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A Poesia do Drible

"Um pouco mais de sol - eu era brasa, Um pouco mais de azul - eu era além. Para atingir, faltou-me um golpe d'asa... Se ao menos eu permanecesse aquém..." - excerto de "Quasi", de Mário de Sá Carneiro

"Um pouco mais de sol - eu era brasa, Um pouco mais de azul - eu era além. Para atingir, faltou-me um golpe d'asa... Se ao menos eu permanecesse aquém..." - excerto de "Quasi", de Mário de Sá Carneiro

A Poesia do Drible

03
Fev25

Tudo ao molho e fé em Gyokeres

Das circunferências do Trincão saiu o raio do Fresnove


Pedro Azevedo

Os movimentos circulares de Trincão e a estreia de um novo ponta de lança adquirido no Mercado de Inverno marcaram o jogo de ontem em Alvalade. Além de presidentes de Câmara, ninguém acompanha Trincão no gosto por rotundas. É como se nesse movimento, geralmente descrito no sentido dos ponteiros de relógio, como tal em contra-mão pelo código da estrada português, o Trincão alegoricamente nos explicasse a sua existência: muitas voltas de 360 graus para sempre regressar ao ponto de partida. Verdade porém seja dita que esse aparente castigo de Sísifo esconde um propósito evidente: evitar que a equipa se parta e o nosso jogo se resuma a transições, se desorganize. E assim o Trincão (e o jogo) justifica-se, da mesmíssima forma que um interlúdio publicitário cria as condições e prepara para o programa que veremos a seguir. Mas a novidade do dia foi o Fresnove, um ponta de lança ou segundo avançado recém-contratado. Não, não se trata de um lateral direito goleador porque para isso lhe faltariam duas premissas: ser um (bom) lateral e marcar dessa posição. Como o Diogo Travassos, que já foi nosso, fez ontem ao Benfica (já agora, alguém explique ao guardião do Estrela que guarda-redes é título metafórico, que o propósito é mesmo defender o risco de baliza e não encostar às redes como se nesse acto protegesse a virtude). Não, o Fresnove é um avançado centro. Não lhe peçam por isso para defender ou atacar bem pelo flanco, que essa não é de todo a sua especialidade, mas a aparecer solto na área pode ser letal.

 

Caro Leitor, a crónica já vai em andamento, mas preciso voltar atrás para deixar uma palavra de apreço para com o trabalho do nosso técnico. Eu gosto muito do Rui Borges, como admiro todos aqueles que transformam problemas em soluções. No caso particular, conseguindo fazer passar por entre os pingos da chuva uma Unidade de Performance que mantém Pote há 3 meses no estaleiro e um Director Desportivo aparentemente em part-time e que acaba de contratar para o nosso elenco um jogador de um clube do Grupo City por uma verba recorde para esse clube (Bahia), o que convenhamos não abona muito bem sobre a política de prevenção de conflito de interesses existente(?) no Sporting. Mas a tudo isto Rui Borges vai sobrevivendo, levando o barco a bom porto. Ou bom Porto, como se espera na próxima sexta-feira. 

 

De quem eu gostei muito ontem, e avanço já que elegi como "melhor em campo", foi do João Simões. Por uma simples razão: eu não me recordo de um jogador que tenha dado um salto tão quântico de produção após meia-dúzia de jogos como o João. Ainda mais entrando numa fase difícil, com a equipa pouco estabilizada na sequência do trauma da saída de Amorim e concomitante convulsão de lesões (a Torre do tombo onde, sobranceira, habita a Unidade de Performance, que Rui Borges relativiza ao ressuscitar o velho lema de António Oliveira, de "por cada leão que cair, outro se levantará"). Impressionante a forma segura, mas trépida, como leva a bola para a frente em movimento perpendicular, bem como as suas desmarcações na ala esquerda que abrem linhas de passe à equipa e agitam o jogo, dão-lhe uma dinâmica que combate a pastelice procrastinadora do passe para trás e para o lado. E, na ausência de Gyokeres, devo realçar o Harder, que deu o peito às balas, o que aqui deve ser encarado como literal e metaforicamente correcto, ou não tivesse ele amortecido e encaminhado para a baliza com o tronco um tiro de canhão de Matheus Reis que assim adquiriu a bonita semântica de uma assistência. 

