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Pedro Azevedo
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Pedro Azevedo
Pedro Azevedo
Caro Leitor, isto de ser analítico a comentar o sintético já de si é uma contradição nos termos. Acresce que sintético não foi só o relvado, artificial. Não, sintético foi também o Rúben Amorim na dosagem de esforço dos mais utilizados, gerindo a condição física dos jogadores e simultaneamente a disposição anímica do balneário. Doravante, socorramo-nos então do dobro do sintético para nos aproximarmos de algo que se assemelhe a uma análise, substituindo a relva e o Amorim por Kant e Hegel em busca de uma síntese filosófica que explique o que se passou ontem em Berna.
A síntese filosófica é um processo que deriva do simples para o composto, do elemento para o todo, das causas para as consequências, com o objectivo último de defender uma ideia através da argumentação. Como tal, comecemos pelo mais simples, o elemento, o jogador: Coates e Paulinho foram poupados a um piso demolidor para as articulações e ficaram em Lisboa. Trincão, que pegou de estaca e muito tem jogado (e jogado muito, também) desde que o novo ano brotou, e Morita, em acção recente na Taça de Ásia, não iniciaram o jogo por gestão da sua condição física. Se estas foram as causas, tudo isto conjugado deu a oportunidade a Edwards, Bragança, Matheus Reis e, mais tarde, aos estreantes Nel e Koba de jogarem, solidificando a união do balneário, pelo que a única consequência negativa para o todo (a equipa) foi um desempenho menos bom do nosso meio-campo. Tratou-se de um risco, creio que calculado, que o nosso treinador assumiu correr, mas a verdade é que a dupla Bragança-Hjulmand não funcionou, não conseguindo controlar os tempos de jogo e dando demasiado espaço (por vezes, avenidas) aos nossos adversários no miolo do terreno. Então, o que nos valeu? Bom, desde logo a excelente acção dos nossos 3 centrais, em especial de Eduardo Quaresma e de Gonçalo Inácio, que numas vezes deram o corpo ao manifesto e noutras fizeram valer a antecipação para evitarem males maiores. E depois a acção de Edwards e de Gyokeres na frente (Pote esteve muito activo, mas desinspirado na definição), que puserem sempre em sentido as pretensões helvéticas de avançar mais as suas linhas, com o "plus" do sueco ter arrancado desde cedo um cartão amarelo ao seu marcador directo (quando mais tarde ficámos a jogar contra 10, senti-me como um voyeur a espreitar o que é jogar como o Benfica), ele que foi carregado à margem das leis tantas vezes quantas as que ousou transformar a defesa do Young Boys num queijo suíço. [Emmental (que até é de Berna), meu caro Watson.]
No fim, gerindo até ao limite (os nossos dois melhores jogadores, Gyokeres e Pote, foram descansar com um quarto de hora mais descontos por cumprir), Amorim venceu a triplicar: o jogo, a condição física dos jogadores e o balneário. Especulou e foi feliz, que o controlo esteve à beira de se descontrolar em momentos como o do "frango" de Adán ou dos golos anulados ao Young Boys e o golo inaugural do jogo foi na realidade um auto-golo. Não que o Sporting não fosse muito superior aos suiços, mas porque Amorim quis ganhar em Berna a pensar em Moreira de Cónegos. Legítimo, evidentemente, mas não necessariamente sinónimo de uma menor ambição europeia, espera-se. Pelo menos a fazer fé no lema do nosso fundador: "TÃO GRANDES COMO OS MAIORES DA EUROPA".
Um dia, num treino do Varzim, o Joaquim Meirim, que tinha tanto de filósofo como de psicólogo e louco, disse a um guarda-redes espanhol que lá treinava, Jose Luis de seu nome, que era o melhor da Europa. Quando este então o inquiriu sobre a razão por que não jogava, Meirim respondeu-lhe que o Benje era o melhor do Mundo. O Sporting pode até ganhar a Liga Europa, mas a condição de melhor equipa da Europa paradoxalmente não lhe garante o título máximo doméstico. Por isso há que fazer pela vida, externa e internamente. E ser objectivo, que é como quem diz, sintético. Serve como análise? (Deu para "dobrar" os suiços.)
Tenor "Tudo ao molho...": Eduardo Quaresma. Edwards, Inácio e Gyokeres estiveram em bom plano.
P.S. (Sobre o excesso de futebol nas televisões.) À hora a que termino esta crónica está a começar mais um jogo no 11, canal sempre na vanguarda da promoção do futebol exótico. Parece que é em casa (casota?) do São Bernardo. Não ouvi o adversário, mas suspeito que seja o Pastor Alemão. Ou então o Serra da Estrela, o que daria um belo clássico de montanha.
