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A Poesia do Drible

"Um pouco mais de sol - eu era brasa, Um pouco mais de azul - eu era além. Para atingir, faltou-me um golpe d'asa... Se ao menos eu permanecesse aquém..." - excerto de "Quasi", de Mário de Sá Carneiro

"Um pouco mais de sol - eu era brasa, Um pouco mais de azul - eu era além. Para atingir, faltou-me um golpe d'asa... Se ao menos eu permanecesse aquém..." - excerto de "Quasi", de Mário de Sá Carneiro

A Poesia do Drible

01
Set24

Tudo ao molho e fé em Gyokeres

São Gyokeres contra o Dragão


Pedro Azevedo

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A percepção muitas vezes não corresponde à realidade. Umas vezes porque está errada, outras porque a própria realidade está prestes a mudar (e a percepção só reage após o facto consumado): na antecâmara do jogo, o Sporting ia defrontar um treinador invicto de um clube da cidade invicta, uma espécie assim de invicto ao quadrado, que de sinergias se espera um efeito multiplicativo e não só a soma das partes - Essa era a realidade. Depois, entrava a percepção: a de que o Porto seria imbatível, que "Não há duas sem três" e os últimos 2 jogos haviam pendido por sortilégio para eles, o último de forma particularmente insólita e, pensava-se, traumatizante. Tal alimentava a lenda, o mito do dragão. Só que a essa percepção faltou um elemento: São Gyokeres. Igualmente lenda, no caso da mitologia leonina, este Gyokeres não veio da Capadócia e logo demonstrou não ser súbdito romano pela forma como desmontou um adversário com nome de imperador (Otávio). Mas foi ele que primeiro apontou a lança ao pescoço do dragão e depois matou as suas aspirações, criando assim uma nova realidade. 

 

O Porto começou forte, confiante no seu tiki-taka a meio campo, seguro da sua superioridade numérica nessa zona nevrálgica do campo. Mas depois o Sporting foi apertando as marcações, reduzindo os espaços, enlaçando o Porto num torniquete que só estrategicamente em alguns momentos se aliviava. Morita comandou essa revolta leonina, bem secundado pelo estratega militar de Ruben Amorim, o Pedro Gonçalves, o popular Pote, um mártir ou Santo Contestável (às mãos de Roberto Martinez), um rapaz proveniente da República do Alto Tâmega e recém-naturalizado (desde Sexta-feira) português. Com o decorrer do tempo, contida a aventureira epopeia portista, os dois, com o imprescindível apoio de Gyokeres, foram também encontrando os espaços no ataque e criando oportunidades para os colegas. Trincão, o jogador que para ser compreendido não dispensa a consulta do almanaque Borda d'Água, desperdiçou a sementeira e nada colheu. E fomos para o intervalo empatados, num jogo de futebol que bastas vezes imitou outros desportos: houve jogadas em cabines telefónicas que replicaram o futsal e a placagem de Varela sobre Trincão teve resquícios de rugby, vela (Trincão ia à bolina quando levou com a retranca portista) e bowling (no fim, três pinos no chão). 

O Gyokeres ameaçou no início do segundo tempo: o argentino Varela negou-lhe o golo em cima da cal que divide o sucesso do inêxito. O sueco voltaria à carga num lance em tudo idêntico ao duelo com Otamendi da época transacta: Otávio não se conteve, quis igualmente adivinhar a charada antes do tempo, falhou e ficou de fora. A emenda subsequente foi pior que o soneto: penalty, cartão amarelo e 1-0 para o Sporting. [O Gyokeres parece que voa baixinho sempre que perto de si há um(a) OTA.]

 

A partir daí o Porto só poderia voltar ao jogo através de uma bola perdida na área ou cabeceamento mortal. Consciente disso, o Vitor Bruno ainda lançou o Fran Navarro e o gigante Samu, mas a defesa de anti-aérea dos leões mostrou-se impenetrável à medida que o jogo caminhava para o fim. Com o tempo a escoar-se, espaços nas costas portistas apareceram com mais frequência. Bola então para o Geny bolinar a partir da direita e rematar com a canhota: o Diogo Costa lançou-se, esticou-se, cresceu em envergadura mas não o suficiente para parar o que não tinha defesa. O Estádio quase veio abaixo, a vitória seria nossa e já nada a poderia impedir. Agora será tempo de seleções. Entretanto, a liderança (do campeonato) assenta-nos muito bem, real e percepcionadamente. 