 

Seguimos em (na) frente!

 

"O Homem é o Homem e as suas circunstâncias", sentenciou Ortega Y Gasset. Até aparecer Rui Borges, que, em vez de se adaptar às circunstâncias, faz as circunstâncias adaptarem-se a si, naquele jeito transmontano de quem faz das fraquezas forças, agradece ter trabalho ("inherent problems come with the territory") e ainda tem tempo (ou não fosse ele um "Jack of all trades") para ir com toda a naturalidade a Mirandela comer uma alheira e ver jogar o clube da terra. Sem dramas, nem stress. 

 

Tenor "Tudo ao molho...": João Simões

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25
Ago24

Tudo ao molho e fé em Gyokeres

Entre o neo-realismo de Gyokeres e o existencialismo de Edwards


Pedro Azevedo

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Por motivos logísticos, essencialmente relacionados com a capacidade de armazenamento de golos, o Farense trocou o acanhado São Luís, em Faro, pelo mais amplo Estádio do Algarve, em Loulé. E o que se pode dizer é que as previsões farenses bateram certo porque Gyokeres e companhia só por uma ocasião (auto-golo) deixaram os seus créditos por mãos alheias (no caso, uma cabeça). 

Cedo a vertigem de passe e repasse Sportinguista, em progressão constante, deixou os algarvios almareados. E foi com esse enjoo que viram Gyokeres, uma e outra e ainda outra vez, abanar as redes de Ricardo Velho, que por acaso até é jovem, qual espécie de Plínio dois-em-um, ou não tivesse ele revelado a sabedoria para ser eleito o melhor guarda-redes da Primeira Liga da temporada 2023/24 ou sido suficientemente crítico da extravagância a ponto de evitar que os números finais tivessem de ser representados em potência de base igual a 2 e expoente igual a 3. 


Como em qualquer bolo bem confecionado, faltava a cereja no topo. Eis então que surgiu Edwards, O Existencialista. E lá pegou na bola a meio campo, naquele seu estilo sisudo, de quem se questiona sobre de onde veio e para onde vai, o que faz aqui, e nesse jeito vai procurando respostas pelo caminho. No fundo, alguém que no seu existencialismo se opõe a um Camus, que escolheu a solidão de dois paus e de uma barra para melhor chegar a conclusões (foi guarda-redes de uma equipa argelina). Bom, a verdade é que o Edwards deve ter encontrado respostas e com isso formulado uma tese. E como, para seu conforto, do lado dos algarvios não apareceu nenhum discípulo de Hegel capaz de apresentar uma antítese, foi andando e tirando adversários do caminho até marcar o golo. Uma jogada Maradoniana na sua forma, à qual não faltou conceptualmente a mão de Deus que despertou Edwards da sua letargia e lhe iluminou o caminho. 

3 jogos, 3 vitórias, 14 golos marcados e finalmente uma "clean sheet ", haveria melhor maneira de com confiança preparar o Clássico que aí vem? 

Tenor "Tudo ao molho...": Gyokeres. Menções honrosas para Morita, o maestro, e Quaresma, um outrora obscuro subsecretário de estado que se propõe para Ministro da Defesa. 

04
Mar24

Tudo ao molho e fé em Deus

Um Domingo qualquer


Pedro Azevedo

Se há clube a quem o José Mota vende cara a derrota é o Sporting. Confesso que demorei anos a perceber a razão porque sistematicamente nos fazia a vida negra em Paços - o Rafael, que connosco pintava sempre a manta e curiosamente só teve sucesso por lá, ainda hoje me provoca suores frios -, mas um dia prestei atenção ao boné com que se apresentava em conferências de imprensa e fez-se-me luz, estava lá escarrapachada a resposta: a JCA Electrodomésticos deu-lhe de patrocínio uma varinha mágica. Só pode... No Leixões, substituiu o boné pela pinta de Beto (nosso antigo guarda-redes) e assim, fingindo-se um de nós, veio ganhar-nos a Alvalade. Em Setúbal já não foi Beto, mas sim Diego (o pai do Callai), o guardião. Resultado: perdemos de novo. E no Aves brindou-nos com uma versão sua de um romance do Camilo: o (J)amor de Perdição. Em troca, guardou a Taça para si. 

