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A Poesia do Drible

"Um pouco mais de sol - eu era brasa, Um pouco mais de azul - eu era além. Para atingir, faltou-me um golpe d'asa... Se ao menos eu permanecesse aquém..." - excerto de "Quasi", de Mário de Sá Carneiro

"Um pouco mais de sol - eu era brasa, Um pouco mais de azul - eu era além. Para atingir, faltou-me um golpe d'asa... Se ao menos eu permanecesse aquém..." - excerto de "Quasi", de Mário de Sá Carneiro

A Poesia do Drible

14
Mar24

Tudo ao molho e fé em Deus

Extraído o apêndice


Pedro Azevedo

Caro Leitor, a boa notícia que emerge da noite é que estamos quase-quase a concentrar-nos exclusivamente no campeonato nacional. Assim, o apêndice da Liga Europa já foi cortado ontem a fim de evitar uma peritriunfite (inflamação generalizada de vitorias) e as amígdalas da Taça não deverão resistir ao bisturi da Luz, pelo que Ruben Amorim poderá por fim cumprir o seu sonho de só ter de pensar na bicha solitária da Liga. É isso(!), se com o Mourinho aprendemos o que é a periodização táctica, agora com o Amorim percebemos o conceito de priorização tácita. Graças a este brilhante pensamento, o Sporting continuará a posicionar-se num bloco médio baixo no que à tabela periódica (para nós, uma constante) dos clubes europeus mais significativos diz respeito, vendo-se assim obrigado todos os anos a vender os seus melhores jogadores, enquanto os seus rivais com melhor ranking continuarão a ganhar valores milionários pela simples presença no Mundial de clubes. Não se preocupe porém o Leitor, porque para o ano há mais. Isto é, para a época que vem podemos continuar a fingir que ligamos à Europa. Sugiro até que antes dos jogos europeus se troque "O Mundo sabe que..." pelo irónico "Portugal na CEE", dos GNR, e o símbolo do leão por um pedregulho (de Sísifo), só para que não nos esqueçamos que lidamos com a Europa com o mesmo empenho que os nossos governantes tiveram o trabalho de lidar com as nossas agricultura e pescas no passado. 

 

Geralmente, depois de um jogo perdido, quem treine o Sporting vê-se na necessidade de conceder a derrota. Mas ontem não, foi a vitória de Ruben Amorim e da priorização tácita. E dos adeptos que ficam em êxtase quando veem o Sporting libertar-se de competições, o que leva à interrogação se nos querem sequer ver nesses certames. Será que podemos não nos inscrever? É proibido desistir a meio, se a coisa estiver a dar muito trabalho? A quem nos podemos queixar em caso de bullying? A ideia de fundo que estes entusiastas da derrota passam é que o plantel é curto para tanta competição. Nesse caso, um burro pensaria que a solução seria aumentar o plantel. Felizmente, temos inteligências raras em Alvalade que privilegiam planteis curtos para ser mais fácil gerir o balneário. Assim, ficamos com um balneário são... e zero títulos, Como na época passada, o que cumpre mais ou menos com o último lema conhecido do fundador, encontrado aqui há dias na etiqueta de um velho frasco de lixívia numa escavação ali ao pé do Lumiar: "Tão bons como os melhores balneários da Europa". Parabéns então ao Amorim por esta retumbante vitória. Com uma especial dedicatória ao Edwards e ao Paulinho, que tudo fizeram para  que este... êxito se confirmasse. (O St Juste ficou ligado aos 2 golos do adversário.)


É tal o desprezo que damos à Europa que nem se percebe o ênfase em sermos conhecidos internacionalmente como Sporting Clube de Portugal. Eu acho que até disfarçava se nos chamassem Sporting de Lisboa. Ou só Sporting, que podia ser confundido com o de Gijón (Astúrias) ou de Charleroi (Bélgica). Assim, como está, é que não, é impossível escondermo-nos. Sessenta anos após Alexandre Baptista (que recentemente nos deixou) e outros briosos leões terem trazido para Portugal a Taça dos Vencedores das Taças. Ultrapassando a Atalanta pelo meio (desta vez. quatro tentativas não foram suficientes para conseguirmos uma vitória). 

Tenor "Tudo ao molho...": Gyokeres. Ele e Hjulmand estão a anos-luz de todos os outros no poder físico e qualidade e constância da decisão. Menção honrosa para Franco Israel. Os restantes largaram a letargia a partir dos 10 minutos finais, o que significa que perderam 80 minutos num ritmo muito baixo para o padrão europeu. 

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07
Mar24

Tudo ao molho e fé em Deus

A Xerazade que nos acuda


Pedro Azevedo

Em teoria, o Sporting olha para as competições de futebol em que participa como um homem muçulmano para as 4 mulheres com que pode casar. O Islão permite que um homem se case com até 4 mulheres, mediante algumas condições, nada obstando porém a que se case só com uma. Para o Sporting, as "mulheres" também são 4. Chamam-se elas Primeira Liga, Taça de Portugal, Taça da Liga e Liga Europa, o que em teoria configura relações potencialmente polígamas e com forte envolvência de ligas ("comme il faut") entre as competições em que participamos. Porém, na prática, Amorim tem uma ideia diferente e aposta as fichas quase todas na monogamia, consequência da priorização que faz da Primeira Liga (ou será Primeira Dama?). O anúncio surgiu na véspera do jogo com a Atalanta e logo me deixou perante uma questão na cabeça: se a Liga Europa não é prioritária, por que é que o descobrimos agora, após 8 jogos anteriores em que desgastámos os jogadores, quando o número de jogos de que presentemente necessitamos para vencer a competição é menor do que os que disputámos até ao momento? Seria como um homem namorar 8 anos uma mulher e depois, à medida que o casal começa a discutir o casamento, ele descobrir que afinal prioriza outra - porque deveria um muçulmano priorizar uma mulher, podendo ter quatro? Não faz sentido, pois não? Se é para "matar" todas as competições menos a Primeira Liga, por que razão nos inscrevemos nesses certames? É como se Amorim fosse o Rei Shariar e Xerazade a única hipótese de salvação da nossa presença na Europa League. Caso contrário, andaremos sempre nesta coisa de casamentos por conveniência, para que depois cada competição vá sendo eliminada em nome da nossa potencial vitória na Primeira Liga. 

