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A Poesia do Drible

"Um pouco mais de sol - eu era brasa, Um pouco mais de azul - eu era além. Para atingir, faltou-me um golpe d'asa... Se ao menos eu permanecesse aquém..." - excerto de "Quasi", de Mário de Sá Carneiro

"Um pouco mais de sol - eu era brasa, Um pouco mais de azul - eu era além. Para atingir, faltou-me um golpe d'asa... Se ao menos eu permanecesse aquém..." - excerto de "Quasi", de Mário de Sá Carneiro

A Poesia do Drible

06
Jul24

Tudo ao molho e fé em Deus

E depois do adeus


Pedro Azevedo

De um lado os filhos da pátria, do outro os egrégios avós (Pepe e Ronaldo). Uma luta de galos, ou não fosse esse o símbolo francês e o de Barcelos uma componente importante  da idiossincrasia lusa. E se em termos literais as coisas se punham assim, figurativamente os galos eram Mbappé e Ronaldo, o aspirante vs o decano do reino do futebol mundial. Com uma diferença entre ambos que Schopenhauer explica: enquanto para Mbappé a vida de futebolista se perspectiva como um futuro infinitamente longo, Ronaldo vê-a já como um passado demasiado breve. Para Ronaldo, por Ronaldo era preciso ganhar aqui e agora, daí o sentimento de urgência e a indisfarçável ansiedade que assaltaram o craque português durante todo o torneio e que tão mal compreendido foi por parte dos portugueses.  

 

Portugal não jogou mal, diria até que realizou de longe a sua melhor exibição neste Euro que ficará para a história como de má memória. Tacticamente a equipa foi irrepreensível e jogadores houve que escolheram este jogo e este palco para terem o seu melhor desempenho nesta competição. Refiro-me a homens como Rafael Leão, Nuno Mendes (rendimento médio mais alto de todos os seleccionados lusos neste Euro), Rúben Dias, Bernardo Silva ou Vitinha. Os dois últimos foram como duas costureirinhas que alinhavaram, ponto por ponto, todo o jogo de Portugal. Não dando ponto sem nó, ou seja, concluíndo sempre bem as suas acções. Então, o que correu mal? Talvez os velhos vícios que Martinez não só não erradicou da Federação como deles foi cúmplice. Pelo que na hora da verdade, com uma moto no banco de ensaio como Diogo Jota, cheia de energia e de golo e preparada para pilhar os despojos do que antes havia sido uma França pujante e altiva, preferiu fazer entrar o Ofelix, um personagem que partilha com o seu treinador o facto de parecer saído dos desenhos animados, ele que caiu dentro do caldeirão da poção mágica dos empresários de milhões em pequenino e desde aí só revela fastio. E o que aconteceu no fim foi o produto de tanto termos desafiado os deuses do futebol, ao ponto de deles recebermos de volta a ira. 

 

Portugal saiu do Euro sem glória, mas finalmente mostrando o perfume de um bom futebol. Precisamos como nunca de nos libertar das amarras de um passado que amordaça algum do talento que ficou em Portugal ou raramente saiu do banco de suplentes. E para isso necessitamos de uma revolução, cujo protagonista nunca poderá ser Pedro Proença, o paradigma do situacionismo que impera no país e que para se perpetuar leva a que por vezes seja preciso mudar tudo para que tudo fique exactamente igual, não evoluindo, granitizando e parasitando à volta do melhor que o nosso futebol tem: o talento dos seus jogadores. Venha então a tão desejada Revolução e que a sua senha seja o "E depois do adeus" (à Alemanha). Só assim teremos as reformas que se impõem há décadas no futebol português, bem como a libertação de certas amarras de marinheiro que fazem com que "A Equipa de Todos Nós" seja presentemente "A Equipa de Todos os Nós". 