 

Com antecedentes assim, a que se podem somar as muitas dificuldades sentidas pela nossa equipa na primeira volta em Faro, é natural que eu tivesse pensado entrar para o jogo de ontem com um pé atrás. Quarenta e cinco minutos depois, enquanto ainda esperava pelo reboque que me levaria a viatura para a oficina, concluí que afinal entraria mesmo com os dois pés atrás(ados). Menos mal, o Flashscore dizia que estávamos a ganhar por 2-1... Sorri e fui à boleia ver o resto do jogo. A vantagem de certas contrariedades na nossa vida é que nos permitem relativizar as coisas. Por isso não sofri demasiado quando o Farense empatou ou o Paulinho entrou, embora este último seja a razão pela qual eu tenho uma fixação por mesas pé de galo, através das quais contacto com antepassados Sportinguistas que me falam do Peyroteo, do Vasques, do Martins, do Figueiredo ou do Yazalde. Ou contactava, porque agora o Gyokeres tira-me a ansiedade. [Sendo de Barcelos, aposto que o Paulinho sabe o que é um(a) pé (esquerdo) de galo.]

 

Na minha teoria da relatividade da bola, não era preciso ser um Einstein para perceber que a massa do Esgaio se deslocava a uma velocidade que estava nos antípodas do quadrado da luz, o que como é óbvio transmitia uma energia muito abaixo do esperado, que não atraía o resto da equipa nem os nossos adeptos. Eis senão quando ele recebeu um passe do Edwards, avançou e deu de bandeja para o Pote, no que foi o golo da vitória. Dando razão a Auguste Comte quando dizia: "Na vida tudo é relativo, e esse é o único valor absoluto". E assim, aquele que muitas vezes ficou aquém, ontem foi além. Transcendeu-se. 


Se o jogo com o Farense já me tinha deixado intranquilo, o final de Domingo confirmou o mau momento de forma do nosso Sporting. O canário na mina do carvão que nos deu esse sinal foi o Benfica, que, apenas 3 dias após ter perdido connosco pela margem mínima, levou uma lição de mão-cheia no Dragão. Nada disto ocorreu por acaso, não se deixam acasos ao acaso numa instituição que move tantos apoios nos corredores do poder e suscita o interesse de tantos filantropos. Não, o intuito do Benfica foi desmoralizar-nos, dar-nos a entender que somos uns fracotes. Minando-nos por dentro, fazendo-nos dúvidar do nosso potencial. Para depois largarem a pele de cordeiro e mostrarem as garras de águia. Então o lateral esquerdo será lateral esquerdo e não central, o ponta de lança será ponta de lança e não ala e o Herr Schmidt será um treinador e não um tipo de investidor que deixa 40 milhões parados no banco. É claro que o "mastermind" disto tudo é o "regista" Rui Costa, um homem do Renascimento, ou não tivesse ele passado longos anos em Florença e outros tantos com o Vieira, este último um período de que não se lembra quase nada (o que já em si é como nascer de novo para a vida). Agora finalmente sem o homem dos pneus, não obstante não deixar de querer um Good Year. (Não lhe chamem pneumático, que o homem deixa logo de ser fleumático.) 

 

E é neste tom carregado, caro Leitor, que me preparo para terminar esta crónica. Porque esta coisa de ir à frente faz sempre um Sportinguista desconfiar. Sim, um Sportinguista tem medo de ser feliz, assumamos. E depois apanha-se com um ponto, que podem ser quatro, à frente, vê o Adán com a capoeira fechada e começa a achar que isto não pode ser real. Belisca-se, debate-se com a realidade nua e crua. Pelo que para reduzir a ansiedade eu pedia já para antecipar a ida ao Dragão para a próxima jornada. Para irmos jogar para o zero a zero, com humildade. Ou então para perdermos por menos de 5. Só assim conseguiremos desenvencilhar-nos da armadilha em que o Benfica nos meteu e fazê-los provar do seu próprio veneno. Uma e outra e uma outra vez. Até que o ninho da águia abane e de lá caia um ovo em quem se possa totalmente confiar como parceiro deste peculiar negócio chamado futebol português. Sporting!!!