Foi com este pensamento que ontem me sentei em frente do televisor para ver o jogo. Embora também me interessasse ver o dia de campanha eleitoral, o Sporting sempre terá a minha prioridade de agenda não-familiar, ainda que para o Sporting nem todas as competições em que entre sejam uma prioridade. O que me induziu novo pensamento e algumas questões a mim próprio: faz sentido o que é uma prioridade para mim, não priorizar competições onde intervém? Ou seja, devo priorizar quem não prioriza o que me é dado ver, o objecto da minha paixão? O que será o jantar? A resposta às 2 primeiras questões foi sim, que a paixão não se discute ou se subordina à reciprocidade. Quanto à terceira pergunta, ela não teve propriamente resposta imediata. Foi só um momento de associação de sinapses (o Paulinho acabara de inaugurar o marcador), em que a propósito do Islão me lembrei de Maomé e da sua aversão ao porco, assim a modos como uma garantia de que o repasto não seria composto por lombinhos, escalopes ou medalhões, podendo ser essa a suprema ironia de uma priorização pessoal minha em colisão com a priorização que metaforicamente criei para o meu clube. Perceberam? Eu também não (ao Amorim). 

Caro Leitor, a primeira parte também não foi prioritária para o Sporting. Como consequência, levámos 1 golo, duas bolas no ferro e o nosso guarda-redes defendeu três bolas muito difíceis. Estava eu a pensar nisso quando me lembrei que esta crónica acabara de entrar no clássico da geopolítica, na medida em que teria de compatibilizar Israel com a metáfora do homem islamita e não permitir que de algum desconchavo entre personagens surgisse uma Faixa de Gaza para onde os Leitores se refugiassem desta crónica. Regresso assim ao Israel para dizer que uma das suas paradas de ontem só tem comparação na defesa de Banks perante Pelé ou no milagre que Damas fez perante a Inglaterra em plena "catedral" de Wembley (Defesa do Século). É que defender uma bola que nos vai a fugir e, para mais, bate no chão pouco antes da linha de golo, é tarefa só ao alcance de alguns predestinados. Pelo que se o Israel deixar de ter hesitações a sair da baliza, como se fosse um condenado e esse caminho o levasse ao Corredor da Morte, então o que mostra entre os postes e a jogar com os pés é mais do que suficiente para vos dizer que temos homem. Se o afirmo com alegria em relação ao Israel, é com pesar que o comunico em relação ao Gyokeres. É que termos homem não nos basta, nomeadamente quando antes nos convencemos de ter um deus. Só que o sueco ontem mostrou um traço de humanidade. Cansou-se. Esgotou-se. E nós não estávamos habituados (ou estávamos simplesmente mal-habituados). 

No segundo tempo voltámos a não conseguir impor o nosso jogo. Os inúmeros passes perdidos não permitiram que atingíssemos o ritmo certo a que estamos acostumados. O cansaço físico e mental de alguns jogadores limitou as linhas de passe, e sem desmarcações muitas bolas se perderam por falta de opções. Melhorámos porém na contabilidade do ferro, empatando 1-1. E até poderíamos ter ganho o jogo, o que não seria de todo justo, caso Geny tivesse levantado a cabeça e visto Gyokeres liberto ao segundo poste. Mas isso teria sido um cenário das mil e uma noites e, apesar de estarmos em Al Valade, a Xerazade não mora aqui.

Tenor "Tudo ao molho...": Eduardo Quaresma - à direita, à esquerda, a dobrar ao centro, a actuação de Quaresma foi uma parábola das melhores virtudes de cada partido que compõe o nosso espectro político quando se aproxima o tempo de reflexão após renhida campanha eleitoral. 

P.S. Morreu o Alexandre Baptista, nosso central e "magriço" em 66. Por um daqueles sortilégios que a vida nos dá, tive a sorte de um dia coincidir com ele num restaurante em Algés. Falei-lhe do meu pai, que trabalhou na Federação nesse tempo, mostrei-lhe algumas fotografias que tenho no meu telemóvel tiradas nos estágios da Selecção e honrou-me ao vir até à minha mesa. Falámos durante cerca de 1 hora. Pude comprovar o que o meu pai já me havia dito, o Alexandre Baptista era um senhor. E tinha um apurado sentido de humor. Que descanse em paz! 

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23
Fev24

Tudo ao molho e fé em Deus

As pequenas coisas


Pedro Azevedo

Daqui a alguns anos, quando olharmos para o ranking UEFA, não nos vamos lembrar deste empate contra o Young Boys. E, contudo, é à conta de deslizes assim - o Leitor recordar-se-á do Skenderbeu e dos jogos com o LASK... -, e da atitude de alguma indiferença que foi havendo perante a sua acumulação ao longo dos anos, que o Sporting tem poucos pontos na Europa e não participará no próximo Campeonato do Mundo de clubes (2025). Porque, se o diabo está nos detalhes, as pequenas coisas acabam por no fim fazer toda a diferença. Como foi ontem o caso do desacerto na finalização, que nos custou uma vitória mais do que certa. E por goleada. Amorim sentiu-o, muito, quando se apresentou na flash-interview a deitar fumo por dentro, sem necessidade de recorrer a truques circenses. Fez bem em dar esse sinal, porque o Sporting conseguiu o mais difícil, que foi manter um ritmo alto durante todo o tempo, e tinha de ter ganho o jogo. 