Pedro Azevedo
Se no cinema estamos habituados ao conceito de filmes de autor, realizados por visionários como Hitchcock, Tarantino, Scorsese, Almodóvar, Kurosawa, Godard ou Fellini que se destacam pela sua singularidade e inovação, no jogo da bola também existe o chamado futebol de autor, desenvolvido ao longo dos anos por revolucionários do jogo como Herbert Chapman, Helenio Herrera, Gusztáv Szebes, Rinus Michels, Johann Cruijff, Arrigo Sacchi ou Josep Guardiola. No futebol, o rótulo é atribuído a partir do momento em que se nota uma personalidade própria e muitas vezes disruptiva no trabalho do treinador. Porém, não só de equipas grandes se faz a história do futebol de autor, há também casos de sucesso que envolvem pequenos clubes que se tornam rapidamente de culto. Como a Atalanta, de Gasperini, ou o Brighton, de De Zerbi. Ou, em Portugal, o Estoril, de Vasco Seabra, com a conceptualização de um carrossel que se desenvolve a partir de um sistema base de 3-4-3. Dada a cor das camisolas, a escassez de recursos financeiros e a óbvia influência holandesa no seu jogo, para efeito desta crónica vou denominar o modelo canarinho como "O Limão Mecânico": Seabra baseou-se no princípio de que se a vida nos dá limões, então fazemos uma boa limonada. Assim, conseguiu reunir e potenciar um conjunto de muito razoáveis jogadores, adaptáveis ao seu sistema e modelo, que bem espremidos vêm batendo o pé aos Grandes, garantindo pontos e a admiração da comunidade futebolística em geral. O problema é que ontem o Estoril deparou-se com Gyokeres, o homem que veio do gelo. Com o contacto, o limão secou e a sua mecânica enferrujou, ou seja, Gyokeres oxidou o Limão Mecânico.
Com o Belchior, o Baltasar e o Gaspar presos no trânsito caótico de uma sexta-feira ao fim da tarde na 2ª Circular, o Viktor desdobrou-se em vestir a pele de todos eles e de enfiada começou a distribuir presentes pela equipa, naquilo que foi o último ensaio geral para as festividades de um Dia de Reis comemorado à espanhola (ou não houvesse um dedo de Guardiola na forma como o Sporting joga e não deixa jogar o adversário). Como figurantes, os jogadores do Estoril, com defesas a atacar como avançados e avançados a organizar o jogo desde trás como se fossem defesas. Na antecâmara, a imprensa desportiva havia elogiado sobremaneira a melodia saída da imaginação do maestro e compositor Vasco Seabra, uma espécie de caixinha de música em forma de carrossel de Natal. Mais uma equipa de autor, mais um tremendo desafio para o Sporting de Ruben Amorim, dizia-se. No jogo, porém, a equipa da Linha não entoaria mais do que o som do silêncio ("Sound of Silence")... Para começar, o Gyokeres apareceu na esquerda, Pela frente, o Rodrigo Gomes, bom jogador e a última coqueluche do futebol nacional. Não demorou mais do que uns poucos segundos para que o Gyokeres desarticulasse o pobre do Rodrigo até entregar de presente ao Edwards. Não contente, o sueco passou para a direita. Recebe do Geny. Pela frente o Pedro Álvaro, já exaurido pelo sprint prévio. Faz que vai para dentro, mete por fora, o Pedro como se estivesse numa sauna, fora do caminho, e novo presente açucarado para o Edwards: 2-0 no marcador, os estorilistas foram apressadamente para o balneário à procura de um ortopedista que lhes voltasse a atarrachar as partes do corpo que se soltaram no relvado de Alvalade. Reinício do jogo e grande jogada de um apanha-bolas do Sporting: o miúdo repõe a bola rápida e sincronizadamente para o Gyokeres, que, acto contínuo, a lança à mão para o Nuno Santos. O remate ainda é deflectido, mas só para nas redes do Estoril. Mais um presente. De seguida, o Pote recupera a bola e avança. Tem dois adversários pela frente, mas o Gyokeres arrasta ambos numa diagonal e o Pote fica isolado e faz um daqueles célebres passes à baliza cujo resultado é o golo. Novo presente, ainda que indirecto. Depois, o sueco antecipa-se e serve Trincão. Novo golo, o suspeito do costume na assistência. Muita Parra e pouca uva depois, o pobre do Raul vê o Gyokeres passar como cão por vinha vindimada. O presente era, de novo, para o Edwards, mas um canarinho antecipa-se e o Geny na ressaca atira por cima.
