Tudo ao molho e fé em Deus
E depois do adeus
Pedro Azevedo
De um lado os filhos da pátria, do outro os egrégios avós (Pepe e Ronaldo). Uma luta de galos, ou não fosse esse o símbolo francês e o de Barcelos uma componente importante da idiossincrasia lusa. E se em termos literais as coisas se punham assim, figurativamente os galos eram Mbappé e Ronaldo, o aspirante vs o decano do reino do futebol mundial. Com uma diferença entre ambos que Schopenhauer explica: enquanto para Mbappé a vida de futebolista se perspectiva como um futuro infinitamente longo, Ronaldo vê-a já como um passado demasiado breve. Para Ronaldo, por Ronaldo era preciso ganhar aqui e agora, daí o sentimento de urgência e a indisfarçável ansiedade que assaltaram o craque português durante todo o torneio e que tão mal compreendido foi por parte dos portugueses.
Portugal não jogou mal, diria até que realizou de longe a sua melhor exibição neste Euro que ficará para a história como de má memória. Tacticamente a equipa foi irrepreensível e jogadores houve que escolheram este jogo e este palco para terem o seu melhor desempenho nesta competição. Refiro-me a homens como Rafael Leão, Nuno Mendes (rendimento médio mais alto de todos os seleccionados lusos neste Euro), Rúben Dias, Bernardo Silva ou Vitinha. Os dois últimos foram como duas costureirinhas que alinhavaram, ponto por ponto, todo o jogo de Portugal. Não dando ponto sem nó, ou seja, concluíndo sempre bem as suas acções. Então, o que correu mal? Talvez os velhos vícios que Martinez não só não erradicou da Federação como deles foi cúmplice. Pelo que na hora da verdade, com uma moto no banco de ensaio como Diogo Jota, cheia de energia e de golo e preparada para pilhar os despojos do que antes havia sido uma França pujante e altiva, preferiu fazer entrar o Ofelix, um personagem que partilha com o seu treinador o facto de parecer saído dos desenhos animados, ele que caiu dentro do caldeirão da poção mágica dos empresários de milhões em pequenino e desde aí só revela fastio. E o que aconteceu no fim foi o produto de tanto termos desafiado os deuses do futebol, ao ponto de deles recebermos de volta a ira.
Portugal saiu do Euro sem glória, mas finalmente mostrando o perfume de um bom futebol. Precisamos como nunca de nos libertar das amarras de um passado que amordaça algum do talento que ficou em Portugal ou raramente saiu do banco de suplentes. E para isso necessitamos de uma revolução, cujo protagonista nunca poderá ser Pedro Proença, o paradigma do situacionismo que impera no país e que para se perpetuar leva a que por vezes seja preciso mudar tudo para que tudo fique exactamente igual, não evoluindo, granitizando e parasitando à volta do melhor que o nosso futebol tem: o talento dos seus jogadores. Venha então a tão desejada Revolução e que a sua senha seja o "E depois do adeus" (à Alemanha). Só assim teremos as reformas que se impõem há décadas no futebol português, bem como a libertação de certas amarras de marinheiro que fazem com que "A Equipa de Todos Nós" seja presentemente "A Equipa de Todos os Nós".
Tenor "Tudo ao molho...": Rafael Leão
P.S. "Crónica de uma morte anunciada" seria um bom título alternativo para esta crónica.