 

Tenor "Tudo ao molho...": Rafael Leão

 

P.S. "Crónica de uma morte anunciada" seria um bom título alternativo para esta crónica.

pep e ron.jpg

02
Jul24

Tudo ao molho e fé em Deus

O Anjo de Guarda(-redes)


Pedro Azevedo

Não estou a gostar muito deste Europeu de andebol de 11 que se está a disputar na Alemanha. Na televisão só oiço falar em basculação e pontas invertidos. E não vejo profundidade, se calhar para evitar violações da área dos 6 metros ou ainda mais crateras na relva do que aquelas que ontem foram bem visíveis em Frankfurt (este termo da "profundidade" irrita-me e deveria também irritar o Júlio Verne nas suas 20.000 Léguas Submarinas). Como é regra, o pivô (Ronaldo) é quem tem levado mais pancada. Não se estranha. O que surpreende é que a maior carga de pancada venha dos estúdios (comentadores) e não dos estádios (jogadores adversários), mais uma originalidade lusa...

 

Depois de uma fase de grupos dada largamente à experimentação, hoje começou o mata-mata. Do outro lado estava a Eslovénia, pátria de Pogacar e Roglic, o que só por si era sinal de que teríamos de dar muito ao pedal. E demos, durante 120 minutos (mais penáltis). É certo que poderíamos ter abreviado o sofrimento quando Jota ligou a moto e 4 eslovenos já não tiveram pedalada que lhes valesse, optando então por o deixar apeado, mas Oblak e o poste negaram o golo de penálti a Ronaldo. Mas também não é mentira nenhuma que quando Pepe atingiu o seu ponto de saturação, Sesko seguiu isolado para a nossa baliza e só Diogo Costa manteve-nos no jogo. Na altura ainda não sabíamos, mas o Diogo estava só a aquecer para o que viria a seguir...

 

O que veio a seguir foi a marcação de grandes penalidades. O acto em si foi precedido por um protocolo: Ronaldo escolheu a baliza, que se encontrava à frente do sector onde se concentravam os adeptos portugueses, e Oblak determinou que seria a Eslovénia a primeira a bater. Durante a semana ouvimos várias análises que procuravam desmontar o jogo esloveno. Não foram análises quaisquer ou centradas unicamente na questão táctica. Nada disso, tanto foi dito que o Oblak era o melhor guarda-redes do mundo como que o Ilicic havia recuperado recentemente de uma depressão. Pensei nisso quando o vi partir para a bola. Mais sensível aos problemas de saúde mental dos portugueses, o Diogo voou para a bola e nesse vôo foi acrescentando centímetros aos seus braços até conseguir conectar com a bola. Agora caberia a Ronaldo tentar de novo adiantar-nos no marcador. O facto de Ronaldo ter assumido a marcação do nosso primeiro penálti revela bem o campeão que é. Poderia ter-se guardado para a quinta penalidade, que nem necessária poderia vir a ser, mas não. E então vimo-lo a inspirar fundo, o que não fizera aquando do penálti que bateu no prolongamento, e a desferir um remate perfeito, na força e colocação, que só parou na malha lateral da baliza de Oblak. Seguiu-se um esloveno, de novo um canhoto. Pensei que o Diogo se atirasse para o mesmo lado da penalidade de Ilicic, mas por instinto ou estudo prévio optou por mudar. E defendeu, novamente em grande estilo. Pelo que Bruno Fernandes, o senhor que se seguiu, tinha nos pés a possibilidade de dilatar a nossa vantagem. O Bruno partiu para a bola e o Oblak pareceu ter ficado com os pés colados à relva: 2-0 para Portugal !!! Veio então um destro esloveno, certamente para variar. Só que o Diogo voltou à primeira forma e acreditou no remate cruzado, acabando por sair-lhe o bilhete premiado. Apos 3 defesas do nosso guarda-redes a 3 remates eslovenos, Bernardo Silva tinha a possibilidade de acabar com o nosso sofrimento. E não a desperdiçou, mandando Oblak para a sua direita enquanto a bola seguia no sentido oposto. Portugal qualificava-se para os quartos.

