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A Poesia do Drible

"Um pouco mais de sol - eu era brasa, Um pouco mais de azul - eu era além. Para atingir, faltou-me um golpe d'asa... Se ao menos eu permanecesse aquém..." - excerto de "Quasi", de Mário de Sá Carneiro

"Um pouco mais de sol - eu era brasa, Um pouco mais de azul - eu era além. Para atingir, faltou-me um golpe d'asa... Se ao menos eu permanecesse aquém..." - excerto de "Quasi", de Mário de Sá Carneiro

A Poesia do Drible

10
Set24

"Il Gattopardo"


Pedro Azevedo

"Algo deve mudar para que tudo continue como está." - frase do romancista Giuseppe di Lampadusa atribuída ao Princípe de Falconeri e mais tarde plasmada no filme homónimo ("O Leopardo") de Visconti. 

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É errado dizer-se que Roberto Martinez e Fernando Santos são farinha do mesmo saco. Primeiro, porque, apesar de tudo (e não foi pouco), Santos venceu 2 troféus (os únicos conquistados por Portugal no escalão sénior) e Martinez ainda nada ganhou. Segundo, na medida que onde Fernando era acabrunhado e de poucas palavras, Roberto é macio, suave e sedutor (não como a farinha, mas sim como o pó de talco, que é farinha de um outro saco combinada com mineral). Como tal, muito mais perigoso (ou prejudicial). 

 

Nota-se que há a um odor estranho no ar quando os melhores dos piores assumem a vanguarda e a vanguarda está na retaguarda (até o Ronaldo tem sentido dificuldades em permanecer à tona de água, tanto tem sido feito nos últimos anos, não certamente em nome da meritocracia, para o afogar num ror de críticas), qual automóvel de tração traseira e ímpeto sub-virador. Enquanto isso, Portugal aguarda...

08
Set24

Tudo ao molho e fé em Ronaldo

Ronaldodependência


Pedro Azevedo

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O jogo de hoje permitiu retirar duas conclusões: a primeira, a de que a Selecção é dependente de Cristiano Ronaldo; a segunda, a de que a Selecção é independente de Roberto Martinez. Ronaldo, nos 45 minutos em que esteve em campo, marcou 1 golo, atirou duas bolas aos postes, assistiu magistralmente (de calcanhar) João Félix para um desperdício na cara do guarda-redes e ainda recuperou belíssimamente duas bolas. Martinez é um exímio encantador de serpentes, essa qualidade ninguém lhe retira, mas de resto a sua utilidade resume-se a pouco mais do que ser um placebo que faz crer a jogadores e adeptos que existe um treinador a zelar por eles no banco. Senão vejamos: enquanto Seleccionador anuncia com pompa e circunstância um novo ciclo e a renovação. Mas depois, na prática, não passa daquele nobre do "Leopardo" que entredentes afirma que é preciso mudar alguma coisa para tudo ficar exactamente na mesma. Já como treinador de campo, as suas substituições oscilam entre desorganizar completamente a equipa e a redundância de substituir jogadores por outros de perfil idêntico (retirar Palhinha para meter Ruben Neves pouco sentido fez e obrigou a queimar mais uma substituição para a entrada, essa sim com sentido, de João Neves). Além de que começa a ser insustentável a presença constante de Bernardo Silva no onze titular, jogador que na Selecção apresenta um rendimento inferior ao verificado no Man City. Enquanto isso, Pote, o jogador português depois de Ronaldo com melhores números no cômputo de golos e assistências nas últimas 4 temporadas, não teve direito a mais do que escassos minutos de tempo de compensação no primeiro jogo desta jornada dupla, para não faiar de Trincão e de Quenda que serviram na perfeição a uma narrativa vazia e oca de substância. Em compensação, António Silva e João Félix continuam o seu processo de reabilitação, com a Selecção como programa de Novas Oportunidades. 