O resultado está mais ou menos feito. O Quaresma, grande exibição, salva o golo de honra do Estoril, substituindo-se ao Adán. Edwards e Geny isolam à vez o Gyokeres, mas o sueco está em noite de entregar presentes e não de desembrulhar os presentes dos outros como é seu timbre. Edwards ainda atira ao ferro, mais tarde Pote replicá-lo-á. Pelo meio, o Estoril marca: uma bola parada, que geralmente é defendida à zona. Mas o Sporting defende-a com zona, o que é uma outra coisa, infecção viral que afecta pele e corpo e contagia toda a equipa. Desta vez o portador é Paulinho, que assiste magistralmente um jogador do Estoril para golo - mais um triunfo do futebol associativo.
O jogo termina. Mais um teste vencido pelo Sporting de Ruben Amorim. Mais uma equipa com direitos de autor protegidos que não passou a sua musiquinha. Toda a gente conhece como o Sporting joga, poucos sabem como desmontar a forma como o Sporting joga. Da mesma forma que conhecimento é ter a noção de que o tomate é um fruto e sabedoria é não misturá-lo numa salada de frutas. Compreender o Sporting é fácil. No papel tudo é lógico, tudo faz sentido: encaixam-se os nossos corredores num fecho-éclair, cava-se um dique para impedir a passagem da bola entre os centrais e os médios... Mas depois a bola entra directa no Gyokeres e este mostra ter a intuição que derruba qualquer lógica. Enquanto os outros pensam, ele acredita. E nós, também!!!
Feliz Dia de Reis!!!
P.S. Já toda a gente sabe que o Edwards é um bocadinho como o Sitting Bull: dentro do campo é um guerreiro a atacar, mas fora dele é sossegado, não fala, apenas murmura, pelo que é mais ou menos indiferente a língua em que lhe façam as perguntas. Sugestionado por isso, o jornalista da SportTV inventou um novo dialecto. Não havia necessidade, mas acabou por ser um momento televisivo "importanting"...
Tenor "Tudo ao molho...": Viktor Gyokeres
Pedro Azevedo
Haverá certamente uma razão muito ponderosa para que, volta após volta, o Trincão esteja dentro de campo. Entenda-se a "volta" aqui como literal, na medida em que corresponde ao ciclo comportamental de cada adepto perante as suas exibições. Senão vejamos: no início, o adepto acredita. Ou melhor, quer acreditar, tem a ilusão de ver finalmente o jogador tirar um coelho da cartola. Mas, depois, com o tempo a correr, vai aceitando que é o Trincão, e não o Luis de Matos, e já se contenta com um ovo de codorniz, que um daqueles de Colombo será pedir demais. No fim, espreme-se tudo e o sumo é o equivalente ao de uma laranja seca. Desilusão. Termina o ciclo. E começa um novo, com o coelho, o ovo de codorniz e a laranja seca como parábola da legitimação da razão ponderosa através da ilusão do adepto. O que não acontece, por exemplo, com o Esgaio, sobre o qual não há ilusão, logo ciclo, embora haja uma razão ponderosa qualquer que nenhum cientista da bola ainda conseguiu descortinar para ir constantemente a jogo. Ou com o Adán, de cuja cartola só se espera que não saia um frango. Por que razão então o Trincão suscitará tanta ilusão? Só pode ter a ver com o preço que custou. E com um baixo nível de exigência. (No Sporting, o preço de aquisição de um jogador é proporcional à ilusão que cria, e esta é igualmente proporcional ao tempo de espera que o adepto está disposto a conceder para que a ilusão se concretize, pelo que, em boa verdade, um jogador caro pode andar a prometer sem concretizar desde o momento em que chega até ao momento em que parte, que haverá sempre esperança nele.)
O Sporting optou por entrar em campo com 2 laterais sem balanço ofensivo e um jogador (Trincão) sem sentido colectivo do jogo, lento de processos e que esconde lacunas técnicas graves - incapaz de orientar uma recepção, prefere sempre dar uma volta à rotunda mesmo que o trânsito esteja todo aí concentrado - em função de uma muito sobrevalorizada habilidade com a bola. E assim foi amassado na primeira parte, vítima do pressing alto da Atalanta. Novo jogo com os italianos, nova primeira parte perdida, como se nada de essencial tivesse sido aprendido desde o jogo em Alvalade. No meio de tanta inconsequência, Morita e Hjulmand viram-se e desejaram-se para encontrar linhas de passe que não fossem para trás. Contra a asfixia, valeu então Gyokeres como referência, que não só nos permitiu respirar aqui e ali como ainda protagonizou as duas únicas oportunidades de golo que tivemos nesse período do jogo, uma em espectacular jogada a solo, outra após ganhar um choque de titãs com um defensor italiano e isolar Pote. O golo bergamasco resultou de uma má leitura de St Juste, que pôs em jogo o avançado que Diomande quis colocar fora dele (Matheus também não reagiu bem, preferindo esbracejar e pedir fora de jogo). Adán não ficou isento de culpas.