Tenor "Tudo ao molho...": Pote

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03
Nov23

Tudo ao molho e fé em Deus

Gyokeres a Gyokeres


Pedro Azevedo

O Postiga aterrou em Londres para jogar no Tottenham e cinco segundos depois já os media britânicos, sempre rápidos a carregar no gatilho do trocadilho inteligente, o baptizavam como "The Postman" (O Carteiro). Acontece que muito provavelmente o Postiga, que era uma espécie de Paulinho aditivado da época, não conhecia bem as ruas inglesas, razão pela qual a esmagadora maioria das cartas nunca chegou ao seu destino. Ou, então, terá sido por não pressionar suficientemente a campainha e assim ninguém se mostrar disponível para abrir-lhe a porta, já que também em Inglaterra é vox-populi que o carteiro toca sempre duas vezes. Em sentido inverso, a Portugal chegou o Gyokeres. Vinha da segunda divisão inglesa e muitos o olharam com desconfiança. Ninguém se atreveu a chamar-lhe carteiro. Diziam-no, isso sim, móvel, mas desses suecos já havia em stock no IKEA, o que pela lei da oferta e da procura para alguns o desvalorizava face ao preço de compra. Mais do mesmo, pensaram. Entretanto, o Gyokeres começou a trabalhar. Logo na estreia, tocou duas vezes aos vizelenses. Repetiu a dose em Faro. E ontem, de novo aos farenses, chegou até a tocar três vezes. Conclusão: nem o correio azul, que tem carteiros espanhóis, brasileiros e um persa que de tão mergulhador até é capaz de entregar correspondência em submarinos, despacha tão rápido como este verde. Sempre com selo... de golo.  Para o classificar, o melhor é recorrer a Jose Régio: Gyokeres é "um vendaval que se soltou, um átomo a mais que se animou, uma onda que se (a)levantou". Um cântico negro para os adversários, uma boa onda para todos os Sportinguistas. 

 

Se o Gyokeres já é mais carteiro do que o Postiga, o polivalente Gonçalo Inácio ainda não é tão Kaiser quanto o Franz Beckenbauer. Mas para lá caminha. Para já é o Stones do mister Rúben Amorim, o que para quem viu o recente derby de Manchester não pode deixar de soar a elogio. Outro que também se disse ter custado caro foi o Diomande, mas eu nunca acreditei. É que, já se sabe, Diomande's are forever, o que muito ajudará a amortizar o seu custo. Além disso, é rápido, bom na marcação e pelo ar, tem sentido posicional, sai a jogar como um médio. E depois nem se percebe se é destro ou canhoto, que a bola dos seus pés sai sempre redondinha. Faz lembrar o Marcel Desailly. O jogo serviu também para reconciliar Trincão com os adeptos. A magia empregue no nosso primeiro golo justificou por si só o preço do bilhete. Será ele capaz de manter a consistência no alto nível? Quem regressou aos golos foi o Nuno Santos. Aqui produziram-se dois paradoxos: porque o Nuno marcou de pé direito, mas também na medida em que andamos a ouvir desde miúdos que o seguro morreu de velho para depois vermos o Velho a dar uma franganada nada segura. 

 

Cada adepto do Sporting tem dentro de si um Abraracourcix, sempre com medo que o Céu lhe caia em cima da cabeça. Nesse transe, há sempre dramas no cotidiano leonino. O desta semana era a perspectiva de o Gyokeres estar afectado pelo cartão vermelho observado na Polónia. Como justificação, o ter ficado em branco no Bessa. Ora, eu nunca me revi nisso, primeiro porque me pareceu que o apagamento do sueco no xadrez boavisteiro se havia devido à estratégia de Amorim para esse jogo, depois porque estavam a fazer do Gyokeres uma florzinha de estufa, cheia de estados de alma à portuguesa, quando ele é um guerreiro de Odin que irá sempre perseguir a glória terrena em busca da consagração em Valhala. De forma que tomem lá um hat-trick, e fim de conversa de lamechice. Temos muito que aprender com este sueco, e seria bom que toda a equipa se deixasse contagiar pelo frenesim constante que ele traz ao(s) jogo(s), mostrando sempre respeito pelo jogo, lealdade com o adversário e solidariedade com quem veste o mesmo equipamento. 