O jogo não foi bom nem mau, antes pelo contrário (se no primeiro jogo se homenageou com toda a justiça o Pepe, por que não aproveitar esta crónica do segundo para homenagear o  decano do comentário futebolístico nacional, o igualmente eterno Gabriel Alves?). A Escócia joga pouco, já se sabia. O que se desconhecia é que Portugak fosse capaz de jogar tão mal. Não é que Portugal tenha o naipe de jogadores de elevadíssima craveira que muita gente reivindica - temos bons valores, sim, mas por exemplo a um atleta com as qualidades físicas e técnicas de Leão falta-lhe o cérebro de Pote para ser um fenómeno e a inteligência e visão de jogo de Bernardo seriam ainda melhor potenciadas se o jogador tivesse  explosão - , mas uma equipa que pode contar com a segurança defensiva de Ruben Dias, a potência de Nuno Mendes, a facilidade de remate de Bruno Fernandes e a excelência de Ronaldo tem de ganhar com facilidade a uns escoceses que de destaque que os afaste da mediania pouco mais têm que o lateral Robertson. Simplesmente, o nosso grande problema é que o treinador não acrescenta, diminui, é incapaz de um golpe de asa, está amarrado ortodoxamente a um determinado grupo de jogadores e é "toxicodependente" de uma ideia de jogo que é pouco mais do que uma mão cheia de nada e outra de coisa nenhuma, a que pomposamente chama de "flexibilidade táctica ". Ainda assim ganhámos os dois jogos, porque a qualidade média dos nossos jogadores é muito superior à dos nossos adversários e isso faz vencer desafios, esteja no banco Roberto Martinez, este vosso humilde escriba ou um homem ou mulher vendados a disparar dardos sobre um alvo onde figure o lote dos jogadores selecionáveis. 

Terminada a pausa no futebol a sério para esta brincadeira das Nações com que a UEFA vai robustecendo os cofres, regressa o campeonato português e os jogos do nosso Sporting. O próximo é em Arouca. Em rodagem, o nosso Gyokeres marcou por 3 vezes pela Suécia. Está uma fera, e a boa notícia é que o mercado fechou e só reabre em Janeiro. Depois, com o novo ano, regressarão as dores de cabeça e lá se esgotará o stock de Ben-U-Ron. Até lá, só teremos de temer a intensidade dos defesas sobre o Gyokeres, seja por via de golpes de Gyo-Jitsu ou Vikboxing, o que já não será propriamente pouco. 

Tenor "Tudo ao molho...": Cristiano Ronaldo 

06
Set24

Tudo ao molho e fé em Ronaldo

E pur si muove !!!


Pedro Azevedo

Para uma santa inquisição bem instalada no tribunal da opinião pública, o Ronaldo é acusado de ser altamente prejudicial à Selecção. Trata-se (?) de uma teoria da conspiração como tantas outras, que tambem há quem acredite que os americanos estiveram na origem do 11 de Setembro ou que Elvis e Morrison estão vivos e a gozarem com isto tudo. São na sua maioria viúvas saudosistas de um tempo em que a Selecção estava no centro de tudo e não dependia de ninguém. Parece bom, conceptualmente. Mas na pratica foi uma era em que o Onze nacional assemelhava-se a um misto de Benfica e Porto e, como tal, estava dependente destes 2 clubes. Ora, há dependências boas e más. Por exemplo, uma pessoa depender afectivamente da sua família e núcleo duro de amigos, com quem criou laços de muitos anos, não é uma coisa má, mas a adição a drogas duras já não deve ser vista como uma coisa boa, especialmente se daí resultarem alucinações que deturpem a percepção da realidade como ela é. O que esses adeptos do Geocentrismo querem ignorar é que nesses saudosos tempos em que a Selecção não foi dependente de Ronaldo, nada ganhou. E por isso contestam a teoria heliocêntrica do universo futebolístico português, onde Cristiano Ronaldo é o sol e a Selecção continua a rodar (ainda e bem) em função dele.

[Percebemos que nos encontramos num país estranho quando o nosso cidadão mais estimado no mundo inteiro é contestado internamente num tribunal de inquisição da opinião pública e acusado de ser prejudicial à Selecção, ao ponto de os poucos galileus resistentes nos media terem de afirmar entredentes: "E pur si muove" (e contudo a Selecção move-se). E ganha !!!]

Porém, não devem as viúvas desanimar: como nada é eterno, um dia o sol ir-se-á embora. Depois ver-se-ão os resultados (colheitas). Aqui fica uma pista: pós-Pelé, o Brasil esteve 24 anos sem ganhar o Campeonato do Mundo; e, após Maradona, a Argentina necessitou de 36 anos para voltar a vencer a World Cup. Dá que pensar!!! Nada que demova as viúvas, que nos veem campeões do mundo assim que o Ronaldo se vá embora. Eu cá tenho um dedo adivinhador que me diz que elas sonham que ocorrerá num Domingo. De Ramos... 