 

Entre tantos falhanços à frente da baliza, difícil será destacar qual foi o mais bizarro ou caricato,  desde o pé direito de Edwards que travou o remate de pé esquerdo de... Edwards que se encaminhava para a baliza deserta até ao pontapé desferido por Bragança na pequena área que acertou no único pedaço de baliza coberto pelo guarda-redes suiço, para já não falar do traço de humanidade revelado pelo deus Gyokeres no momento em que falhou uma grande penalidade ou de uma outra perdida clamorosa do Daniel. 

 

Ainda assim houve um golo, um grande golo, marcado por Gyokeres num movimento soberbo em que rodou sobre 2 adversários e rematou de forma indefensável, por alto. No resto do tempo, a boa dinâmica leonina foi alargando os buracos no queijo suiço por onde surgiram as tais grandes oportunidades. Mas na hora de comermos o queijo, a gula demasiada levou a que a sofreguidão se impusesse ao discernimento e acabámos por cear mal e ir dormir com fome, que comer de penálti também não ajuda à correcta ingestão dos alimentos. (Continuamos sob o signo da temporada de 73/74: depois de uns 8-0 ao Casa Pia que evocaram igual resultado contra o Oriental, este jogo fez-me recordar a aziaga recepção ao Magdeburgo.)

 

Seguem-se os Oitavos e de novo a Atalanta. Um reencontro, pois então. E a possibilidade de corrigir velhas falhas para não incorrer em novos erros (Confúcio). Para que no fim a dor de partir não emerja sobre a alegria de um reencontro bem sucedido. A fazer lembrar a igualmente (à de 73/74) épica época de 63/64 (sempre a acabar em 4), em que dois jogos não bastaram para pôr fora do caminho a briosa equipa de Bérgamo no nosso rumo até Antuérpia (finalíssima), cidade onde levantámos por fim o caneco. 

 

Tenor "Tudo ao molho...": Viktor Gyokeres

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16
Fev24

Tudo ao molho e fé em Deus

Sintético a dobrar


Pedro Azevedo

Caro Leitor, isto de ser analítico a comentar o sintético já de si é uma contradição nos termos. Acresce que sintético não foi só o relvado, artificial. Não, sintético foi também o Rúben Amorim na dosagem de esforço dos mais utilizados, gerindo a condição física dos jogadores e simultaneamente a disposição anímica do balneário. Doravante, socorramo-nos então do dobro do sintético para nos aproximarmos de algo que se assemelhe a uma análise, substituindo a relva e o Amorim por Kant e Hegel em busca de uma síntese filosófica que explique o que se passou ontem em Berna.

 

A síntese filosófica é um processo que deriva do simples para o composto, do elemento para o todo, das causas para as consequências, com o objectivo último de defender uma ideia através da argumentação. Como tal, comecemos pelo mais simples, o elemento, o jogador: Coates e Paulinho foram poupados a um piso demolidor para as articulações e ficaram em Lisboa. Trincão, que pegou de estaca e muito tem jogado (e jogado muito, também) desde que o novo ano brotou, e Morita, em acção recente na Taça de Ásia, não iniciaram o jogo por gestão da sua condição física. Se estas foram as causas, tudo isto conjugado deu a oportunidade a Edwards, Bragança, Matheus Reis e, mais tarde, aos estreantes Nel e Koba de jogarem, solidificando a união do balneário, pelo que a única consequência negativa para o todo (a equipa) foi um desempenho menos bom do nosso meio-campo. Tratou-se de um risco, creio que calculado, que o nosso treinador assumiu correr, mas a verdade é que a dupla Bragança-Hjulmand não funcionou, não conseguindo controlar os tempos de jogo e dando demasiado espaço (por vezes, avenidas) aos nossos adversários no miolo do terreno. Então, o que nos valeu? Bom, desde logo a excelente acção dos nossos 3 centrais, em especial de Eduardo Quaresma e de Gonçalo Inácio, que numas vezes deram o corpo ao manifesto e noutras fizeram valer a antecipação para evitarem males maiores. E depois a acção de Edwards e de Gyokeres na frente (Pote esteve muito activo, mas desinspirado na definição), que puserem sempre em sentido as pretensões helvéticas de avançar mais as suas linhas, com o "plus" do sueco ter arrancado desde cedo um cartão amarelo ao seu marcador directo (quando mais tarde ficámos a jogar contra 10, senti-me como um voyeur a espreitar o que é jogar como o Benfica), ele que foi carregado à margem das leis tantas vezes quantas as que ousou transformar a defesa do Young Boys num queijo suíço. [Emmental (que até é de Berna), meu caro Watson.]

 

No fim, gerindo até ao limite (os nossos dois melhores jogadores, Gyokeres e Pote, foram descansar com um quarto de hora mais descontos por cumprir), Amorim venceu a triplicar: o jogo, a condição física dos jogadores e o balneário. Especulou e foi feliz, que o controlo esteve à beira de se descontrolar em momentos como o do "frango" de Adán ou dos golos anulados ao Young Boys e o golo inaugural do jogo foi na realidade um auto-golo. Não que o Sporting não fosse muito superior aos suiços, mas porque Amorim quis ganhar em Berna a pensar em Moreira de Cónegos. Legítimo, evidentemente, mas não necessariamente sinónimo de uma menor ambição europeia, espera-se. Pelo menos a fazer fé no lema do nosso fundador: "TÃO GRANDES COMO OS MAIORES DA EUROPA". 