Tenor "Tudo ao molho...": Gyokeres (o "Vitór")

04
Ago24

Tudo ao molho e fé em Gyokeres

Morte em “Veneza”


Pedro Azevedo

Há quem diga que Aveiro é a Veneza portuguesa. Se assim é, talvez até haja um Casanova à solta na terra dos moliceiros. A haver, desconhecer-se-á a sua identidade e paradeiro, mas ontem chegou a parecer tratar-se de Gyokeres e estar nesse "Elefante Branco" (construído de propósito para o Euro 2004), tal a facilidade com que na primeira parte ajudou a abanar o véu da noiva. Mas tudo não passou de uma ilusão porque o Casanova não deixava para terceiros aquilo que era da sua competência e o Gyokeres desperdiçou duas claras oportunidades de abanar ele próprio o véu da noiva. Ilusão foi também pensar-se que o enredo do jogo já estava escrito após o 3-0. O problema foi Ruben Amorim ter desenvolvido uma estranha obsessão pela permanência do intranquilo Debast em campo que permitiu o volte-vace no marcador. E do argumento de Casanova passámos para o Thomas Mann e o seu Morte em Veneza. 

Esta coisa de ser Sportinguista tem muito que se lhe diga. Envolve uma dose cavalar de Lexotan e um desfibrilador sempre à mão de semear. Não admira assim que este Sportinguista não tenha embandeirado em arco mesmo com 3 golos à maior. É isso, em cada Sportinguista há um cinico, um ser desconfiado, um Abraracourcix sempre à espera que o céu lhe caia em cima da cabeça. Eu sei, seria altamente improvável e nada racional pensar-se que um dia o céu nos cairia em cima da cabeça. Mas os dinossauros pensaram o mesmo e um dia levaram com um meteoro na província de Yucatán que se assemelhou a uma explosão nuclear e conduziu à sua extinção, abalo semelhante ao que ontem foi psicologicamente sentido em Aveiro e em todos os lares onde há um Sportinguista. A boa notícia é que não nos extinguiremos nunca, daremos a volta - não, não me falem em "remontadas", senão não dormirei de noite - apoiados em meninos como o jovem Quenda que na sua estreia oficial marcou à Jordão. Leões rampantes são assim, ficam sempre de pé, ainda que uma e outra vez pequem pela esmerada arte de perdoar, indo do 80 para o 8, da potencial goleada à derrota, reanimando moribundos e dando moral ao novo Porto de Villas-Boas e de Vítor Bruno por falta de algo que há 30 anos o grande Bobby Robson - ainda assim, não tão grande que se tivesse salvado de um despedimento aéreo que mais pareceu saído de um sketch do Aeroplano, com o Leslie Nielsen (também tinha o cabelo branco) como protagonista - definiu em duas palavras anglo-saxãs: killer instinct. 

Tenor "Tudo ao molho...": Gyokeres. Menções honrosas: Quaresma, Quenda e Pote.  

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26
Mai24

Tudo ao molho e fé em Gyokeres

O sobe e desce do Elevador de St Juste


Pedro Azevedo

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(Pela sombra projectada por guarda-redes e bola, parece-me golo.)

 

Potemkin, Trincone e Santorini estão em campo. Potemkin beija a bola, marca um canto a que St Juste corresponde com uma cabeçada indefensável para Diogo Costa ! Na Tribuna, pálido e com os olhos embaciados, Bob lamenta a sua sorte: infelizmente, o ucraniano, o italiano e o grego têm em comum não serem elegíveis para a nossa Selecção, e Martinez sente-o com uma grande desolação. Ao seu lado, Fernando Gomes pocura animá-lo, consolá-lo de tanto azar, mostrando-lhe o outro lado, o copo meio-cheio, a oportunidade de com Chico Conceição internacionalizar o arraial tuga ou com Pedro Neto promover o nosso Serviço Nacional de Saúde, para não falar do efeito positivo para a nossa balança comercial (e orgulho luso) de exportação de um agora beduíno, recém-naturalizado, de faca permanentemente nos dentes, como contraposição aos nómadas digitais que anualmente de mansinho invadem o nosso país e nos encarecem o custo de vida. Bob parece ganhar de novo cor, ao visualizar o seu papel nessa exótica mostra europeia. Sedento de partilhar essa visão, logo se apressa a ligar ao Horta. 