 

Portugal foi melhor durante o tempo regulamentar mas teve sempre difiuldade em entrar no bloco esloveno. As excepções foram uns raids de Leão e de Nuno Mendes, este último um sério candidato a melhor em campo não fora Diogo Costa ter aberto o livro, perdão, as asas. Por isso estranhou-se a substituição de Leão por Conceição e a verdade é que a equipa caiu. Todavia, a velocidade e classe de Jota - será necessário um manifesto popular para que Martinez lhe dê a titularidade? - acabariam por proporcionar a Cristiano Ronaldo duas soberanas oportunidades não concretizadas. E lá fomos para os penáltis. Uma palavra para a Eslovénia, uma equipa sempre muito agressiva em cima da bola, contrariando a ideia de ser orientada por um treinador queque (ou Kek).

 

Numa noite de grande suor e muitas lágrimas, a emoção começou ainda antes do apito do árbitro para o início da partida quando a UEFA permitiu que fosse concedido 1 minuto de silêncio pela morte de Manuel Fernandes. E que estreia no Céu teve o nosso Manel(!), qual anjo de guarda(-redes) que acredito tenha encantado o nosso Diogo. É o que se chama entrar pela porta grande de São Pedro, que nenhuma outra além da 10A estaria de acordo com o jogador e Homem que foi. Ou é, que pessoas assim não morrem efectivamente, são eternas. Simplesmente, ascendem para verem ainda melhor e assim zelarem altruísticamente por nós (mas não abusem). 

 

Tenor "Tudo ao molho..." Diogo Costa, "O Homem Alado". Nuno Mendes, Palhinha (excelente segunda parte), João Cancelo, Rúben Dias, Vitinha, Jota e Leão estiveram em bom plano. Curiosamente, Bernardo, Bruno e Ronaldo, pouco inspirados durante o jogo, foram decisivos nas penalidades finais. 

Portugal ainda procura o rumo mas pelo menos sabe que está em mãos seguras (crónica)

27
Jun24

Tudo ao molho e fé em Deus

Georgia on my mind


Pedro Azevedo

A primeira vez que ouvi falar na Geórgia foi pela voz de Ray Charles, que cantava que o estado americano, de que aliás era nativo, lhe tinha ficado para sempre na memória. Afinal, vim a descobrir mais tarde, havia outra, produto da desagregação da antiga União Soviética, com cidadãos com nomes como K V A R A T S K H E L I A, e outros do mesmo género, que só estava habituado a ler aquando das visitas ao oftalmologista. Essa "nova" Geórgia tornar-se-ia posteriormente uma minha velha conhecida através do rugby, ainda que tal conhecimento dificilmente pudesse ser caracterizado como agradável face às sucessivas derrotas impostas pelos georgianos aos nossos "Lobos". Pelo que o jogo de ontem se afigurava como de vingança por anos de provações que me deixaram com um "melão", que é metáfora que se aplica perfeitamente a uma modalidade em que a bola tem uma forma oval. 

Na antecâmara do jogo entrevistaram o melhor comentador das televisões portuguesas, o Professor Marcelo. Este logo considerou como muito inteligente a escolha do Onze titular e eu fiquei imediatamente de pé atrás. É que há um certo paralelismo entre Roberto Martinez e o Professor Marcelo, na medida em que ambos partilham o enorme desejo de afirmar ao mundo a sua imensa inteligência, nem que para tal seja necessário recorrer à... invenção (a vichyssoise do senhor Martinez chama-se "flexibilidade táctica"). E assim lá regressou a Geringonça (3-4-3) com os problemas do costume, ou seja, menos centro (só Palhinha e João Neves) em função de uma redobrada influência da extrema esquerda (Pedro Neto). A coisa já havia dado maus indicadores no passado, por pouco não nos levando a um checo-mate, mas o experimentalismo, tentação pelo abismo e a procura de afirmação de genialidade por parte do nosso seleccionador conduziram-nos de novo para esse buraco negro. Mudando-se novamente de sistema, quando a anunciada entrada de muitos jogadores até aí pouco ou nada utilizados recomendaria uma estrutura sólida em campo à qual se pudessem agarrar. Não havendo um sistema sustentado, Martinez pensou no individual. E lançou Diogo Costa, Palhinha e Ronaldo como tábuas de salvação. Só que não chegou: Diogo nada pôde fazer nos remates que deram os golos, Palhinha estava a ser o nosso melhor em campo mas foi substituído ao intervalo e Ronaldo teria dado o tempo por mais bem empregue com a Georgina do que com os georgianos. Pelo que a estratégia (?) redundou em fiasco absoluto. 