 

Enquanto o Ronaldo vai dando nove centos de razões e três pontos de adição a quem confia nele, o tão propalado novo ciclo da Selecção iniciou-se com pompa e circunstância. Convidados: os do costume. Alguém mais conservador (ou cínico) dirá que há que dar o desconto, que o novo ciclo ainda agora se iniciou. E de facto o senhor Martinez merece 4 minutos de desconto, o equivalente ao tempo que concedeu a Pote para mostrar que a renovação está em marcha. Afinal, como aprendemos no "Leopardo", de Visconti, há que mudar alguma coisa a fim de que tudo fique exactamente na mesma. Oh Yeah !!! Tal como um maestro, cuja missão é coordenar as actividades de grupo e dar-lhes coesão e coerência, um Seleccionador deve ser muito mais do que um senhor de fato (casaca) que se apresenta em frente a uma equipa de futebol (orquestra). Ora, o problema de Martinez é a falta de coerência, o que a jusante se reflecte também na falta de coesão de toda a equipa, de todo o projecto. Só assim se compreendem as suas convocatórias, só assim se entendem as escolhas do onze inicial e as alterações que opera a partir do banco. Em relação a estas, Martinez parece a versão moderna de Dorian Gray: arranca determinado a encontrar o prazer na vida, mas depois vê reflectida a sua imagem num retrato que lhe parece envelhecer mal, vacila e começa a sabotar tudo aquilo por que inicialmente lutou convicto. Só assim se entende a marcha-atrás no segundo tempo que entregou o jogo a uns croatas até aí pouco mais do que inoperantes. 

 

Tenor "Tudo ao molho...": Ronaldo

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30
Ago24

Trocar o cântaro pelo Pote


Pedro Azevedo

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"Bob, o Construtor" finalmente constatou o óbvio, que de tão claro e inequívoco se diria ululante. Vai daí, depois de reflexão pós-Europeu, o senhor concluiu que há cântaros que de tantas vezes que vão à fonte acabam por partir-se, preterindo-os agora em função de um bem mais maneirinho Pote, que anteriormente esteve à bica, à bica do (pedregulho no) sapato. Como não há fome que não dê em fartura, com o Pote vão também o Trincão e, pasme-se(!), o Quenda (chamada merecida da revelação desta temporada). Só faltou o Quaresma, mas, como a prioridade agora é o ritmo de jogo - razão pela qual Cancelo ou Matheus Nunes ficaram de fora - , avançou o António Silva. Para momento de humor só ficou a faltar o Vasco Santana. Juntos fariam uma dupla imbatível. 

22
Jul24

Silly Season


Pedro Azevedo

A "Silly Season" chegou e desta vez acompanhada por um fundo musical. No Benfica, aposta-se tudo na recuperação dos Momentos de Glória ("Chariots of Fire"). Para tal, contrataram o Vangelis (Pavlidis). Faz sentido ! Crê-se, no entanto, que a partitura só será interpretada a rigor com as inclusões do Homem do Bongo (Renato Sanches) e de um solista caído em desgraça e desesperadamente à procura da redenção (João Félix). Enquanto o Benfica alimenta sonhos de grandeza, procurando o que crê ser o Best(e) do mercado, o Porto enfrenta a realidade, sem tempo para megalomanias (ou melomanias). Com os condicionalismos de Balanço conhecidos, no que respeita a contratações a música é "The Sound of Silence". A aposta será assim no talento precoce caseiro, o que geralmente (de)Mora a produzir obra. No Sporting vira o disco e toca o mesmo, o que é bom quando se vem de um triunfo (como é o caso): em fórmula vencedora não se mexe. Para tal conta com a manutenção dos Cinco Violinos (Geny, Trincão, Gyokeres, Pote e Nuno Santos), especialmente do seu Stradivarius sueco. E ainda há o Braga, que tem em Daniel Sousa um compositor com trechos produzidos em Arouca e Barcelos que entraram facilmente no ouvido de quem tem aspirações a lutar pelo título. 