 

Enquanto isso, no relvado, Potemkin lidera a rebelião Sportinguista contra os czares que dominam o futebol português. Mas o Porto começa a pôr a bola nas costas dos centrais do Sporting e Geny, com os apoios trocados, amortece-a em forma de assistência para Evanilson. Pouco depois, St Juste, que marcara um golo inesperado, falha onde não é expectável: é ultrapassado em velocidade por Galeno e depois abalroa-o à entrada da área. O árbitro ainda dá penalty, depois revertido pelo VAR, mas o holandês não se livra da expulsão e o Sporting de ficar a jogar com 10. Quaresma, que deveria ter sido titular e acabou por ser o melhor dos nossos, entra, mas sai Morita (o único capaz de dar à substituição uma expressão de olhos em bico) e não um interior e com isso o Sporting entrega o jogo ao Porto. 

 

O que se segue são vagas constantes de ataque do Porto que só Quaresma e/ou Diogo Pinto vão conseguindo repelir. O jogo, de sentido único, vai para prolongamento. O Porto nada consegue fazer do lado direito da nossa defesa, mérito indiscutível de Quaresma, mas no flanco oposto Chico Conceição cria sucessivo perigo. Até que chega mais uma previsível bola nas costas do nosso lado esquerdo e Diogo Pinto primeiro hesita e quando sai da baliza abalroa Evanilson. Penalty e 2-1. Até ao final o Sporting ainda esboça uma reacção que fica à porta da rulote onde o VAR bebe a essa hora umas bejecas, pelo que o resultado não sofre alteração. 

 

Vitória justa do Porto, hoje claramente a melhor equipa, com José Pedro como o melhor homem em campo em virtude de ter secado Gyokeres. E assim a dobradinha não veio para Alvalade, o que em matéria de culinária nos põe em inferioridade com um Porto sobejamente conhecido pelas tripas e um Benfica que há muito se alimenta da mão de vaca (quando não de Vata). 

 

Enquanto os portistas já festejam nas imediações do Jamor, Bob abandona o estádio. Não evita porém uma última paragem no seu gabinete na sede da Federação, antes do regresso a casa. Com nostalgia contempla a sua secretária de trabalho. As viagens pelo mundo haviam-lhe trazido mais olheiras do que propriamente actividade de olheiro. O cansaço inerente a um jogo a cada 3 meses deixara-o exausto. O que vale é que para arrepio de algum esgotamento já tinha a convocatória para o Euro pronta mesmo antes de aceitar o cargo de seleccionador em Portugal. Era então chegado o tempo de tirar umas férias. Consulta o mapa e escolhe. Destino: Alemanha. Liga o piloto automático, que é como quem diz, ao Cristiano Ronaldo e ao Bruno Fernandes, e marca a viagem. 

 

Boas Férias (de bola) !!!

 

Tenor "Tudo ao molho...": Eduardo Quaresma (por uma milha de diferença)


28
Abr24

Tudo ao molho e fé em Gyokeres

Once upon a time in the West Ham


Pedro Azevedo

Com a vitória sobre o... Vitória, o Sporting ficou muito perto do título de campeão nacional. A instabilidade anterior à entrada de Amorim em Alvalade pareceu longínqua no tempo e definitivamente erradicada, com os resultados tinha chegado a famosa tranquilidade com sotaquezinho espanhol (língua do nosso grande capitão Coates) que no passado, entre outros méritos,  até normalizara o risco ao meio do Paulo Bento. Até que aconteceu segunda-feira, não um dia a seguir a Domingo semelhante a outros 51 que ocorrem durante 1 ano, mas aquele em que Rúben Amorim apanhou um avião (o avião criou imediato desassossego, se tivesse sido visto em Tires a andar de bicicleta ou trotinete saberíamos que não iria longe). A caminho de Londres. Para ir tratar de presuntos, na zona oeste da capital inglesa. Confesso que não entendi o empolamento. Quer dizer, já todos conhecíamos a ambição europeia de Amorim, mas o meu receio foi que ele se tivesse metido num vôo para Estrasburgo, à boleia de ser cabeça de lista da AD para o parlamento europeu. Porque o mandato é de 5 anos. Mas não, felizmente não, tal como o Montenegro, eu confundi alhos com Bugalhos: o Amorim só tinha ido a Londres. E sobre o assunto não adianta serrar mais presunto (há um campeonato para vencer). Ainda se fosse um Pata Negra talvez valesse a pena, mas assim...