 

O sistema não era bom, havia muitos jogadores novos, mas Portugal tinha um trunfo: a Geórgia precisava de atacar para tentar vencer e assim garantir o apuramento para os oitavos de final. Pensava-se, por isso, que Portugal entraria no jogo de forma prudente, esperando pela iniciativa georgiana para melhor apanhar o adversário no contra-ataque. Mas António Silva fez um passe para trás sem olhar, Danilo viu Inácio acompanhar o jogador da Geórgia portador da bola e não endireitou a sua trajectória na direcção de Kvaratshkelia, António Silva perdeu em velocidade com este e a bola terminou dentro da baliza de Diogo. A perder, Portugal viu-se obrigado a ir atrás do prejuízo. Só que a velocidade de circulação de bola foi lenta e a ideia de pôr Felix entre-linhas não funcionou de todo, pelo que Ronaldo quase não teve bola, destacando-se apenas num livre directo, em dois remates bloqueados miraculosamente por defesas georgianos e numa tentativa de cabeceamento que António Silva (sempre ele) antecipou e se perdeu sem glória. 

Para o segundo tempo o Palhinha foi poupado a um amarelo, entrando Rúben Neves para apanhar o... amarelo. O resto foi mais do mesmo, com um golo saído dos desenhos animados a condenar definitivamente os portugueses: Diogo Costa colocou a bola num georgiano a fim de evitar um canto, João Neves cortou mas passou curto para António Silva e este chegou mais cedo ao pé de um adversário do que à bola e cometeu penálti. Até ao fim ainda entrou Gonçalo Ramos para o lugar de Ronaldo, mas o problema estava a montante e não a jusante e assim continuou. 

 

Portugal perdeu e bem e agora urge recuperar psicologicamente o jovem António Silva. O melhor do jogo foi a poupança de jogadores nucleares como Rúben Dias, Pepe, Nuno Mendes, Bernardo ou Bruno Fernandes, o pior foi a insistência num sistema táctico que no espaço da Selecção tem muito pouco tempo para ser aprimorado. Claro, o seleccionador poderia ter obviado esse problema recorrendo a jogadores do Sporting (actuais e antigos) que estão perfeitamente identificados com esse sistema e dinâmicas inerentes, mas Pote, Nuno Santos e Trincão não foram convocados, Matheus teve pouco tempo de jogo e isso diz muito sobre a consistência (ou falta dela) das ideias e escolhas do senhor Martinez. Venha então a Eslovénia e com ela uma nova revolução. É a flexibilidade táctica, senhores. Vai mais uma voltinha na montanha russa ??? Atenção que pode ser a última...

 

