim que desconhece, o que cria a dúvida sobre que preparação específica foi feita e obriga a mudar a fórmula de sucesso que nos foi dita que permaneceria igual. Afinal, tal como em "O Leopardo", seria preciso mudar para tudo ficar igual (os resultados), com o Sporting na liderança. Ora, mudar o que deu certo e com um protagonista ao leme diferente daquele que já tinha provas dadas é coisa para a qual os Sportinguistas não estavam preparados, daí a perplexidade e imediata insegurança que se apoderou de nós, potenciadas pela derrota de goleada com o Arsenal e o inédito desaire caseiro com o Santa Clara. Foi com estes sentimentos no subconsciente dos Sportinguistas que chegou o jogo de Moreira de Cónegos: lançaria ele água na fervura ou mais achas para a fogueira? (Para achas na fogueira já nos chegava mais uma das nossas idiossincrasias, a insólita existência de um bombeiro "incendiário", um oxímoro leonino.)

 

Não se sabe o que João Pereira vale, mas é sabido que não bale (como a Dolly), que clonagem por enquanto ainda é coisa para ovelhas. Ainda assim, hoje João Pereira quis aproximar-se dos princípios de jogo de Ruben Amorim, pelo menos no que respeita ao ponto de partida dos interiores, lançados de fora para dentro e facilitando o "overlap" dos alas. Só que a equipa revelou falta de paciência, abandonando precocemente o tricô no centro e não resistindo ao "cruzabol" a partir dos flancos. Além de que, no primeiro tempo, o jogo esteve de novo sub-virado à esquerda, um tipo de "marxismo-leoninismo" já observado em igual período com o Santa Clara. Todavia, Gyokeres conseguiu ganhar um penalty na área e o Sporting adiantou-se no marcador. Parecia que o mais difícil estava feito, mas se a organização ofensiva requer afinação, a organização e transição defensivas entregaram o jogo. Tudo começou numa bola parada em que a zona não funcionou. Porém, o cabeceamento foi executado ainda longe da baliza, o que oferecia boas possibilidades de defesa ao nosso guarda-redes. Mas este denota falta de escola, não corre debaixo dos postes, atira-se de onde está como se fosse um nadador a esperar pelo tiro de partida para mergulhar dos blocos. Resultado: faltou-lhe largura e altura na estirada, mostrando uma flagrante falta de elasticidade para um guardião com quase 2m de altura. Se as coisas já estavam menos bem, pior ficaram quando Geny cometeu um erro de principiante e enviou a bola num arremesso para o centro do terreno. Na sequência, Schettine chutou à baliza. O remate foi efectuado de fora de área, mas Kovacevic voltou a não chegar a tempo. Sem muito fazer por isso, o Moreirense ia para o descanso em vantagem. 

Muito se fala de nuances tácticas quando não se resiste a comparar o Ruben com o João. Essa análise porém é redutora porque nos esquecemos da estrelinha. O Ruben tinha avisado para isso e o segundo tempo confirmou que a João Pereira tem também faltado sorte: 2 remates à barra. A equipa reentrou bem e fez uns bons 15 minutos. Mas depois cedeu ao nervosismo, começou a lançar a bola na frente à toa em vez de jogar de ouvido como antigamente. Faltou um grito para dentro do campo e as coisas complicaram-se ainda mais. Nesse particular, Trincão teve uma noite desinspirada e estragou quase todos os lances em que entrou. Nesse transe, ele e Bragança ignoraram, em duas ocasiões distintas, Matheus Reis isolado pela esquerda. E quando Braganca saiu, a equipa deixou de ter cérebro e passou só a viver da emoção. Bem lutou Gyokeres para evitar o nosso fado, mas a equipa não o ajudou rigorosamente nada. Pelo que nem mesmo as substituições que desta vez João Pereira não adiou, mudaram fosse o que fosse para melhor. Não, a equipa perdeu-se emocionalmente no relvado. 

Em 2 semanas o Sporting vê-se na iminência de ser apanhado na liderança pelo Porto (e potencialmente ultrapassado pelo Benfica). Acabou-se assim a almofada confortável que amortecia a chegada de um novo treinador. Frederico Varandas bem que pode ser um vidente e ter visto na bola de cristal da Alcina Lameiras em João Pereira o futuro do Sporting com 4 anos de antecedência, mas bastaram 9 dias para que o Sporting perdesse por 3 vezes e 1 dia para que perdesse 6 elementos da equipa técnica. As coisas no futebol mudam muito depressa, dizia Amorim, que foi conseguindo adiar essa mudança antes de ele próprio mudar para Manchester e deixar os jogadores que em si acreditaram órfãos com dois terços da época por completar. Nessa recriação de Amorim do célebre ditame de Pimenta Machado de que no futebol o que hoje é verdade, amanhã pode ser mentira, Varandas até pode estar certo e o amanhã provar que a presente desconfiança de sócios e adeptos é mentira. Mas é preciso cuidar de que haja amanhã, e isso trata-se no presente, que a natureza tem horror ao vazio e logo surgem ervas daninhas. Ou então, o presente trata de nós, um presente que certamente nenhum Sportinguista desejará em época natalícia.  