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06
Jul24

Tudo ao molho e fé em Deus

E depois do adeus


Pedro Azevedo

De um lado os filhos da pátria, do outro os egrégios avós (Pepe e Ronaldo). Uma luta de galos, ou não fosse esse o símbolo francês e o de Barcelos uma componente importante  da idiossincrasia lusa. E se em termos literais as coisas se punham assim, figurativamente os galos eram Mbappé e Ronaldo, o aspirante vs o decano do reino do futebol mundial. Com uma diferença entre ambos que Schopenhauer explica: enquanto para Mbappé a vida de futebolista se perspectiva como um futuro infinitamente longo, Ronaldo vê-a já como um passado demasiado breve. Para Ronaldo, por Ronaldo era preciso ganhar aqui e agora, daí o sentimento de urgência e a indisfarçável ansiedade que assaltaram o craque português durante todo o torneio e que tão mal compreendido foi por parte dos portugueses.  

 

Portugal não jogou mal, diria até que realizou de longe a sua melhor exibição neste Euro que ficará para a história como de má memória. Tacticamente a equipa foi irrepreensível e jogadores houve que escolheram este jogo e este palco para terem o seu melhor desempenho nesta competição. Refiro-me a homens como Rafael Leão, Nuno Mendes (rendimento médio mais alto de todos os seleccionados lusos neste Euro), Rúben Dias, Bernardo Silva ou Vitinha. Os dois últimos foram como duas costureirinhas que alinhavaram, ponto por ponto, todo o jogo de Portugal. Não dando ponto sem nó, ou seja, concluíndo sempre bem as suas acções. Então, o que correu mal? Talvez os velhos vícios que Martinez não só não erradicou da Federação como deles foi cúmplice. Pelo que na hora da verdade, com uma moto no banco de ensaio como Diogo Jota, cheia de energia e de golo e preparada para pilhar os despojos do que antes havia sido uma França pujante e altiva, preferiu fazer entrar o Ofelix, um personagem que partilha com o seu treinador o facto de parecer saído dos desenhos animados, ele que caiu dentro do caldeirão da poção mágica dos empresários de milhões em pequenino e desde aí só revela fastio. E o que aconteceu no fim foi o produto de tanto termos desafiado os deuses do futebol, ao ponto de deles recebermos de volta a ira. 

 

Portugal saiu do Euro sem glória, mas finalmente mostrando o perfume de um bom futebol. Precisamos como nunca de nos libertar das amarras de um passado que amordaça algum do talento que ficou em Portugal ou raramente saiu do banco de suplentes. E para isso necessitamos de uma revolução, cujo protagonista nunca poderá ser Pedro Proença, o paradigma do situacionismo que impera no país e que para se perpetuar leva a que por vezes seja preciso mudar tudo para que tudo fique exactamente igual, não evoluindo, granitizando e parasitando à volta do melhor que o nosso futebol tem: o talento dos seus jogadores. Venha então a tão desejada Revolução e que a sua senha seja o "E depois do adeus" (à Alemanha). Só assim teremos as reformas que se impõem há décadas no futebol português, bem como a libertação de certas amarras de marinheiro que fazem com que "A Equipa de Todos Nós" seja presentemente "A Equipa de Todos os Nós". 

 

Tenor "Tudo ao molho...": Rafael Leão

 

P.S. "Crónica de uma morte anunciada" seria um bom título alternativo para esta crónica.