Tenor "Tudo ao molho...": João Palhinha

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24
Jun24

O melhor Onze


Pedro Azevedo

Estes dois jogos de Portugal no Euro ajudaram a clarificar quem são os jogadores indiscutíveis no nosso Onze e qual o melhor sistema táctico a apresentar. Na baliza e sector defensivo, Diogo Costa, Ruben Dias, Pepe e Nuno Mendes estão de pedra e cal. No miolo, a inclusão de Palhinha trouxe outra consistência defensiva e Bruno Fernandes tem uma dinâmica ofensiva de que a Selecção não pode abdicar. Na frente, Ronaldo e Bernardo não têm discussão. Pelo que há 3 lugares de titular em aberto, um por cada zona do terreno: lateral direito, "oito" e interior/extremo esquerdo. Cancelo é um lateral de forte propensão ofensiva, mas defensivamente comete erros de principiante, arriscando o desarme a meio do nosso meio-campo quando o mais prudente seria fazer contenção, ou estando frequentemente mal posicionado para o momento da perda de bola. Tanto Dalot como Nelson Semedo dão mais garantias defensivas, mas o senão é o défice no balanço atacante. Ponderando os prós e contras, Semedo talvez seja a solução mais equilibrada. No meio-campo, Vitinha tem vindo a ser a solução. Curiosamente, a sua influência parece ser maior no 3-4-3, sistema que não provou, do que no 4-3-3, que foi experimentado com sucesso e se ajusta melhor às características da maior parte dos jogadores. O problema de ter Vitinha no 4-3-3 é que ele se imiscui muitas vezes no início da construção, retirando margem a Palhinha na condução de bola. Ora, se há aspecto em que Palhinha cresceu bastante foi no passe raso entre-linhas. Porém, com Vitinha não temos 3 linhas no meio campo, a equipa joga mais em 4-2-3-1 do que num efectivo 4-3-3, o que torna a ligação com Bruno Fernandes mais difícil e arriscada, exactamente por ausência de um "middle man". Não está em causa a valia individual de Vitinha, mas, a meu ver, João Neves ou Matheus têm as características ideais para serem o elo de ligação entre Palhinha e Bruno, até pelo contraste que apresentam face a estes dois. Na frente, para mim, Jota é indiscutível. Não há ninguém tão equilibrado a atacar e defender, nem quem defina tão bem como o jogador do Liverpool. Leão traz repentismo mas define quase sempre mal e Félix vem mais para dentro, o que exige maior profundidade ao lateral (será mais jogador para o 3-4-3). 

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22
Jun24

Tudo ao molho e fé em Deus

Experiência superada


Pedro Azevedo

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Cada jogo de Portugal é uma nova experiência para Roberto Martinez, uma oportunidade de (re)inventar o futebol. O problema é que se inventar o futebol fosse sinónimo de ganhar, a Inglaterra teria vencido todos os Campeonatos do Mundo e da Europa em que participou e não apenas o Mundial de 66 que organizou e onde, quiçá em nome da Aliança celebrada em 1386 (Tratado de Windsor), contou à última hora com o beneplácito português de passar a meia-final de Liverpool (Goodison Park, nosso Quartel-General) para Londres (Wembley). Toda a gente sabe que no futebol a componente física é importante, mas a química que se estabelece entre os jogadores também o é. Vai daí, o Roberto Martinez mete a equipa toda num tubo de ensaio dentro de um laboratório e depois vai combinando aleatoriamente, 11 a 11, diversos reagentes à espera que dessa mistura saia o produto da solução ideal. Depois, a fim de sinalizar que a reacção se está a produzir, usa muito o azul (de tornassol) como indicador. Só que às vezes no aquecimento, não necessáriamente com o Bico de Bunsen, já se vê que a coisa vai correr mal, libertado-se gases tóxicos que após exposição prolongada podem conduzir a alucinações intermitentes e até a um lacrimejar pungente. Foi até certo ponto o caso do ocorrido contra a Chéquia, embora as lágrimas tenham sido contidas num ultimo momento. No fundo, no fundo, o senhor Martinez é o Panoramix dos tempos modernos, com a diferença que onde o druida gaulês apostava na melhoria do rendimento individual (poção mágica), o espanhol procura a reacção em cadeia, nem que para isso tenha primeiro de fazer explodir o laboratório e depois ver-se obrigado a levar os jogadores à vez para dentro de um caldeirão a ferver até encontrar os 11 reagentes que combinem idealmente entre si. Era porém sabido que, tal como os ponteiros de um relógio parado, que num determinado jogo a hora iria bater certo. A interrogação que se colocava era se essa hora viria ainda a tempo. Nesse impasse, chegou o jogo com a Turquia... 