 

Um dia, num treino do Varzim, o Joaquim Meirim, que tinha tanto de filósofo como de psicólogo e louco, disse a um guarda-redes espanhol que lá treinava, Jose Luis de seu nome, que era o melhor da Europa. Quando este então o inquiriu sobre a razão por que não jogava, Meirim respondeu-lhe que o Benje era o melhor do Mundo. O Sporting pode até ganhar a Liga Europa, mas a condição de melhor equipa da Europa paradoxalmente não lhe garante o título máximo doméstico. Por isso há que fazer pela vida, externa e internamente. E ser objectivo, que é como quem diz, sintético. Serve como análise? (Deu para "dobrar" os suiços.) 

 

Tenor "Tudo ao molho...": Eduardo Quaresma. Edwards, Inácio e Gyokeres estiveram em bom plano. 

P.S. (Sobre o excesso de futebol nas televisões.) À hora a que termino esta crónica está a começar mais um jogo no 11, canal sempre na vanguarda da promoção do futebol exótico. Parece que é em casa (casota?) do São Bernardo. Não ouvi o adversário, mas suspeito que seja o Pastor Alemão. Ou então o Serra da Estrela, o que daria um belo clássico de montanha.

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15
Dez23

Tudo ao molho e fé em Deus

Seguidores de Drucker


Pedro Azevedo

O economista e consultor de gestão Peter Drucker dizia que os resultados são obtidos através da exploração de oportunidades e não pela solução de problemas. E o Sporting levou a sua lição à letra: Trincão foi igual a si próprio, Esgaio idém, mas os leões globalmente fizeram um jogo sério e empenhado e souberam explorar bem a necessidade que o Sturm Graz tinha de ganhar o jogo a fim de se apurar para a Conference League sem ficar tão dependente do resultado do Rakow. 

 

Num jogo aberto, Sporting e Sturm Graz alternaram o domínio durante o primeiro tempo, período onde o equilíbrio foi notório. Curiosamente, quem se desequilibrou foi o árbitro, que caiu, levantou-se e correu com a bota mais à mão até ter de finalmente parar o jogo para se calçar - uma lição para quem acha que não se consegue "descalçar a bota" da arbitragem. Em contra-ciclo, quem nunca fica "descalço" com Gyokeres em campo é o Sporting. Mas já lá vamos... Se logo a abrir o Sporting teve uma oportunidade por Nuno Santos, os austríacos replicaram com uma ocasião ainda mais clara através de um cabeceamento parado por Israel com muita fotogenia. Até que o Matheus Reis tabelou com o Nuno Santos, deixou um defesa com os olhos à Marty Feldman (Mel Brooks) e cruzou exemplarmente para o Gyokeres empurar de pé esquerdo para golo. Grande jogada! Depois, o Gyokeres desarmou um adversário no nosso meio campo e soltou um vendaval até às imediações da área austríaca, passando então ao Paulinho. Este, primeiro, temporizou e depois centrou para o sueco cabecear de forma cruzada, testemunhando o guarda-redes a voar em contra-pé e a bola a esbarrar contra o poste. O suficiente para o Gyokeres, que merecidamente foi descansar para o banco. Para segunda-feira a Protecção Civil anuncia mais vento forte e possibilidade de precipitação... de golos (mas com o Pepe em campo, o "mau tempo" já era garantido).

 

Se na primeira parte o jogo foi repartido, na etapa complementar o Sporting dominou por completo. O recém-entrado Morita contribuiu bastante para isso, na medida em que mostrou uma percentagem de sucesso no seu passe de primeira bem superior à de Hjulmand, o que melhorou a fluência do nosso jogo e nos permitiu ganhar tempo e encontrar espaços por onde ferir os austríacos. Além de que as suas características compatibilizam-se melhor com as de Bragança em jogos em que o adversário não mostra grande intensidade e o Sporting tem mais posse, ambos privilegiando um jogo de passe rápido e desmarcação constantes que foi baralhando as marcações dos austríacos, que nunca encontravam o momento certo de atacar a bola. Quando o meio campo funciona bem, logo aparecem espaços entre-linhas e nas alas e melhor se realçam as virtudes do modelo de jogo em boa hora implementado por Rúben Amorim. Assim também aconteceu ontem, embora a má definição na área nos tenha impedido de alargar a vantagem dessa forma, pelo que os golos acabariam por chegar no seguimento de pontapés de canto, com Inácio, que também só entrou no segundo tempo, a bisar. Pouco mais haverá a destacar, com a excepção da oportunidade concedida ao jovem Essugo de jogar fora da sua posição natural. Um clássico de Rúben Amorim, mas, enfim, também ninguém é perfeito, não é verdade?

 

Para quem já viu uma Valsa em Linz, que mais parecia uma Tragédia Grega, e Ópera Bufa em Viena e Salzburgo, este ensaio geral com a (S)turma de Graz até não correu nada mal. Aproxima-se agora o jogo grande que os Sportinguistas acreditam ser aquele em que a equipa se vai finalmente mostrar à altura do lema do seu fundador, respeitando o adversário mas segura do seu valor. Se jogador por jogador e mesmo colectivamente vejo o Sporting como superior, não se pode descurar o peso que os duelos individuais poderão ter. Principalmente quando as forças começarem a ceder e houver menos compensações. Pelo que na forma como Esgaio (e o Diomande na dobra) lidará com Galeno, ou Edwards conseguirá ou não desequilibrar pelo centro-direita, dependerá muito provavelmente o resultado final do jogo. 

 

Tenor "Tudo ao molho...": Hidemasa Morita. (Matheus Reis merece uma menção especial pela jogada do primeiro golo, Gyokeres teve 1 minuto de sonho que valeu pelo jogo todo e Gonçalo Inácio já leva 3 golos nos últimos 2 jogos.) 