 

O Sporting vai jogo a jogo. A vantagem desta ideia é que o passado não conta, pouco importando o que fizemos até aqui. Não, o foco está sempre no futuro próximo, no próximo jogo, no mata-mata de Scolari, como se cada jogo fosse um campeonato por si só ou de uma final de tratasse. Eu gosto desta ideia. Tal como um condutor só deve olhar circunstancialmente pelo retrovisor, sob pena de, abusando de olhar para trás, se estampar no carro da frente, também o foco do Sporting deve estar naquilo que terá pela frente. Segue-se o Estrela. E um(a) Estrela, quando polar, indicará sempre o norte (da classificação). Norte que depois, paradoxalmente, passará pela Luz. Mas isso já serão contas de um outro rosário, e note-se que o campeonato ainda nem sequer chegou a um terço. 

 

Em tempos, a imprensa relatava: o Sporting "dá vinte". E assim chegou um Gyoconde a um clube brazonado e com ele o Renascimento do Sporting. Que ele nos ilumine até ao fim... Jogo a jogo, que é como quem diz, Gyokeres a Gyokeres.

 

Tenor "Tudo ao molho...": Gyokeres 

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01
Out23

Tudo ao molho e fé em Deus

Gyokeres, Hjulmand, Godinho & os Filhos do Papá


Pedro Azevedo

Luis Godinho apresentou-se insolitamente ao mundo do futebol a correr de costas e sem retrovisor em Moreira de Cónegos. A coisa prometia ser uma metáfora de quem por falta de condições (não) veria a sua carreira andar para trás, mas estamos em Portugal, país onde a meritocracia é tantas vezes atirada às couves e a incompetência natural pode ser um bilhete premiado. Logo o senhor Godinho chegou a internacional, que uma mediocridade assim convém ser exportada sob pena de, não o sendo, não caber nos limites deste cantinho à beira mar plantado. O reverso da medalha: ser condição sine-qua-non para apitar lá fora ter de continuar a arbitrar por cá. Como se o mundo fosse solidário com a nossa dor, mas ainda assim não o suficiente para que não assumamos também a nossa quota da asneira. Assim, Luis Godinho esteve ontem à noite em Faro. 

 

O saldo da actuação do árbitro foi demolidoramente deficitário. Se a expulsão do jogador farense associada ao claríssimo penalty é duvidosa - pode haver o argumento de que o guarda-redes estava em condições de defender a bola e assim não colher o caso de evidência de golo - , a não expulsão (segundo amarelo) de Hjulmand é inexplicável. De seguida, o livre marcado ao Sporting na sequência de um pontapé de bicicleta de Nuno Santos é ridículo, assim como o outro penalty que nos deu a vitória (o amperímetro que mede a intensidade de uma carga em Portugal é demasiado sensível). Sem esquecer o segundo amarelo a Mattheus Oliveira que ficou no bolso e um conjunto significativo de admoestações que seriam desnecessárias se o apitador reunisse os mínimos de autoridade e de bom senso. Entre perdas e benefícios, parece claro que o Sporting ficou a ganhar. Ora, esse é um paradigma historicamente tão estranho para um Sportinguista que até podíamos enfiar a cabeça na areia como os adeptos dos nossos rivais fazem quase todos os fins de semana nas mesmíssimas condições, porém com muito menor risco da nossa parte de sufoco. Mas não, por um lado porque tal não seria digno de um Sportinguista, por outro porque, se o árbitro é infelizmente um caso perdido, ainda há esperança de que no Sporting se tirem as devidas ilações do que correu menos bem e permitiu a uma equipa de muito menor cotação do que a nossa entrar no jogo, depois de estar a perder por dois golos e em inferioridade numerica. 