 

Para o jogo com a Turquia, Bob Martinez recorreu a Palhinha. Ora, Palhinha é como diz o anúncio da Savora: com ele, toda a comida melhora. Depois, trocou a geringonça táctica do jogo com a Chéquia por um onze mais próximo do que uma maioria absoluta de adeptos recomendaria, disposto em 4-3-3. Com os reagentes próximos do ideal (continua a ser incompreensível a exclusão de Jota) e na posição correcta, Portugal rebentou com a Turquia: Bernardo inaugurou o marcador no aproveitamento de uma bola perdida na área. Depois. o Autogolo, o melhor marcador de Portugal no Euro, fez o segundo. E, já no segundo tempo, uma desmarcação circular de Ronaldo foi acompanhada por um passe açucarado do capitão português para Bruno empurrar para o golo. Portugal venceu assim o jogo e o grupo, garantindo a qualificação para os oitavos-de-final. Com isso ganhámos tempo: de recuperação física dos mais utilizados, que deverão ser poupados com a Geórgia, e de rodagem de outros jogadores. Um tempo que no entanto não aquecerá nem arrefecerá a Pepe, cuja carreira não se rege pelo calendário gregoriano que todos nós seguimos, o que é o mesmo que dizer que o tempo não passa por ele. Pepe foi o eucalipto que faltou aos pupilos de Montella para submeterem os portugueses ao banho turco, acabando eles por entrar em burnout tantas foram as vezes que o central português lhes negou o caminho para o golo. 

E Martinez? William Blake dizia: "Como saberes o que é suficiente, se não souberes o que é demais?". Com a Chéquia, as suas opções foram demais, hoje, com o caldeirão a ferver, misturou muito melhor os ingredientes e regressou ao suficiente. Não foi demais, foi de mais. Muito mais. Portugal, olé , Portugal, olé!!!

 

Tenor "Tudo ao molho..": Pepe

18
Jun24

Tudo ao molho e fé em Deus

A Teoria do Caos


Pedro Azevedo

Caro Leitor, este Roberto Martinez é definitivamente um personagem dos desenhos animados: umas vezes Bob, o Construtor, a desfazer e refazer do zero o que parecia já edificado e sólido, outras o Professor Pardal, a inventar tácticas mirabolantes. Foi este último que aliás se apresentou contra a Chéquia, mas por sorte houve um Lampadinha (Conceição) a salvar-lhe a face. 

 

Portugal apresentou-se ontem em campo com um sistema táctico e concomitantes dinâmicas baseadas na Teoria do Caos. Esta trata de sistemas altamente complexos, difíceis de entender por um homem médio que não o Professor Pardal, cuja dinâmica acaba por suscitar uma instabilidade que se denomina como "sensibilidade às condições iniciais", que os torna não previsíveis ao longo do tempo. Assim, ao alterar permanentemente o Onze titular, o inventor vai introduzindo o caos determinístico, tornando impossível prever o que se passará a seguir. As correcções que de seguida efectiva no modelo não permitem regressar às condições iniciais, até porque já houve ocorrências intermédias que não podem ser apagadas, pelo que a dado momento o sistema afigura-se aleatório à vista desarmada, dada a sua profunda instabilidade. É o "Efeito Borboleta" e as suas consequências, como explica Lorenz, que em termos de Selecção podem resumir-se ao bater de asas da Selecção na Alemanha virem a influenciar uma revolução no corpo técnico da Federação em Lisboa. Tão certo como a morte e os impostos, se as coisas não mudarem.