 

Bom, mas isso foi na segunda-feira, hoje o Sporting jogava no Dragão (Oeste por faroeste, antes o último, ainda por explorar). Pelo que lá fomos nós à procura do Henry Fonda e de outros mauzões, só que o Fonda já havia sido mandado para casa por uma multidão em repúdio através de um escrutínio popular. Como o Mau estava de fora, tomou-lhe o lugar o Vilão-Boas (mas isso é um outro filme). Não tivemos Bronson, o que (não) foi uma gaita, mas Cardinal(e) não estava na linha, o que deu para evitar distrações. Assim, ninguém ficou de beiço caído... Sem Bronson, o herói foi Gyokeres. Amorim ainda deu 60 minutos de avanço ao Porto, facto de que agora deverá estar arrependido. Foi um erro, uma asneira, ter Inácio fora de posição e uma ala esquerda coxa, assim como a ida de Diomande (desastrado) a jogo. Só que Gyokeres foi para dentro de campo, Quaresma também, Nuno Santos entrou à hora de jogo, todas as peças finalmente encaixaram e o Sporting melhorou imediatamente. Até lá, valeram Hjulmand e Coates, que evitaram o naufrágio e deram fôlego a Amorim para corrigir aquilo que estava errado. 

 

O jogo e a semana resumem-se numa frase/interrogação de William Blake: "Como saberes o que é suficiente, se não souberes o que é demais?". Amorim pisou o risco, teve uma dose dupla de aprendizagem e crê-se que tenha compreendido a lição. Ora, lição rima com campeão. E Portimão, cidade do próximo clube que nos visita. É para ganhar, claro, qual a dúvida? Somos o Sporting, logo a Oeste nada de novo...

 

Tenor "Tudo ao molho...": Viktor Gyokeres

 

P.S. Força, meu capitão! As melhoras, Manuel Fernandes, e que no Marquês celebremos também a sua recuperação. 

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20
Dez23

Chicos-espertos


Pedro Azevedo

Eu, se fosse portista, não teria o descaramento de questionar a arbitragem do último Clássico. Por uma questão de honestidade intelectual, vis-a-vis as circunstâncias em que dois golos foram anulados ao Sporting e a entrada de Varela sobre Geny foi punida apenas com um amarelo (já nem falo da cotovelada de Taremi no Inácio). Porém, Miguel Sousa Tavares consegue questionar a expulsão de Pepe, afirmando que o central portista só quis "sacudir" Matheus Reis e argumentando que o lateral Sportinguista escapou impune e foi o prevaricador. Sobre isto tenho a dizer 3 coisas: em primeiro lugar, se o árbitro tivesse agido correctamente e em tempo real, Matheus Reis teria visto o cartão amarelo e Pepe sido expulso. Como se teve de recorrer ao VAR, Matheus Reis escapou ileso porque eventuais acções sujeitas a amostragem de cartão amarelo não fazem parte do Protocolo da vídeo-arbitragem; segundo, Pepe tem a mão aberta quando é empurrado por Matheus Reis, cerrando depois o punho no momento da colisão, pelo que sacudir foi o que Matheus fez, Pepe simplesmente esmurrou; finalmente, não gosto do tipo de chico-espertices preconizadas por jogadores como Matheus, cujo objectivo visa a reacção do adversário e consequente infração disciplinar. Porém, eu vi com os meus olhos ao vivo nas Antas os jogadores do Sporting serem agredidos e no final o santo do Juskowiak, o Peixe e o Vujacic é que foram expulsos, terminando o Sporting com 8 sob a complacência do árbitro Carlos Valente e dizendo assim adeus ao título (93/94). E recordo igualmente muito bem o que ocorreu em 2001/02, em nova visita às Antas, quando a Paulo Bento (58 minutos), o Pedro Barbosa (75 min.) e o Jardel (84 min.) foram expulsos, conseguindo ainda assim o Sporting um empate (2-2) a jogar com menos 3. Uma vergonha! Arbitrou o senhor Martins dos Santos, o mesmo que em 2013 foi condenado a ano e meio de prisão (com pena suspensa) por tráfico de influências visando a não descida de divisão do São Pedro da Cova. 