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01
Dez23

Tudo ao molho e fé em Deus

Dar uma parte de avanço e ainda assim ficar à beira da vitória


Pedro Azevedo

Haverá certamente uma razão muito ponderosa para que, volta após volta, o Trincão esteja dentro de campo. Entenda-se a "volta" aqui como literal, na medida em que corresponde ao ciclo comportamental de cada adepto perante as suas exibições. Senão vejamos: no início, o adepto acredita. Ou melhor, quer acreditar, tem a ilusão de ver finalmente o jogador tirar um coelho da cartola. Mas, depois, com o tempo a correr, vai aceitando que é o Trincão, e não o Luis de Matos, e já se contenta com um ovo de codorniz, que um daqueles de Colombo será pedir demais. No fim, espreme-se tudo e o sumo é o equivalente ao de uma laranja seca. Desilusão. Termina o ciclo. E começa um novo, com o coelho, o ovo de codorniz e a laranja seca como parábola da legitimação da razão ponderosa através da ilusão do adepto. O que não acontece, por exemplo, com o Esgaio, sobre o qual não há ilusão, logo ciclo, embora haja uma razão ponderosa qualquer que nenhum cientista da bola ainda conseguiu descortinar para ir constantemente a jogo. Ou com o Adán, de cuja cartola só se espera que não saia um frango. Por que razão então o Trincão suscitará tanta ilusão? Só pode ter a ver com o preço que custou. E com um baixo nível de exigência. (No Sporting, o preço de aquisição de um jogador é proporcional à ilusão que cria, e esta é igualmente proporcional ao tempo de espera que o adepto está disposto a conceder para que a ilusão se concretize, pelo que, em boa verdade, um jogador caro pode andar a prometer sem concretizar desde o momento em que chega até ao momento em que parte, que haverá sempre esperança nele.)

 

O Sporting optou por entrar em campo com 2 laterais sem balanço ofensivo e um jogador (Trincão) sem sentido colectivo do jogo, lento de processos e que esconde lacunas técnicas graves - incapaz de orientar uma recepção, prefere sempre dar uma volta à rotunda mesmo que o trânsito esteja todo aí concentrado - em função de uma muito sobrevalorizada habilidade com a bola. E assim foi amassado na primeira parte, vítima do pressing alto da Atalanta. Novo jogo com os italianos, nova primeira parte perdida, como se nada de essencial tivesse sido aprendido desde o jogo em Alvalade. No meio de tanta inconsequência, Morita e Hjulmand viram-se e desejaram-se para encontrar linhas de passe que não fossem para trás. Contra a asfixia, valeu então Gyokeres como referência, que não só nos permitiu respirar aqui e ali como ainda protagonizou as duas únicas oportunidades de golo que tivemos nesse período do jogo, uma em espectacular jogada a solo, outra após ganhar um choque de titãs com um defensor italiano e isolar Pote. O golo bergamasco resultou de uma má leitura de St Juste, que pôs em jogo o avançado que Diomande quis colocar fora dele (Matheus também não reagiu bem, preferindo esbracejar e pedir fora de jogo). Adán não ficou isento de culpas.

 

O segundo tempo foi diferente, como também já havia ocorrido aquando da recepção aos italianos. Com um lateral direito ofensivo, o Sporting finalmente encontrou espaço nessa ala por onde fazer circular a bola. Acresce que Edwards rendeu Trincão e posicionou-se de uma forma mais central, a fim de servir de referência para o passe dos médios. Logo a Atalanta começou a abrir brechas, mostrando muita dificuldade em impedir as combinações que Edwards ia criando com Geny (na ala) ou Gyokeres (em apoio central ao ponta de lança). E as oportunidades foram surgindo. À segunda, Edwards marcou. E depois Pote teve duas boas oportunidades de adiantar o Sporting no marcador, a última das quais isolado e com tempo para tudo, após brilhante combinação entre Gyokeres e Morita. O japonês, à medida que os italianos iam mostrando sinais de fadiga, pôde então mostrar todo o seu compêndio de passes de primeira de grande qualidade.

 

Muitas pessoas interrogam-se sobre o que sucederá com Pote, que parece ter trocado os passes à baliza (logo, golo) pelos passes ao guarda-redes (logo, dolo), aos dois postes ("pasodoble") ou para fora, um tipo de passe social que não lhe era nada habitual. Se calhar a solução está numas bujardas à baliza. Só para criar a dúvida nos guarda-redes. Para que mais tarde regresse a souplesse, assim a modos como a bonança que vem após a tempestade. 

 

Perdida a oportunidade de ganhar o jogo em Itália, a vitória do Rakow sobre o Sturm Graz qualificou-nos directamente para a fase a eliminar. Só que teremos de cumprir uma eliminatória suplementar (dezasseis-avos-de-final) contra uma equipa proveniente da Champions, o que causará mais erosão na equipa numa altura crucial do nosso campeonato e dificultará a nossa permanência na competição.  

 

Tenor "Tudo ao molho...": Gyokeres. Edwards seria igualmente uma boa opção, mas o sueco trabalhou incansavelmente e esteve na origem de 4 das 6 oportunidades que os leões tiveram no jogo.

 

P.S. A saída de Matheus Nunes nunca foi devidamente colmatada. Ontem, uma vez mais, foi notada a ausência de um médio capaz de quebrar linhas em posse sob pressão. 