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03
Jul24

Estranha forma de vida


Pedro Azevedo

Escrevo esta crónica sob a forma de um apelo, o de que os jogadores da nossa Selecção se unam, ponham o ego de lado e ofereçam o caneco ao povo português e... a Ronaldo. Sim, a Ronaldo, da mesma forma que os argentinos deram o Campeonato do Mundo a Messi. Sejamos claros, Ronaldo tem a justa ambição de passar à história com um estatuto semelhante a Messi. Durante mais de uma década isso nem se discutiu, a rivalidade entre ambos catapultou-os para o Olimpo dos deuses onde não havia lugar para mais ninguém. Mas a estrela de Ronaldo empalideceu na última década, período em que Messi conseguiu juntar uma Copa América ao título de campeão do mundo. Destacando-se. Ora, o que eu vi nesse torneio mundial foi uma equipa unida em torno de Messi, com um craque como Di Maria, campeão em Portugal, Espanha e França e ganhador da Champions, perfeitamente alinhado nesse propósito. É aqui que a porca torce o rabo, porque eu não vejo esse alinhamento em Portugal. O que vejo é uma imprensa que desdenha do jogador e que criou o mito de que há uma Selecção apesar de Ronaldo ou que com pesar ainda há Ronaldo na Selecção. E isso estimula a desagregação, gera ansiedade de querer mostrar demais, dá espaço à ambição porventura desmedida de jovens lobos já não tão jovens assim como Bruno Fernandes que se veem como líderes sem trono. Porém, é preciso dizer que, apesar de excelente jogador, Bruno, ao contrário de Di Maria, não tem um currículo preenchido de títulos, nunca venceu um campeonato nacional ou uma Champions, não esteve no Europeu que Portugal conquistou. O que quer dizer que não obstante a sua indiscutida qualidade individual, que no entanto nunca o aproximou de uma Bola de Ouro, não contribuiu decisivamente para o sucesso colectivo. Aconselha-se por isso mais humildade e uma maior noção do ridículo. Pelo que há que arrepiar caminho e promover o aggiornamento. Que não passa por querer à força promover Gonçalo Ramos - apenas 14 golos num contexto gaulês em que o PSG é marcadamente hegemónico - em detrimento de Cristiano Ronaldo. Evidentemente, Ronaldo é hoje um jogador diferente, já não tem a explosão de outros tempos em que levava a equipa nacional às costas, é hoje dependente de outros colegas. Mas com ele a Selecção não perdeu uma única fase final de um certame internacional de relevo e venceu todos os jogos da última qualificação europeia, com ele como máximo goleador. E foi providencial no Europeu ganho, com 2 golos à Hungria que permitiram um apuramento rés-vés Campo de Ourique para o mata-mata e 1 golo e uma assistência que nos puseram na final. Assim como foi determinante nos 3 golos da vitória sobre a Suiça que nos deram a possibilidade de discutir a final da Liga das Nações que vencemos. Merece por isso, mas não só, todo o nosso respeito. E não só, porque quando se fala de um Ronaldo obcecada por recordes individuais de golos e Bolas de Ouro estamos a olvidar que colectivamente contribuiu para 4 títulos de campeão do mundo de clubes (por 2 clubes diferentes), 5 Champions (2 clubes), 3 campeonatos ingleses, 2 campeonatos espanhóis, 2 campeonatos italianos, 14 taças e supertaças domésticas e europeias, uma Taça dos Campeões Árabes e o Euro e a Liga das Nações pelo nosso país. Ora, só isto deveria fazer-nos pensar que não há "apesar de Ronaldo" e sim "com Ronaldo". Agora o que é preciso é aliviar-lhe a pressão, pô-lo naquele estado "soltinho" em que se apresentou naquele jogo de preparação com a Irlanda. Pressão aliás que Bruno e Bernardo, os seus delfins, também têm estado a sentir, talvez porque o foco de todos eles não esteja no essencial, a vitória de Portugal. E, sim, Ronaldo tem um estatuto especial. Como Messi o tem na Argentina, onde ninguém o ousa contestar. Qual é o problema? Não fez por isso? Então, saibamos ganhar com ele, haja um treinador que indique que nem todos os livres (especialmente aqueles na zona da meia-lua) deverão ser da sua autoria e aproveitemos a nosso favor algumas das características que Ronaldo ainda não perdeu e que ainda inspiram temeridade nos adversários. Em vez de andarmos a ver problemas onde um qualquer estrangeiro só observaria soluções. Estranha forma de vida esta de ser português...

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02
Jul24

Tudo ao molho e fé em Deus

O Anjo de Guarda(-redes)


Pedro Azevedo

Não estou a gostar muito deste Europeu de andebol de 11 que se está a disputar na Alemanha. Na televisão só oiço falar em basculação e pontas invertidos. E não vejo profundidade, se calhar para evitar violações da área dos 6 metros ou ainda mais crateras na relva do que aquelas que ontem foram bem visíveis em Frankfurt (este termo da "profundidade" irrita-me e deveria também irritar o Júlio Verne nas suas 20.000 Léguas Submarinas). Como é regra, o pivô (Ronaldo) é quem tem levado mais pancada. Não se estranha. O que surpreende é que a maior carga de pancada venha dos estúdios (comentadores) e não dos estádios (jogadores adversários), mais uma originalidade lusa...