 

Estratégico ou não, estou em crer que o silêncio de Rúben Amorim sobre a arbitragem retira a desculpabilização e aumenta a exigência ao plantel do Sporting, contribuindo adicionalmente para que se promova e se discuta essencialmente o jogo e não os árbitros. É, como tal, uma atitude duplamente positiva. Mas não sejamos ingénuos: como a natureza tem horror ao vazio, logo a chico-espertice leva a que esse espaço de abordagem à arbitragem seja preenchido. Nesse sentido, Sérgio Conceição, ainda que o pudor não o tenha deixado ir mais longe, disse qualquer coisa sobre um fora de jogo (quando houve outro, assinalado a Gyokeres, em que o jogador estava no nosso meio campo) e Miguel Sousa Tavares logo extravasou para o caso de Pepe. Pelo que mais uns dias e umas intervenções e ainda chegaremos à conclusão que o Porto foi alvo de um roubo de igreja em Alvalade, passando essa versão à história. É este tipo de coisas que me chateia em Portugal, país onde não se é incentivado a ter uma postura correcta e decente porque é-se logo comido de cebolada. Por chicos-espertos, que inteligência é coisa bem diferente e essa não só não é valorizada como não existe em barda neste país. Talvez por isso vivamos da espuma dos dias, do momento e dos truques, e nos falte visão de longo prazo que traga efectiva prosperidade a todos. 

19
Dez23

Tudo ao molho e fé em Deus

Ciclone Gyokeres contra as altas pressões


Pedro Azevedo

Das histórias de quadradinhos do Walt Disney vêm-nos à memória vários personagens. Uns mais recorrentes no almanaque, como o Tio Patinhas, o Mickey, o Donald ou mesmo o Pateta, outros mais raros. Entre estes últimos destaco o Grilo Falante. Este falava frequentemente ao ouvido do Pinóquio, dando-lhe conselhos sábios e constituindo-se como a voz da sua consciência. Transferindo dos quadradinhos para o universo do futebol profissional, o Grilo Falante seria o VAR ideal de qualquer árbitro. O problema é que no nosso futebol há muitos Pinóquios - já o dizia o Pimenta Machado a propósito do que hoje é verdade, amanhã poder ser mentira - e poucos Grilos Falantes, abundando porém os Metralhas. Vem isto a propósito do Clássico de ontem, porque não é natural comentar um jogo contra o Porto em que o nosso maior adversário residiu no auricular instalado no ouvido do Nuno Almeida. A botar faladura, o Tiago Martins: aquando do seu anúncio, disseram-nos que o VAR era para ser usado em lances de flagrante delito do árbitro e seus auxiliares. Tomámos boa nota. O que ninguém nos preparou foi para um anti-ciclone Gyokeres a operar a partir da Cidade do Futebol, uma flor de estufa muito sensível a correntes de ar. Como resultado da acção desse centro de alta pressão (sobre o árbitro), foram anulados dois golos ao Sporting e os ânimos aqueceram na proporção das nuvens cinzentas que se desanuviaram sobre o Porto. No primeiro, o Quaresma veio da direita à esquerda para cortar um ataque perigoso do Porto. Embalado, tabelou com o Morita e foi apanhar a bola à frente. Enquanto o João Mário se contorcia no chão com dores de cotovelo, o Quaresma sacou do GPS e direccionou um cruzamento perfeito para o Gyokeres, que de cabeça disparou um míssil que passou por cima do Diogo Costa antes que este pudesse sequer ajeitar o cabelo para a fotografia. A anulação do golo foi um crime de lesa-futebol. No segundo, o Bragança chegou primeiro à bola - há uma imagem de uma câmara de frente que mostra o portista que o tenta desarmar ainda com o pé no ar - e tocou para o Paulinho, que marcou. O auxiliar anulou por fora de jogo que o VAR posteriormente viu não existir. Os portistas alegaram ter havido falta do Paulinho, que o VAR também viu não existir. Criou-se assim um impasse: consultadas as leis do jogo, a utilização do pé esquerdo não constituía infração por si só para anulação de um golo. A chuteira estava calçada, outro contratempo. Continuação do impasse. Até que o inefável Martins recorreu ao Telescópio James Webb para vislumbrar uma alegada falta do Daniel. O curioso é que o jogador que alegadamente sofreu a falta não protestou, ao contrário dos colegas que se dividiram entre um sem número de alegações cujo único propósito visava evitar a goleada.  