 

Tenor "Tudo ao molho...": Gyokeres

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01
Dez24

Tudo ao molho e fé em Gyokeres

Momentâneo lapso de razão?


Pedro Azevedo

O Einstein, que aparentemente não era burro nenhum, dizia que insanidade é fazer sempre a mesma coisa e esperar resultados diferentes. Ora, eu espero que o João Pereira não seja louco, por ele e por nós. Talvez só queira contrastar com quem o precedeu, o que é humano mas pouco inteligente e recomendável quando se tem nas mãos um F3 que Amorim evoluiu para um F1 e já tem muita rodagem. Mas quando o João lança de novo de início o Edwards em modo morto de sono eu fico logo a imaginar a alegria dos cemitérios que os Sportinguistas no fim vão sentir...

Uma das coisas que me davam gozo no tempo de Ruben Amorim era o nosso jogo de triângulos. Pois bem, isso ontem esteve ausente. Ou melhor, se houve algum triângulo, ele foi obtuso. Pelo que de geometria euclidiana estamos conversados, deve ser coisa da antiguidade clássica. Sem jogo interior que desbloqueasse a contenda, regressámos ao chuveirinho para a área. Ora, para chuveirinho, logo meter água quando não se tem um avançado cabeceador, também podia eu dirigir do banco o futebol do clube. E se é para criar uma oportunidade flagrante de golo durante todo o jogo, então o José Pereira e a ANTF que esqueçam os treinadores encartados, porque, se o nível III é isto, 3 milhões de Sportinguistas estão habilitados para treinarem a equipa: 

 

Depois, o João ainda agora começou e no arranque para o campeonato já conseguiu vários recordes: perdemos em Alvalade após 31 jogos invictos e não marcámos um golo pela primeira vez em 53 jogos. É obra de Academia!!!

 

Também gostava de saber onde anda o Diomande de antes da CAN. Dão-se alivíssaras a quem souber do seu paradeiro. Ver dois contra um e os nossos dois irem para o vazio e o um deles ir para o lado da bola é coisa para matar do coração qualquer treinador, e disso o João Pereira não tem culpa. Mas foi assim que o Santa Clara ganhou o jogo, contando também com a inação do guardião Kovacevic que confundiu o remate com uma fotografia e ficou a posar. A posar a a pousar... os braços e as pernas. Será modelo fotográfico? Lá altura tem para isso...

Já se sabia que este campeonato tinha de ser para o Benfica. Mas, apre, ao menos que eles façam por o ganhar, ou então que apareça um ou mais árbitros do jeito daquele que os apitou no Mónaco a fim de que vençam. Agora, sermos nós a oferecer-lhes o campeonato de bandeja deixa-me doente. Bem sei, o Natal está aí à porta, mas o Pai Natal desde o tempo da Coca-Cola que não é verde. 

Bom, vamos lá a ver se isto ainda se compõe. Para vos ser franco, não estou muito optimista. Mas, enfim, a esperança é verde, não é verdade? Porém, não faria mal ao João Pereira ler o William Blake quando ele escreve "como saberes o que é suficiente, se não souberes o que é demais?" João, o Edwards é demais, ok? E se o João não entende, vai acabar por perceber tarde e a más horas que está a mais. Para mal dos nossos pecados, embora o pecado original tenha sido do Amorim ao aceitar dar uma dentada na maçã do United que pelo andar da carruagem se traduzirá no Sporting, e não o microfone, ir ao chão. Como a sucessão preparada há meses pressupunha um patamar superior, não sei se há alguma solução externa para fazer com que isto seja levantado do chão, até porque o especialista que tinha o enredo na ponta da língua (Saramago) já não mora aqui. 


P.S. Há alguma lei da República, regra, procedimento, código de conduta ou manual de boas práticas que impeça o Quenda de procurar o 1x1? É que parece que o Amorim levou o seu drible para Manchester... 

 

Tenor "Tudo ao molho...": { }

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