 

Depois de uma fase de grupos dada largamente à experimentação, hoje começou o mata-mata. Do outro lado estava a Eslovénia, pátria de Pogacar e Roglic, o que só por si era sinal de que teríamos de dar muito ao pedal. E demos, durante 120 minutos (mais penáltis). É certo que poderíamos ter abreviado o sofrimento quando Jota ligou a moto e 4 eslovenos já não tiveram pedalada que lhes valesse, optando então por o deixar apeado, mas Oblak e o poste negaram o golo de penálti a Ronaldo. Mas também não é mentira nenhuma que quando Pepe atingiu o seu ponto de saturação, Sesko seguiu isolado para a nossa baliza e só Diogo Costa manteve-nos no jogo. Na altura ainda não sabíamos, mas o Diogo estava só a aquecer para o que viria a seguir...

 

O que veio a seguir foi a marcação de grandes penalidades. O acto em si foi precedido por um protocolo: Ronaldo escolheu a baliza, que se encontrava à frente do sector onde se concentravam os adeptos portugueses, e Oblak determinou que seria a Eslovénia a primeira a bater. Durante a semana ouvimos várias análises que procuravam desmontar o jogo esloveno. Não foram análises quaisquer ou centradas unicamente na questão táctica. Nada disso, tanto foi dito que o Oblak era o melhor guarda-redes do mundo como que o Ilicic havia recuperado recentemente de uma depressão. Pensei nisso quando o vi partir para a bola. Mais sensível aos problemas de saúde mental dos portugueses, o Diogo voou para a bola e nesse vôo foi acrescentando centímetros aos seus braços até conseguir conectar com a bola. Agora caberia a Ronaldo tentar de novo adiantar-nos no marcador. O facto de Ronaldo ter assumido a marcação do nosso primeiro penálti revela bem o campeão que é. Poderia ter-se guardado para a quinta penalidade, que nem necessária poderia vir a ser, mas não. E então vimo-lo a inspirar fundo, o que não fizera aquando do penálti que bateu no prolongamento, e a desferir um remate perfeito, na força e colocação, que só parou na malha lateral da baliza de Oblak. Seguiu-se um esloveno, de novo um canhoto. Pensei que o Diogo se atirasse para o mesmo lado da penalidade de Ilicic, mas por instinto ou estudo prévio optou por mudar. E defendeu, novamente em grande estilo. Pelo que Bruno Fernandes, o senhor que se seguiu, tinha nos pés a possibilidade de dilatar a nossa vantagem. O Bruno partiu para a bola e o Oblak pareceu ter ficado com os pés colados à relva: 2-0 para Portugal !!! Veio então um destro esloveno, certamente para variar. Só que o Diogo voltou à primeira forma e acreditou no remate cruzado, acabando por sair-lhe o bilhete premiado. Apos 3 defesas do nosso guarda-redes a 3 remates eslovenos, Bernardo Silva tinha a possibilidade de acabar com o nosso sofrimento. E não a desperdiçou, mandando Oblak para a sua direita enquanto a bola seguia no sentido oposto. Portugal qualificava-se para os quartos.

 

Portugal foi melhor durante o tempo regulamentar mas teve sempre difiuldade em entrar no bloco esloveno. As excepções foram uns raids de Leão e de Nuno Mendes, este último um sério candidato a melhor em campo não fora Diogo Costa ter aberto o livro, perdão, as asas. Por isso estranhou-se a substituição de Leão por Conceição e a verdade é que a equipa caiu. Todavia, a velocidade e classe de Jota - será necessário um manifesto popular para que Martinez lhe dê a titularidade? - acabariam por proporcionar a Cristiano Ronaldo duas soberanas oportunidades não concretizadas. E lá fomos para os penáltis. Uma palavra para a Eslovénia, uma equipa sempre muito agressiva em cima da bola, contrariando a ideia de ser orientada por um treinador queque (ou Kek).

 

Numa noite de grande suor e muitas lágrimas, a emoção começou ainda antes do apito do árbitro para o início da partida quando a UEFA permitiu que fosse concedido 1 minuto de silêncio pela morte de Manuel Fernandes. E que estreia no Céu teve o nosso Manel(!), qual anjo de guarda(-redes) que acredito tenha encantado o nosso Diogo. É o que se chama entrar pela porta grande de São Pedro, que nenhuma outra além da 10A estaria de acordo com o jogador e Homem que foi. Ou é, que pessoas assim não morrem efectivamente, são eternas. Simplesmente, ascendem para verem ainda melhor e assim zelarem altruísticamente por nós (mas não abusem). 