 

Não sei se o Sporting teve melhor organização colectiva do que o Porto, o que é claro é que os nossos jogadores ganharam os duelos individuais mais importantes. Nesse particular, o Gyokeres e o Quaresma destacaram-se: de tanto encostar o Pepe às cordas, o Gyokeres levou-o à exaustão física e mental, erosão que terá estado na origem de ter confundido o relvado com um ringue de boxe e concomitante expulsão por agressão a soco. E o Quaresma colou o cromo do Galeno numa caderneta e fechou-a, não o deixando sair de lá e tendo ainda tempo para uma jogada à Baresi ou à Beckenbauer, conforme a Vossa preferência. No golo, o Gyokeres choca contra o Pepe, ganha o ressalto com o peito e surpreende o Diogo Costa ao chutar para o primeiro poste. (Quem quer comparar este golo com o sofrido por nós em Guimarães engana-se, porque o jogador vimaranense conduz pela esquerda do seu ataque com o pé canhoto e tem pouquíssimo ângulo, enquanto o Gyokeres vem da esquerda, tem a bola no seu pé direito e assim o ângulo aberto.) O Sérgio Conceição logo alegou ter havido mão do sueco. Mas podia também ter alegado maus tratos a idosos e requerido a presença de uma assistente social no local para registar o facto, que ainda que fosse possível motivo para interditar o nosso lar de Alvalade não seria alibi para anular o golo. A cena repetiu-se aquando da anulação do segundo golo a Gyokeres: o árbitro não viu razão para infração e até advertiu por simulação o portista caído no chão. Mas logo se armou a tenda do circo, não faltando o anão da praxe e o médico que troca o juramento de Hipócrates pela hipocrisia de utilizar o seu estatuto para falar ao ouvido do bandeirinha: um outro tipo de Grilos Falantes. Após o intervalo, o Pepe foi expulso. O árbitro, de frente para o lance, não viu a agressão ao Matheus Reis. Chamado ao VAR, Nuno Almeida demorou um tempo infinito a constatar o óbvio ululante. Cheguei a pensar se não estaria a ser equacionado que o Matheus Reis teria agredido com a sua boca o punho cerrado do Pepe, mas o facto de as comunicações entre VAR e árbitro não serem divulgadas em tempo real inibiu o seu cabal esclarecimento (e um momento potencialmente humorístico). Após consulta exaustiva da Carta Universal dos Direitos do Homem, o direito à segurança pessoal (artigo 3º) prevaleceu sobre a presunção de inocência (artigo 11º) e Nuno Almeida mandou finalmente o Pepe ir tomar banho. No chão, Matheus Reis jorrava sangue... Com menos 1 em campo, os portistas concederam mais espaços ao Sporting. O Geny encontrou o Gyokeres com uma pista para acelerar e este não se fez rogado, oferecendo no fim o golo ao Pote. A celebração que se seguiu foi de baile de máscaras, como se o Pote tivesse reconhecido que o golo era todo construção do sueco e fosse necessário disfarçar a enorme superioridade leonina. Depois o Gyokeres voltou a isolar-se e a tocar novamente para o Pote, mas desta vez o Diogo Costa conseguiu defender. Novo vendaval sueco se seguiria, com o golo a ser novamente anulado como descrito acima. Pelo meio, uma cotovelada de Taremi a Inácio ou um pontapé deliberado de Varela a Catamo escaparam somente com o amarelo. 