 

E o que correu mal? Em primeiro lugar, já tinha falado aqui aquando da sua contratação que Hjulmand arriscava muito nos cortes de carrinho. Eu sei, são vistosos e entram naqueles vídeos de apresentação quando o timing de entrada à bola é bom, mas podem ser altamente prejudiciais, tanto do ponto de vista técnico (fica fora da jogada) como disciplinar, se o tempo de reacção não for o melhor. Pior, a mim parece-me que essa urgência de ir logo ao choque - o dinamarquês perdeu a bola após uma má recepção e no momento seguinte optou por não fazer contenção - prende-se com alguma falta de pernas vista por exemplo aquando do golo do Sturm Graz ou da falta de que resultou o primeiro do Farense. O problema é que o Hjulmand nos faz falta com a bola nos pés, porque simplifica e acalma o jogo e encontra espaços entre-linhas por onde dar azo ao nosso jogo interior. E isso viu-se no segundo tempo, período em que a equipa também por influência de Amorim trocou o jogo interior pelas alas. Além do dinamarquês, também a ausência de Gyokeres foi sentida. Não porque tivesse saído, mas sim na medida em que deixou de ser solicitado como na primeira parte. Ora, o sueco havia estado na origem do golo inaugural e de outras cavalgadas semelhantes pela banda esquerda que semearam o pânico no último reduto dos algarvios, pelo que esta opção foi inexplicável. Acresce que Nuno Santos, Esgaio ou Geny Catamo jamais souberam aproveitar o espaço nos corredores, o Nuno porque não ajudado por ninguém (o Paulinho ia sistematicamente para dentro; alguém deveria explicar ao Matheus Reis que não é falta passar do meio campo), o Ricardo e o Geny, mesmo contando com a ajuda do Edwards, porque ou não sabem mais ou calçaram as botas trocadas. Tanto cruzamento estéril abriu a porta a transições dos farenses. Valeu-nos então a compostura de Morita, Diomande e Inácio para que esses contra-ataques não fossem concluídos. A entrada de Bragança também não ajudou, não esclarecendo o jogo e voltando a ocasionar desnecessários livres perto da sua área com pisões a adversários. Ainda assim, todas essas ineficiências cairiam no esquecimento se do outro lado não houvesse um inspiradíssimo Mattheus Oliveira (se alguma vez tivesse jogado assim de verde e branco não teria sido dispensado), um dos membros de um triunvirato de filhos de papá ilustre que ilumina este Farense. É verdade, além do Mattheus (filho do Bebeto), no onze dos algarvios estiveram o Belloumi (filho da antiga estrela do futebol argelino, com o mesmo nome, que em conjunto com Madjer dinamitou a Alemanha em 82) e o Fabrício Isidoro (filho do Paulo Isidoro, o 12º jogador do equipaço de Telé Santana no Mundial de Espanha). Todos bons de bola, ainda que aquém dos progenitores. E, claro, também não teríamos sofrido se o Adán soubesse colocar correctamente a barreira e posicionar-se bem entre os postes para a recepção do remate, não sofrendo golos pelo meio da baliza (primeiro) nem se deixando bater pelo lado que deveria estar automaticamente coberto (segundo). Enfim, faz parte das dores de crescimento de quem é jovem e da Formação. [Ah, espera(!), isso não é aqui.]

 

Com Gyokeres a continuar a dar à equipa muito mais do que esta lhe dá a ele, o Sporting isolou-se no primeiro lugar do campeonato. O que quer dizer que, mesmo considerando todos os erros e contradições do nosso jogo, não há melhor em Portugal, o que diz muito sobre os restantes competidores. Se bem que este Sporting me parece que persiste em resolver individualmente aquilo que competiria ao colectivo fazer. Não deixa de ser estranho quando se tem no plantel gente com a qualidade de Diomande, Inácio, Nuno Santos, Morita, Pote, Gyokeres ou Edwards e se dá ao luxo de deixar no banco de início três jogadores que custaram cada um mais de 10 milhões de euros (Paulinho por 70%, Trincão por 50% e Fresneda pela totalidade dos direitos económicos, considerando comissão e objectivos). Há que jogar mais. E melhor, com lealdade, sem as fitas e encenações tão comuns nos jogos em Portugal. Ponham os olhos em Gyokeres, e aproveitem algo da sua passagem por cá que não tenha só a ver com o seu (alto) rendimento. (O sueco, na sua ética profissional, assemelha-se mais a um jogador de rugby do que a um futebolista.)

 

Tenor "Tudo ao molho...": Gyokeres. Menções honrosas para Pote (mais um golo de grande inteligência), Diomande e Inácio.

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