 

Tenor "Tudo ao molho..." Diogo Costa, "O Homem Alado". Nuno Mendes, Palhinha (excelente segunda parte), João Cancelo, Rúben Dias, Vitinha, Jota e Leão estiveram em bom plano. Curiosamente, Bernardo, Bruno e Ronaldo, pouco inspirados durante o jogo, foram decisivos nas penalidades finais. 

Portugal ainda procura o rumo mas pelo menos sabe que está em mãos seguras (crónica)

27
Jun24

Tudo ao molho e fé em Deus

Georgia on my mind


Pedro Azevedo

A primeira vez que ouvi falar na Geórgia foi pela voz de Ray Charles, que cantava que o estado americano, de que aliás era nativo, lhe tinha ficado para sempre na memória. Afinal, vim a descobrir mais tarde, havia outra, produto da desagregação da antiga União Soviética, com cidadãos com nomes como K V A R A T S K H E L I A, e outros do mesmo género, que só estava habituado a ler aquando das visitas ao oftalmologista. Essa "nova" Geórgia tornar-se-ia posteriormente uma minha velha conhecida através do rugby, ainda que tal conhecimento dificilmente pudesse ser caracterizado como agradável face às sucessivas derrotas impostas pelos georgianos aos nossos "Lobos". Pelo que o jogo de ontem se afigurava como de vingança por anos de provações que me deixaram com um "melão", que é metáfora que se aplica perfeitamente a uma modalidade em que a bola tem uma forma oval. 

Na antecâmara do jogo entrevistaram o melhor comentador das televisões portuguesas, o Professor Marcelo. Este logo considerou como muito inteligente a escolha do Onze titular e eu fiquei imediatamente de pé atrás. É que há um certo paralelismo entre Roberto Martinez e o Professor Marcelo, na medida em que ambos partilham o enorme desejo de afirmar ao mundo a sua imensa inteligência, nem que para tal seja necessário recorrer à... invenção (a vichyssoise do senhor Martinez chama-se "flexibilidade táctica"). E assim lá regressou a Geringonça (3-4-3) com os problemas do costume, ou seja, menos centro (só Palhinha e João Neves) em função de uma redobrada influência da extrema esquerda (Pedro Neto). A coisa já havia dado maus indicadores no passado, por pouco não nos levando a um checo-mate, mas o experimentalismo, tentação pelo abismo e a procura de afirmação de genialidade por parte do nosso seleccionador conduziram-nos de novo para esse buraco negro. Mudando-se novamente de sistema, quando a anunciada entrada de muitos jogadores até aí pouco ou nada utilizados recomendaria uma estrutura sólida em campo à qual se pudessem agarrar. Não havendo um sistema sustentado, Martinez pensou no individual. E lançou Diogo Costa, Palhinha e Ronaldo como tábuas de salvação. Só que não chegou: Diogo nada pôde fazer nos remates que deram os golos, Palhinha estava a ser o nosso melhor em campo mas foi substituído ao intervalo e Ronaldo teria dado o tempo por mais bem empregue com a Georgina do que com os georgianos. Pelo que a estratégia (?) redundou em fiasco absoluto. 

 

O sistema não era bom, havia muitos jogadores novos, mas Portugal tinha um trunfo: a Geórgia precisava de atacar para tentar vencer e assim garantir o apuramento para os oitavos de final. Pensava-se, por isso, que Portugal entraria no jogo de forma prudente, esperando pela iniciativa georgiana para melhor apanhar o adversário no contra-ataque. Mas António Silva fez um passe para trás sem olhar, Danilo viu Inácio acompanhar o jogador da Geórgia portador da bola e não endireitou a sua trajectória na direcção de Kvaratshkelia, António Silva perdeu em velocidade com este e a bola terminou dentro da baliza de Diogo. A perder, Portugal viu-se obrigado a ir atrás do prejuízo. Só que a velocidade de circulação de bola foi lenta e a ideia de pôr Felix entre-linhas não funcionou de todo, pelo que Ronaldo quase não teve bola, destacando-se apenas num livre directo, em dois remates bloqueados miraculosamente por defesas georgianos e numa tentativa de cabeceamento que António Silva (sempre ele) antecipou e se perdeu sem glória. 