 

Contra uma Chéquia toda recuada no terreno, Portugal actuou 90 minutos com 3 centrais que, à falta de cartas para jogarem uma bisca lambida, se entretiveram a marcarem-se uns aos outros. Depois, faltou um cabeça de área (Palhinha) que estivesse na zona onde os checos desferiram o remate que os adiantou no marcador e que conduzisse a primeira vaga de construção para libertar os restantes médios para funções mais ofensivas. Com 2 médios a jogar na mesma linha e separados dos avançados pelo muro que os checos construíram, em vez de 3 em 3 linhas diferentes como seria lógico e recomendável, Portugal não conseguiu produzir evidentemente qualquer jogo interior entre-linhas (a não ser aquele que só o senhor Martinez reconheceu ter visto, em entrevista após o jogo), limitando-se a circular a bola por fora do bloco checo. Com isso, Martinez foi o melhor amigo da Chéquia, reduzindo à banalidade um jogador como Bruno Fernandes, com enorme potencial de golos e assistências. Não só faltou Palhinha como também um médio rompedor (João Neves ou Matheus Nunes), que Bruno e Vitinha parecem pouco compatíveis e o treinador deverá decidir por um só. Estando os 2 médios atados atrás e conseguindo Martinez a proeza de manter os 3 centrais até ao fim, nunca lançando um terceiro médio (Cancelo andou por lá, qual peixe fora de água), as movimentações dos nossos avançados foram facilmente anuladas pela superioridade numérica da Chéquia nessa zona. Acresce que Bernardo desgastou-se em funções redundantes e fez um jogo muito fraco e Leão mostrou uma péssima definição dos lances, não se entendendo o motivo pelo qual o primeiro não foi substituído (por Chico Conceição) e o mistério da razão que continua a afastar Jota da titularidade. No meio de tanta asneira (Nuno Mendes chegou a jogar como central, antes da entrada de Inácio) e desorganização táctica (que Martinez orgulhosamente define como "flexibilidade"), valeram-nos dois erros crassos defensivos da Chéquia que nos deram a vitória e evitaram um escandaloso checo-mate, o último dos quais já bem perto do gongo e a envolver ainda Chico Conceição e Pedro Neto, 2 jogadores que haviam entrado ao minuto 90. Pelo que não faltará quem elogiará o génio de um seleccionador capaz de prever que 4 minutinhos seriam uma enormidade de tempo para sacar dois coelhos da cartola. Assim sendo, é de prever que Roberto Martinez continue a fazer magia e que a grande ilusão termine com o título europeu. Se já aconteceu com Fernando Santos, por que não com este discípulo de Jorge Silas e do "Tudo ao molho e fé em Deus" a.k.a "flexibilidade táctica"? Em todo o caso, receio que ainda venhamos a lamentar não termos convocado o Ritalina para resolver o problema da hiperactividade do nosso seleccionador. 

 

E agora, alguém se atreve a tentar adivinhar o Onze contra a Turquia? É mais fácil acertar no Euromilhões...

 

Tenor "Tudo ao molho...": Chico Conceição (decidiu o jogo)

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13
Jun24

O meu Onze para o Euro


Pedro Azevedo

Com base no que têm sido as escolhas de Roberto Martinez e as respostas dos jogadores, e tendo em conta (com muita pena minha) que o seleccionador nacional considerou que os 18 minutos concedidos a Matheus Nunes (divididos por 2 jogos) foram uma oportunidade, este é o meu Onze para o Euro:

 

Diogo Costa

Diogo Dalot

Rúben Dias

Pepe

Nuno Mendes

João Palhinha

João Neves

Bruno Fernandes

Bernardo Silva

Cristiano Ronaldo

Diogo Jota

03
Jun24

Escrever direito por linhas tortas


Pedro Azevedo

Matheus Nunes rende o lesionado Otávio na lista de convocados de Portugal para o Euro 2024.
 
 
P.S. Um alívio entender que, duas semanas após a convocatória inicial, o senhor Martinez já não tem dúvidas de que o Matheus aguenta 2 jogos em 4 dias, tarefa que parecia não ao alcance de um jogador da Premier League mas sim de um pré-reformado a actuar num "intensíssimo" campeonato da Arábia Saudita onde por vezes trocar dois passes ou ter uma boa definição no último terço parece tarefa só comparável aos 12 trabalhos de Hércules.

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