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10
Nov23

Tudo ao molho e fé em Deus

O tolerável peso de Talião e a insustentável leveza do lítio


Pedro Azevedo

O Sporting recebeu o Rakow, clube proveniente de Czestochowa. Antes que o Leitor avance que o presumível domicílio do nosso adversário de ontem é a parede do consultório de um oftalmologista onde se projectam aleatoriamente umas letras dispersas, quero informar que Czestochowa é um centro importante de reciclagem de lítio, pelo que seria de supor que os polacos chegariam a Alvalade de baterias carregadas. Não contariam porém que aos 9 minutos funcionasse a Lei de Talião, recebendo o Sporting em troca a compensação da "lesão" ocorrida no jogo de ida: se o Gyokeres havia sido expulso no dealbar do jogo na Polónia, um polaco (Racovitan) deixou a sua equipa a jogar com menos um numa fase prematura do prélio de Lisboa. Como a Lei de Talião está descrita no Antigo Testamento e o Racovitan soa a medicamento do tipo "vais ver o que é bom para a tosse", é caso para dizer que foi remédio santo: o VAR deu o veredicto e o árbitro evitou o "de lítio de opinião" e ratificou a decisão. Como alcavala veio um penalty que o Pote transformou em golo: 1-0 para o Sporting. (Na origem de tudo isto esteve o St Juste, que recuperou a bola e depois sprintou 60 metros à Bolt até ser agarrado perto da meta pelo Racovitan.) 

 

Em superioridade numérica em campo e no marcador, seria de esperar que o Sporting carregasse no acelerador. Mas não, Alvalade começou a lembrar um relvado com vista para a Luz, com os jogadores do Sporting a encanarem a perna à rã (que se sabe ser verde). E assim o jogo arrastou-se até ao intervalo, apenas com uns safanões do Edwards e do Bragança a acordarem-nos momentaneamente da letargia. 

 

O segundo tempo começou com um golo do Paulinho. O estádio vibrou em dia de aniversário do nosso avançado centro. Só que o golo foi anulado, voltando tudo à primeira forma. Pouco depois, o Edwards pegou na bola e tirou um daqueles centros tão venenosos que queimou logo o braço de um polaco. A arbitragem, albanesa, voltou a ser Tirana, mas o VAR viu e recomendou mais um penalty. De novo o Pote avançou. E marcou: 2-0. Então, o objectivo do jogo passou a ser dar um presente ao Paulinho. O rapaz porfiou, porfiou até ser recompensado sob a forma de um... cartão amarelo - que grande 31! Pelo meio já o Sporting havia mudado meia equipa, entrando primeiro o Fresneda, o Matheus e o Hjulmand e depois o Diomande e o jovem Mamede, da nossa Formação. Se o espanhol voltou a passar ao lado do jogo, o dinamarquês destacou-se por aquilo que no rugby se chama o passe para o hospital: cadelas apressadas parem cachorros cegos, por isso talvez o Record pudesse fazer o favor a todos os Sportinguistas de não elevar o Hjulmand até onde Ícaro voou antes de cair no mar Egeu. É que há bajulações que se dispensam, especialmente antes de um derby na Luz onde precisamos de ter toda a gente consciente e concentrada no limite. Se foi pelas substituições ou por distração, a verdade é que o Rakow reduziu na sequência de uma bola parada a meio-campo, fazendo perigar a nossa vitória no jogo. Por isso, os últimos minutos foram de alguma tremideira, com muitas perdas de bola e a possibilidade mais académica do que real dos polacos empatarem a partida. Não aconteceu, para bem da nossa classificação na Liga Europa e moral para a Luz. 

 

Segue-se o Benfica, o clube da simpatia do chefe do governo que agora cai. Que seja um jogo sem casos! (É que o contrário seria um flagrante "de lítio".)

 

Tenor "Tudo ao molho...": Jeremiah St Juste ex-aequo com Daniel Bragança

 

P.S. O Lítio é um metal muito leve e flexível, ultimamente classificado como "petróleo branco".

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27
Out23

Tudo ao molho e fé em Deus

A tendência para a vitimização


Pedro Azevedo

Para um adepto, ver o Sporting na Liga Europa, enquanto os outros jogam para a Champions, é penoso. Para piorar o cenário, a fase de grupos da competição arrasta-se sem grande interesse, com muitas equipas do terceiro escalão europeu metidas nos potes 3 e 4, pelo que tem de se aguardar pela chegada da fase a eliminar para haver um pingo de entusiasmo. Porém, para um clube que no seu palmarés ostenta apenas uma taça europeia - Taça dos Vencedores das Taças -, a Liga Europa tem de ser encarada como uma oportunidade de começar a construir um prestígio europeu capaz de potenciar a marca Sporting. Deve haver por isso a ambição de a vencer, o que raramente encontra correspondência na forma bastas vezes equívoca como o clube comunica para o exterior as suas intenções na prova. Deste modo, parafraseando o poeta O'Neill, a Liga Europa é encarada como uma coisa em forma de assim. Ou de assim-assim, nesse meio caminho ficando nós quase sempre a meio de caminho nenhum, nem apostando forte na competição, nem poupando claramente os jogadores para o campeonato nacional. 

 

Dentro desse lote terceiro-mundista do futebol europeu, ontem calhou-nos o Rakow, um clube sem grande história no próprio futebol polaco mas com o presente de ser o campeão em título, aliás o único campeonato conquistado no seu palmarés. A nossa missão não se afigurava assim de grande grau de dificuldade, esparando-se nada menos do que uma vitória, com maior ou menor transpiração. Como base de sustentação disso, olhando para o Transfermarket - sempre tão chamado à colação quando enfrentamos emblemas de cotação superior -, o plantel do Rakow apresentava na antecâmara do jogo um valor de mercado de 38,65M€ contra os 280,30M€ da equipa do Sporting. Só que a mentalidade do clube desde meados dos anos 80 não ajuda e, quando as incidências do jogo não nos beneficiam, a tentação para vestirmos o papel de vítima impõe-se à heroicidade requerida para contornarmos os problemas. Um dia são os árbitros, outro o relvado, num outro dia uma expulsão, tudo serve de desculpa para o insucesso e está de tal maneira enraizado que se repercute no baixo nível de exigência. Ontem voltou a acontecer. 