Para o segundo tempo o Palhinha foi poupado a um amarelo, entrando Rúben Neves para apanhar o... amarelo. O resto foi mais do mesmo, com um golo saído dos desenhos animados a condenar definitivamente os portugueses: Diogo Costa colocou a bola num georgiano a fim de evitar um canto, João Neves cortou mas passou curto para António Silva e este chegou mais cedo ao pé de um adversário do que à bola e cometeu penálti. Até ao fim ainda entrou Gonçalo Ramos para o lugar de Ronaldo, mas o problema estava a montante e não a jusante e assim continuou. 

 

Portugal perdeu e bem e agora urge recuperar psicologicamente o jovem António Silva. O melhor do jogo foi a poupança de jogadores nucleares como Rúben Dias, Pepe, Nuno Mendes, Bernardo ou Bruno Fernandes, o pior foi a insistência num sistema táctico que no espaço da Selecção tem muito pouco tempo para ser aprimorado. Claro, o seleccionador poderia ter obviado esse problema recorrendo a jogadores do Sporting (actuais e antigos) que estão perfeitamente identificados com esse sistema e dinâmicas inerentes, mas Pote, Nuno Santos e Trincão não foram convocados, Matheus teve pouco tempo de jogo e isso diz muito sobre a consistência (ou falta dela) das ideias e escolhas do senhor Martinez. Venha então a Eslovénia e com ela uma nova revolução. É a flexibilidade táctica, senhores. Vai mais uma voltinha na montanha russa ??? Atenção que pode ser a última...

 

Tenor "Tudo ao molho...": João Palhinha

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24
Jun24

O melhor Onze


Pedro Azevedo

Estes dois jogos de Portugal no Euro ajudaram a clarificar quem são os jogadores indiscutíveis no nosso Onze e qual o melhor sistema táctico a apresentar. Na baliza e sector defensivo, Diogo Costa, Ruben Dias, Pepe e Nuno Mendes estão de pedra e cal. No miolo, a inclusão de Palhinha trouxe outra consistência defensiva e Bruno Fernandes tem uma dinâmica ofensiva de que a Selecção não pode abdicar. Na frente, Ronaldo e Bernardo não têm discussão. Pelo que há 3 lugares de titular em aberto, um por cada zona do terreno: lateral direito, "oito" e interior/extremo esquerdo. Cancelo é um lateral de forte propensão ofensiva, mas defensivamente comete erros de principiante, arriscando o desarme a meio do nosso meio-campo quando o mais prudente seria fazer contenção, ou estando frequentemente mal posicionado para o momento da perda de bola. Tanto Dalot como Nelson Semedo dão mais garantias defensivas, mas o senão é o défice no balanço atacante. Ponderando os prós e contras, Semedo talvez seja a solução mais equilibrada. No meio-campo, Vitinha tem vindo a ser a solução. Curiosamente, a sua influência parece ser maior no 3-4-3, sistema que não provou, do que no 4-3-3, que foi experimentado com sucesso e se ajusta melhor às características da maior parte dos jogadores. O problema de ter Vitinha no 4-3-3 é que ele se imiscui muitas vezes no início da construção, retirando margem a Palhinha na condução de bola. Ora, se há aspecto em que Palhinha cresceu bastante foi no passe raso entre-linhas. Porém, com Vitinha não temos 3 linhas no meio campo, a equipa joga mais em 4-2-3-1 do que num efectivo 4-3-3, o que torna a ligação com Bruno Fernandes mais difícil e arriscada, exactamente por ausência de um "middle man". Não está em causa a valia individual de Vitinha, mas, a meu ver, João Neves ou Matheus têm as características ideais para serem o elo de ligação entre Palhinha e Bruno, até pelo contraste que apresentam face a estes dois. Na frente, para mim, Jota é indiscutível. Não há ninguém tão equilibrado a atacar e defender, nem quem defina tão bem como o jogador do Liverpool. Leão traz repentismo mas define quase sempre mal e Félix vem mais para dentro, o que exige maior profundidade ao lateral (será mais jogador para o 3-4-3). 

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