O segundo tempo foi diferente, como também já havia ocorrido aquando da recepção aos italianos. Com um lateral direito ofensivo, o Sporting finalmente encontrou espaço nessa ala por onde fazer circular a bola. Acresce que Edwards rendeu Trincão e posicionou-se de uma forma mais central, a fim de servir de referência para o passe dos médios. Logo a Atalanta começou a abrir brechas, mostrando muita dificuldade em impedir as combinações que Edwards ia criando com Geny (na ala) ou Gyokeres (em apoio central ao ponta de lança). E as oportunidades foram surgindo. À segunda, Edwards marcou. E depois Pote teve duas boas oportunidades de adiantar o Sporting no marcador, a última das quais isolado e com tempo para tudo, após brilhante combinação entre Gyokeres e Morita. O japonês, à medida que os italianos iam mostrando sinais de fadiga, pôde então mostrar todo o seu compêndio de passes de primeira de grande qualidade.
Muitas pessoas interrogam-se sobre o que sucederá com Pote, que parece ter trocado os passes à baliza (logo, golo) pelos passes ao guarda-redes (logo, dolo), aos dois postes ("pasodoble") ou para fora, um tipo de passe social que não lhe era nada habitual. Se calhar a solução está numas bujardas à baliza. Só para criar a dúvida nos guarda-redes. Para que mais tarde regresse a souplesse, assim a modos como a bonança que vem após a tempestade.
Perdida a oportunidade de ganhar o jogo em Itália, a vitória do Rakow sobre o Sturm Graz qualificou-nos directamente para a fase a eliminar. Só que teremos de cumprir uma eliminatória suplementar (dezasseis-avos-de-final) contra uma equipa proveniente da Champions, o que causará mais erosão na equipa numa altura crucial do nosso campeonato e dificultará a nossa permanência na competição.
Tenor "Tudo ao molho...": Gyokeres. Edwards seria igualmente uma boa opção, mas o sueco trabalhou incansavelmente e esteve na origem de 4 das 6 oportunidades que os leões tiveram no jogo.
P.S. A saída de Matheus Nunes nunca foi devidamente colmatada. Ontem, uma vez mais, foi notada a ausência de um médio capaz de quebrar linhas em posse sob pressão.
Pedro Azevedo
Um jogo de futebol não é xadrez. Se fosse xadrez, os soviéticos teriam ganho quase sempre os campeonatos do mundo e haveria um Amorinov ou Amorinovskiy lá do burgo celebrado como o melhor treinador da história, algo que nunca aconteceu em 93 anos de Mundiais. O futebol também não é póquer, embora por vezes se especule demasiado com o jogo. Não, o futebol não se joga sentado, de cadeirinha, estaticamente de pé, ainda que o cérebro continue a ser indispensável. Sem a dinâmica de movimento, o futebol seria um jogo de matraquilhos.
O Sporting entrou a "controlar o jogo", a passo. Se ganhar, logo marcar golos, é o objectivo, o controlo de um jogo é uma daquelas figuras da mitologia do futebolês, um jargão ditatorial e difícil de explicar do ponto de vista da concepção e prática do jogo. Uma acção artificial, precária, fruto de convenções e lendas do antenho, provavelmente impingida por um Melquíades de ocasião num daqueles cursos de (de)formação de treinadores e vendida como a cura do cancro do futebol. No fundo, uma noção criada por pessoas que não conhecemos ou demos liberdade para influenciar as nossas vidas ou a vida dos nossos clubes. Uma "banha da cobra", mas que serve de desculpa perfeita para cada vez que tomamos um golo - Ah, e tal, estávamos a controlar o jogo, quando... - , pelo que importa libertar-nos dessas amarras, voltar a escolher livremente o nosso modo de agir e recuperarmos o que de melhor o futebol tem: o golo. Não há catarse com controlo - bom, talvez com Control (ou Durex) -, mas sim na celebração colectiva, na comunhão que existe quando os nossos metem um golo.