 

Ainda não estavam decorridos 8 minutos de jogo e já Gyokeres era expulso. No actual contexto, perder o sueco não é só perder um jogador, é perder "O Jogador". Porque Gyokeres vem mostrando um andamento e atitude competitiva muito superior aos demais, o que levanta a sebastiânica esperança de que tal um dia possa vir a contagiar o resto da equipa de uma forma positiva. Pelo menos, seria bom que tal acontecesse. Mas o Gyokeres, que nos habituou a ser leal nos confrontos com os seus adversários, nunca ripostando às cargas à margem das leis que em todos os jogos sofre de uma forma corriqueira, calculou mal o tempo de entrada a uma bola protegida pelo seu adversário e foi negligente. Expulsão justa pelas actuais regras, embora não tenha havido intenção dolosa de aleijar o jogador polaco. Um contacto letal para a sobrevivência de Gyokeres no jogo, ou do outro lado não estivesse um Arsenic (coisas que a tabela... periódica explica). Com menos um, inicialmente o Sporting até reagiu bem: marcou 1 golo, teve 2 boas oportunidades por intermédio de Pote e conseguiu circular a bola durante bastante tempo. Só que depois as pilhas esgotaram-se demasiado cedo, que a componente física da equipa já de há uns tempos para cá não parece grande coisa e é sempre escondida com aquele paleio de treinador que em futebolês significa "controlo do jogo" e no fundo traduz-se em pouca exigência e incapacidade de manter ritmos altos - já dizia o Bobby Robson há 30 anos que ao Sporting faltava "killer Instinct" -, e depois a atitude dos jogadores e treinador também não foi a melhor, permitindo-se que a equipa baixasse demasiado o bloco, como se do outro lado em vez do Rakow Czestochowa estivesse o Bayern de Munique. Veio o golo do empate. E por pouco não acabou em derrota. 

 

A ideia que ficou foi a de que estivemos em Rakow com um olho no Bessa. Ou mesmo dois, que aquela segunda parte indescritível a deixar correr o marfim (com o Nuno Santos a entrar aos 89 minutos) assim o fez crer. Ainda assim, houve muitos jogadores abaixo dos mínimos olímpicos, com particular destaque para os alas, que defenderam mal e atacaram pior, com Esgaio inexistente ofensivamente e na origem do contra-ataque polaco que empatou a partida e Matheus incapaz de acertar um cruzamento ou de ler que o seu adversário directo era esquerdino e como tal invariavelmente iria puxar para dentro para centrar, algo que aconteceu com iminente perigo um ror de vezes. De resto, Paulinho foi uma nulidade (não há como pôr de outra maneira), o nosso meio-campo esgotou-se, salvando-se o nosso trio de centrais, claramente o mais sólido e consistente sector da equipa.   

 

Agora é ganhar no Bessa, a fim de justificar minimamente o desinvestimento feito neste jogo da Liga Europa. Bessa onde teremos de novo Gyokeres, esperando-se que a imprudência de hoje não ajude a criar uma imagem do sueco, nada consonante com a sua personalidade e carácter, capaz de o pôr na mira dos árbitros portugueses. Porque Gyokeres é, hoje por hoje, o nosso melhor jogador, e o jogo de ontem provou ser imprescindível quando é necessário sacudir a pressão do adversário e impor-lhe respeito. 

 

Tenor "Tudo ao molho...": Coates

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05
Out23

Tudo ao molho e fé em Deus

Amorimtro(i)ka e o Muro de Bérgamo


Pedro Azevedo

A Selecção do Brasil nunca foi conhecida pela sua fisicalidade, chegou até a ter craques (Garrincha) que dificilmente seriam dados como aptos em termos médicos nos dias de hoje, mas mesmo num tempo em que a protecção aos jogadores não era a que existe actualmente venceu 3 Mundiais em 4 edições. Porque se tens bola e a sabes esconder do adversário, pouco importa a envergadura do teu oponente (ou a grande envergadura do teu oponente até pode jogar a teu favor, se tiveres um centro de gravidade baixo). Pensei nisso hoje ao ver o Sporting embater constantemente contra um muro que veio de Bérgamo durante a primeira parte. Um jogo que não foi bem preparado estrategicamente, na medida em que, se os italianos defendem homem a homem, então são necessários jogadores com talento e capazes de segurar a bola e de partir para o 1x1. Só que esses jogadores, à excepção de Gyokeres, estavam no banco e quando entraram já perdíamos por 2 golos de diferença. 

 

Na primeira parte notou-se algo que já não é a primeira vez que aqui aponto: Hjulmand não antecipa os lances como um "6", limita-se a cobrir o espaço que muitas vezes não é sequer aquele de que a equipa necessita que seja ocupado, mas sim o que o adversário lhe induz. Conclusão: passou o tempo a cheirar a bola. Além disso, em posse, foi incapaz de decidir rápido, para o que também contribuiu alguns problemas na recepção, tendo sido absolutamente cilindrado pelo meio-campo da Atalanta. Com Paulinho e Pote a não conseguirem segurar a bola, entre maus passes e perdas em duelos directos, a Atalanta esteva sempre a partir para cima da nossa defesa, valendo as intervenções de Gonçalo Inácio (principalmente) e de Diomande para que o resultado não se avolumasse. O jovem internacional luso aliás destacou-se também em inúmeros passes entre-linhas que Pote (essencialmente) foi desaproveitando. 