 

No fim do jogo lá apareceram o Faustino e o Duarte Gomes na televisão. Afinal foi tudo normal: os golos anulados, a cotovelada do Taremi ao Inácio, o pontapé do Varela ao Catamo e o tempo que o Nuno Almeida demorou para tomar a decisão de expulsar o Pepe. É sempre pungente ver como funciona o corporativismo em Portugal. Em resumo, a arbitragem foi excelente, nós todos é que precisamos de ir urgentemente à Multiópticas. Como aliás já foi a Dª Dolores, a mãe do nosso Cristiano Ronaldo, que, Sportinguista orgulhosa, foi vista a festejar euforicamente a nossa grande vitória. Grande Dª Dolores! Do jogo fica ainda uma lição da matemática: como marcar 4 golos e só ganhar por 2 de diferença, sabendo-se que o adversário não marcou qualquer golo. É que a matemática é uma ciência exacta, excepto quando a bola rola em Portugal e se subtrai a verdade desportiva. Estamos na frente!

 

Tenor "Tudo ao molho...": Gyokeres. Grande jogo do Eduardo Quaresma e exibições acima da média do Hjulmand, do Diomande e do Inácio. 

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13
Dez23

Entre as brumas da memória

O Ponta de Lança José Matos


Pedro Azevedo

A propósito de golos resultantes de aparições sebastiânicas (Guimarães), na iminência da recepção aos portistas trago aqui uma recordação sob a forma de tesourinho deprimente (com direito a vídeo no YouTube e tudo): entre brumas ou nevoeiros, uma visita ao purgatório e o inferno de (Alder) Dante ali tão perto, no dia 18 de Outubro de 1975 o Sporting deslocou-se às Antas e venceu o Futebol Clube do Porto por 3-2. O Porto tinha acabado de ir buscar Alhinho e Dinis a Alvalade, situação que aqueceu os ânimos entre os clubes. Branko Stankovic estava no banco dos dragões, o imortal Júlio Cernadas Pereira (Juca) era o treinador do Sporting. Chico Faria (9 minutos), Manuel Fernandes (em época de estreia, aos 15 minutos) e Baltasar (aos 74) marcaram para nós, Murça (19) fez o golo legal do Porto. O outro (57 minutos), que momentaneamente empatou a partida, validado e atribuído a Fernando Gomes, foi efectivamente concretizado por um apanha-bolas (José Matos) que sorrateiramente, a coberto do intenso nevoeiro que se fazia sentir, introduziu a bola dentro das redes de Vítor Damas sem que o árbitro da partida vislumbrasse a infração. Pese esta vicissitude, o Sporting venceu a adversidade e saiu do Porto com uma vitória. (A história para ter vida precisa de ser contada.)

11
Dez23

A liderança em aberto para 4


Pedro Azevedo

Na próxima jornada do Campeonato, a 14ª da competição, os quatro primeiros classificados jogam entre si, com o Sporting a receber o Porto e o Braga como anfitrião do Benfica. A novidade é que, dada a proximidade pontual entre os 4 clubes, qualquer um deles poderá ascender à liderança no fim da jornada, o que diz bem acerca do equilíbrio que neste momento existe entre os contendores, com o Braga nas últimas jornadas a recuperar inúmeros pontos à concorrência. Podendo o Sporting ganhar, empatar ou perder com o Porto e o Benfica ganhar, empatar ou perder com o Braga, em termos estatísticos teremos 9 cenários possíveis em cima da mesa. Probabilisticamente, o Sporting será o clube que terá mais hipóteses de chegar ao fim da jornada em primeiro lugar, tendo 4 conjugações de resultados a seu favor. Segue-se o Porto, que só se ganhar será o primeiro colocado, indiferentemente de o Benfica ganhar. empatar ou perder em Braga (3 conjugações). O Benfica tem uma única possibilidade de passar à frente, caso Sporting e Porto empatem o seu jogo. A novidade é o Braga poder ascender à liderança. Tal acontecerá num único cenário, se vencer o Benfica e Sporting e Porto empatarem. Nesse caso, os minhotos ficarão empatados com Sporting e Porto na liderança, tendo no entanto melhor diferença de golos (como Braga e Porto só jogarão na última jornada da primeira volta, não considero aqui os resultados registados entre os três). No caso particular do Sporting, ganhando liderará sempre. No caso de empatar, o segundo lugar será o pior cenário. Se porventura perder, ficará sempre em terceiro. Antevê-se assim uma jornada plena de emoção e riquíssima do ponto de vista matemático como se poderá verificar pelo quadro infra:

classificação 14.png

Quem ficará por cima no fim das hostilidades? "Faites vos jeux (rien ne va plus)"!

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