Tudo ao molho e fé em Gyokeres
O Príncipe Conte, de Maquiavel
Pedro Azevedo

Sobre o Reino de Nápoles já dizia o Maquiavel ser difícil de manter quando conquistado por uma potência estrangeira. Referia-se o filósofo e historiador ao Reino de Aragão. Muitos anos mais tarde, já com Nápoles integrado na Itália concebida por Garibaldi, um cidadão natural de Buenos Aires (Diego Armando Maradona) tomou de assalto a cidade e a região, ao ponto de ter posto os napolitanos a torcer pela Argentina contra a Itália durante o Mundial de 90. Idolatrado como mais ninguém no sul de Itália, Maradona a todos conquistou. Mas caiu, arrastando na sua queda o próprio clube, que só se reergueu com outro estrangeiro (Kvaratskhelia), um amontoado improvável de consoantes proveniente da ainda mais improvável Geórgia. De novo a cidade se uniu em torno do seu herói, que certamente não por acaso logo ganhou o apodo de Kvaradona. Mas o georgiano foi atraído para a galáxia do PSG e esperava-se um novo vazio. Até que chegou Conte, e com ele finalmente um italiano tornou-se figura maior no clube e na cidade, conquistando o Scudetto (Spalletti já o havia conseguido, mas a estrela era Kvaratskhelia) e provando a teoria (muito polémica, mas enfim...) de Maquiavel de que um "rei" temido (Conte é conhecido por ser explosivo) é sempre preferível a um rei amado, porque este último acabará sempre por ser traído (Maradona e a história do doping) e o primeiro estará defendido pelo medo que inspira.
Depois de Maradona e de Kvaradona, o Sporting, sem uma primadona (ou uma prima dona, que o clube ainda é dos seus sócios), foi hoje tentar conquistar Nápoles. Com Simões no onze, finalmente, como há tanto reclamávamos, mas sem Pote e Trincão em simultâneo, o que sempre se desaconselhará. E com Geny na esquerda, o equivalente futebolístico à imagem de um peixe fora de água (mas Rui Borges insiste, insiste...). Apesar da ausência de Suarez e da "omniausência" de desequilíbrios ofensivos por parte de Fresneda, os Leões mostraram uma dinâmica e um equilíbrio nas suas acções que falam por si só sobre o excelente trabalho táctico que Rui Borges vem desenvolvendo. Todavia, dois erros básicos conduziram à derrota do Sporting. O primeiro, na sequência de uma perda de bola de Simões à entrada da área dos italianos, jogada que o nosso jovem podia depois ter matado à nascença, o que Quaresma posteriormente pelo menos tentou, ainda que não tenha conseguido fazer uma falta. O segundo, ao permitir que, num canto curto, o Nápoles ganhasse superioridade de 3 contra 2 e o homem livre fosse logo um super craque como o De Bruijne, que teve tempo para pensar na sua sucessão e lavrar o testamento onde ficou explícito que o Sporting não herdaria quaisquer pontos nesta jornada europeia. Mas pelo meio viram-se muitas coisas boas. Por exemplo, embora a ausência de Diomande se tenha feito notar, ainda mais num momento em que Inácio parece ter caído num buraco meio fundo, o Quaresma aguentou-se muito bem no duelo físico com o Hojlund, um rapaz para o qual o Amorim não viu serventia e a quem Conte prontamente chamou um figo (agora que tem Lukaku, o homem capaz de abanar uma figueira inteira, lesionado). Outro que se destacou, mostrando grande personalidade, foi o Simões, que recuperou do erro e enfrentou com coragem e alta rotação a batalha a meio campo (o que faz sonhar com qual teria sido o seu rendimento, se previamente lhe tivessem sido dados mais minutos). E depois foi possível confirmar que Ioannidis vai ser de grande utilidade, não só ganhando duelos aéreos como também explorando a profundidade com a sua potência, que, como sabemos da física, é força x velocidade. Sem esquecer Alisson, que voltou a surpreender com tomadas de decisão muito boas a este nível superlativo de competição. Pelo que marcámos um golo (Suarez, após penalty cometido sobre Maxi) e ficámos a dever outros dois à contabilidade, um desperdiçado por Pote (que rendeu um até relativamente inspirado Trincão, ao intervalo) e outro superiormente defendido por Milinkovic-Savic (cabeceamento de Hjulmand).
Concluindo, ainda não foi desta (segunda tentativa) que conquistámos Nápoles ou tomámos as suas ameias (a meias dividimos o jogo), mas ganhámos seguramente 4 jogadores (Quaresma, Simões, Alisson e Ioannidis) para as longas batalhas que teremos pela frente, doméstica e internacionalmente, mostrando à saciedade que temos plantel em qualidade e quantidade para qualquer desafio. E agora dirijo-me ao Leitor/Comentador: eu prefiro uma derrota assim, que me abre as portas dos castelos que queremos conquistar no futuro (troféus), do que uma vitória à Pirro, um rei grego (Épiro) que um dia se aventurou por Itália e ganhou no presente com perdas que o futuro mostraria serem irreparáveis. (Como um dia disse Maquiavel, e qualquer médico o confirmará, as doenças são para se tratarem no seu princípio, e a rotatividade em qualidade será essencial para prevenir uma onda de lesões semelhante à que quase nos comprometia os objectivos na época anterior.)
Tenor "Tudo ao molho...": Maxi Araújo (de novo!)