 

As entradas de Geny e de Edwards (a Amorimtroika ficou completa com Coates) mexeram com o jogo. Finalmente tivemos alguém capaz de partir para cima do adversário directo e superá-lo. Como os italianos marcavam 1x1, qualquer ultrapassagem a essa marcação criava uma situação de desequilíbrio a nosso favor. Elementar, não é? Esse desgaste a que passaram a estar submetidos, associado ao esforço despendido no primeiro tempo, encostou os bergamascos às cordas, valendo então o mau aproveitamento de Edwards e o azar de Geny em dois lances que podiam ter restabelecido a igualdade ao marcador. Antes, Gyokeres já havia reduzido em mais uma conversão imaculada de uma grande penalidade. Houve assim uma janela de oportunidade que se abriu, mas infelizmente fechou-se a partir do momento (últimos 10 minutos) em que a nossa equipa deu o estouro fisicamente, que uma coisa é ser franzino e isso notar-se no choque, outra é não ter pedalada ("endurance") para aguentar ritmos altos durante os 90 minutos. 

 

Deste jogo ficam em síntese 6 notas: 1) Geny Catamo parece bem mais promissor como interior do que como ala; 2) Coates ainda faz falta à equipa, com a sua serenidade, experiência e voz de comando; 3) Precisamos de um médio repressivo, capaz de impôr a sua presença num raio de acção relativamente alargado; 4) À segunda queda que o árbitro não sancionou, Edwards começou a ficar de pé. Necessitamos de uma cultura de jogo que revolucione a mentalidades dos jogadores e aumente o seu nível de exigencia; 5) No momento em que era preciso pôr a carne toda no assador entraram Esgaio e Bragança (os jovens Rodrigo Ribeiro e Tiago Ferreira ou estão preparados ou então não faz sentido que estejam no banco); 6) O Sporting continua a falhar na abordagem de diversos jogos europeus, o que revela mau planeamento e falta de ambição. Hoje parece que nos preocupámos mais com os equilíbrios do que em desequilibrar a Atalanta.

 

Boa arbitragem no geral, mas Tolói devia ter visto um segundo amarelo na parte final do jogo (agarrão a Gyokeres). O Muro? Abanou, mas não caiu.

 

Tenor "Tudo ao molho...": Geny Catamo

 

PS: Tendo em conta que precisamos de rendimento imediato, já entenderam porque defendi aqui Zanoli como primeira opção para lateral/ala direito?

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05
Out23

Sistemas iguais, dinâmicas diferentes


Pedro Azevedo

Hoje há jogo no José Alvalade a contar para a Liga Europa. O Sporting, de Rúben Amorim, defronta a Atalanta, de Gian Piero Gasperini, uma equipa de autor que tem no seu treinador o precursor de um sistema (3-4-3) que actualmente é moda um pouco por toda a Europa e também no Sporting. Mas, se os sistemas são iguais, as dinâmicas são completamente diferentes. (Um dia perguntaram a Alfio Basile, antigo seleccionador argentino e único homem que liderou tanto Maradona como Messi, o que achava do sistema de jogo. A resposta foi lapidar: "Eu coloco sempre bem as minhas equipas em campo, o problema é que quando o jogo começa os jogadores movem-se".) Se Amorim foi buscar inspiração primeiro a Klopp (jogo de vertigem) e depois complementou com o que bebeu em Guardiola (mais posse e menos transições), Gasperini desenvolveu um sistema muito próprio com diversas nuances (por exemplo, um dos centrais sai com bola e frequentemente incorpora-se no ataque e defensivamente cada jogador procura o homem e não o espaço) em que a constante rotação entre jogadores remete para a dinâmica imaginada por Michels (e Jany van der Veen) no Ajax e na Laranja Mecânica (mas sem um maestro no campo como Cruijff para a executar). Olhando jogador a jogador, o Sporting terá uma pequena vantagem teórica, mas eu não me fiaria muito nisso. Até porque a grande qualidade de jogo imposta por Gasperini tem esbatido diferenças ainda maiores na Serie A italiana. Veremos então o que irá acontecer, porque do plano estratégico que Amorim montará para este jogo dependerá muito a capacidade leonina de anular (ou não) as virtudes do mecanizado jogo dos italianos. 

 

Sporting e Atalanta já se encontraram no passado nas competições europeias e com resultados diametralmente opostos. Para Vos falar sobre isso escolhi não recorrer a cábulas (Google) e explorar apenas o que guardo em memória, pelo que peço desde já desculpa por alguma incorrecção que adiante subvalorizarei em detrimento da autenticidade. Por um lado, há razões para ver como bom presságio o desafio com o clube de Bérgamo - na campanha gloriosa de 63/64, que nos levou a vencer a Taça dos Vencedores das Taças, o Sporting ultrapassou a Atalanta na primeira eliminatória. Não foi fácil, tendo inclusivé havido necessidade de um terceiro jogo para desempatar, mas o Sporting seguiu em frente para de seguida eliminar os cipriotas do Apoel Nicósia, os ingleses do Manchester United, os franceses do Olympique Lyon (novamente em 3 jogos) e, na final, os húngaros do MTK Budapeste (em dois jogos, que o parto foi sofrido até ao fim) - , por outro há a registar uma eliminação europeia face à Atalanta do gigante Stromberg, o sueco que venceu a Taça UEFA com o IFK Gotemburgo e no ano seguinte foi finalista da mesma competição com o Benfica, sempre com Sven-Goran Eriksson como denominador comum. 

 

Com dois jogos para disputarem entre si na fase de grupos da Liga Europa, o histórico entre Sporting e Atalanta pode ser desempatado ou não, mas o que norteará ambos os emblemas será a passagem à fase seguinte da competição, de preferência em primeiro lugar (evitando assim uma eliminatória complicada com um adversário proveniente da Champions). Nesse sentido, quem ganhe amanhã ficará em boa posição para vencer o grupo, pelo que não serão de esperar muitas alterações nos Onzes de ambos os clubes. Melhor assim, esperando eu que no final vença o Sporting. 

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