Às tantas o Gyokeres fartou-se de tanto controlo, uma vantagem de ainda não ter absorvido totalmente a cultura deste nosso futebol em que não é pedido aos jogadores que mantenham sempre um alto ritmo de jogo, o que depois se nota quando defrontamos outros clubes europeus. Então, o sueco foi por ali fora num turbilhão, ganhou a linha de fundo, contemporizou (este, sim, um jargão aceitável do futebol, que de tempo e espaço se faz um bom "association") e cruzou com precisão de relojoeiro para a entrada da área onde estava Bragança para finalizar à bala: 1-0 no marcador, que de Bragança a Lisboa (Amadora) havia 1 golo de distância ao intervalo. Aos Xutos&Pontapés.
No segundo tempo continuámos a controlar. O problema da ditadura do controlo é que encontra sempre resistências. Subversivamente, o Estrela, em três ocasiões, já havia tentado sobrevoar a nossa linha de defesa, mas nem isso nos havia feito sair da letargia. Até que sem se dar muita conta disso, apanhámo-nos a perder. Com a acção da sabotagem amadorense, o controlo descontrolou-se e agora havia que jogar à bola: entraram jogadores mais rápidos. Já se sabe que nestes momentos em que uma ditadura cai de podre, há logo um excesso de liberdades individuais. Vai daí, o Edwards pegou na bola e foi sozinho por ali fora, mandando às malvas tácticas, sistemas e ecossistemas, fintando um (duas vezes), dois, três, quatro jogadores, até visar a baliza. Um golo Maradoniano, ele também um rebelde que se revoltava contra ditaduras e tiranias. Um golo de futebol de rua, futebol no mais elevado estado de pureza. Motivado, o Edwards não ficou por aí, logo descobrindo o Paulinho isolado para um golo com (a) cabeça que nos punha de novo em vantagem. Até ao fim o Estrela não "piou" mais, embora o António Filipe tenha mostrado perceber os pássaros (como diria o Tê) num vôo a recordar o saudoso Vitor Damas. Sem dúvida um guarda-redes eclético, ou minutos depois não tivesse emulado uma centopeia e negado um golo cantado ao Trincão.
No fim, vencemos, mas de agora em diante façam o favor de controlar o jogo só quando estiver quatro a zero no marcador. Vamos à frente. Segue-se a Luz, com o pensamento de que nem sempre a luz que mais brilha é aquela que se vê. Assim haja alma. Spooooortiiiiing!!!
Tenor "Tudo ao molho...": Edwards
Pedro Azevedo
Caro Leitor, o Morita é bom demais! Tão, tão bom que justifica o epíteto de Tsubasa, ou não parecesse ele saído dos desenhos animados. À técnica soberba, notória em recepções imaculadas e numa qualidade de passe que o faz com um coice na bola descobrir um colega a 10 metros por entre uma floresta de pernas, ele alia a dinâmica que torna tão pequeno um campo de futebol que até parece caber num quadradinho de uma manga japonesa. E se BD é anime, eu não podia ter maior animação ao ver um jogador assim. Ontem deu uma assistência a Paulinho que este não podia falhar.
Outro craque em evidência foi o Edwards. A quem só falta consistência. O inglês tem dias em que me faz lembrar o Philosophy Football, o brilhante sketch dos seus compatriotas Monty Python que nos propõe um jogo de futebol entre pensadores alemães e gregos onde o alheamento da bola é total e a letargia só é interrompida quando Arquimedes exclama "Eureka!" ou Karl Marx aquece junto à linha lateral envergando um apertado fato de treino vermelho a contrastar com uma larga barba grisalha. Eu olho para o Edwards e vejo um existencialista, um ser a maior parte do tempo angustiado e à procura de respostas sobre o significado, propósito e valor da existência humana. Uma espécie de Soren Kierkegaard (terá escapado ao nosso Scouting?) do Sporting, mas com menos nome de jogador que este "ponta de lança" nascido no mesmo reino de Hjulmand. Mas quando se liberta dessa carga e só pensa em jogar futebol, o Edwards é um conto de fadas, a resposta sobre o significado, propósito e valor da existência de um jogo de futebol. Como provou ontem com um golo do outro mundo. Não deixa de ser um caso curioso.
O jogo? Uma primeira parte a todo o gás e uma segunda cheia de "conservativos", que houve Europa a meio da semana e isso no gíria dos treinadores significa controlo mal a casa do vizinho é arrombada. (Uma pergunta: será preciso a nossa ser arrombada para o Trincão ficar à porta?)
Estamos em primeiro!
Tenor "Tudo ao molho...": Hidemasa Morita
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