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A Poesia do Drible

"Um pouco mais de sol - eu era brasa, Um pouco mais de azul - eu era além. Para atingir, faltou-me um golpe d'asa... Se ao menos eu permanecesse aquém..." - excerto de "Quasi", de Mário de Sá Carneiro

"Um pouco mais de sol - eu era brasa, Um pouco mais de azul - eu era além. Para atingir, faltou-me um golpe d'asa... Se ao menos eu permanecesse aquém..." - excerto de "Quasi", de Mário de Sá Carneiro

A Poesia do Drible

23
Dez23

O Explorador dos Espaços


Pedro Azevedo

O norueguês Roald Amunsdsen liderou a primeira expedição a atingir o Polo Sul. E muitos séculos antes, ainda no tempo dos Vikings, o seu compatriota Leif Eriksson havia sido o primeiro europeu a chegar à América do Norte (Canadá). Há um gene de aventureirismo e de exploração do desconhecido nos nórdicos, algo que aliás partilham com os intrépidos marinheiros portugueses dos nossos Descobrimentos. Por isso, a chegada de Viktor Gyokeres à pátria de Gama, Cabral ou Magalhães proporcionou o contexto perfeito para uma epopeia à antiga. Porque Gyokeres é também ele um explorador, de espaços. Se o futebol é essencialmente tempo e espaço, então Viktor distingue-se pela quantidade enorme de trabalho que consegue realizar por unidade de tempo. Chama-se a isso potência, que também pode ser definida como o produto da força multiplicada pela velocidade. Ora, essa potência é aplicada maioritariamente na exploração do espaço livre no relvado, em comprimento (aquilo que agora se designa de "profundidade", como se das 20.000 Léguas Submarinas se tratasse) mas também em largura. É com a recorrente procura desse espaço que Gyokeres leva até à exaustão os seus adversários para depois melhor os desequilibrar, nesse transe mais parecendo uma jibóia que, mais do que morder instantaneamente como outras serpentes, vai progressivamente asfixiando a sua presa, sendo esse o seu "veneno". Não é à toa que desses confrontos resultem ressaltos todos eles ganhos pelo sueco. Tal fica a dever-se à sua envergadura e superior condição física, que permitem que o seu corpo consiga suportar inúmeras acelerações e mesmo forças contrárias (choques) durante um jogo de futebol, sem nunca se descompôr. Levando isso ao extremo, o que no futebol significa até à baliza adversária, quando, sem desalinhar um fio do seu cabelo no processo, finaliza com a reconhecida frieza nórdica cada uma das suas intrépidas correrias. Sempre cool, qual James Bond que vem expiar (remir) os nossos pecados do passadoComo o super-herói que efectivamente é. 

Viktor Gyokeres, a Licence to Kill!!!

gyokeres porto2.jpg

13
Dez23

Mentalidade, Cultura e Conceitos


Pedro Azevedo

Muito inteligentemente, Rúben Amorim deixou hoje subentendido não ter gostado nada da arbitragem de Guimarães. Sem o dizer declaradamente, mantendo assim a coerência, mas mostrando que fica tão revoltado no balneário quanto os seus jogadores. Contudo, o mais importante para o Sporting que retirei do seu discurso foi a declaração de que mesmo correndo o risco de os jogadores ficarem chateados com ele, vai continuar a não se referir publicamente à actuação dos árbitros. Motivo: não arranjar desculpas para o insucesso, crendo o treinador que ajuda mais dessa forma os seus jogadores. Eu que por vezes critico a titularidade de alguns jogadores e as substituições que o treinador opera, achei exemplar a forma como se referiu a este tema. Porque, sendo certo que nos últimos 40 anos, o Sporting é o clube com mais razões de queixa da arbitragem, essa realidade não pode nem deve escamotear as falhas que se observam naquilo que depende de nós. Nesse sentido, Amorim foi perspicaz em detectar esse problema e tem vindo a procurar mudar a mentalidade reinante no clube. Para que o Sporting não seja um clube de Calimeros, mas sim uma organização capaz de nos momentos certos redobrar esforços no sentido de lutar contra a adversidade e vencer, o que deve exigir uma grande união e solidariedade entre os jogadores. Ainda assim, ficará a faltar algo mais, aquele extra decisivo, que no meu ponto de vista se consubstancia na luta por uma causa. Já o disse algumas vezes no passado e assumo-o novamente: o Sporting tem um problema de cultura na sua organização, e isso está acima das competências que se podem pedir a um treinador. Falta-nos uma bandeira, a razão de nos levantarmos todos os dias e querermos superar todos os obstáculos. o porquê de aqui estarmos. O Benfica tem aquela prepotência própria de quem se considera ungido à nascença e digno de reivindicar todos os privilégios e o Porto agita a causa do Norte e da regionalização como se de um Robin Hood libertário na floresta de Sherwood se tratasse. Uns consideram-se os eleitos, acham que há regras que não se aplicam a si e têm um culto de inimputabilidade, os outros usam o "nós contra o mundo" como mote fautor de união. Ou por sentirem sistematicamente o vento pelas costas, ou por ganharem um extra de determinação ao apontarem a um inimigo, ambos ganham a motivação e confiança necessárias que em alturas decisivas lhes permitem dar um passo à frente e transcenderem-se. É exactamente esse passo que falta ao Sporting, que habitualmente claudica nos momentos decisivos. Como se não houvesse fome, vontade indómita de ganhar ou determinação superlativa. A razão principal, para mim, prende-se com uma confusão de conceitos e um défice de cultura corporativa. Querem um exemplo: eu nunca vi um presidente de um clube rival afirmar preferir dois segundos lugares a um primeiro e um terceiro lugar no campeonato nacional. Porque o Sporting nasceu para ganhar, atento o lema do seu fundador, e o sucesso desportivo é que deve desencadear o sucesso financeiro, não o seu oposto. O que é diferente de se investir num modelo económico sustentável, algo em que acredito. Mas esse modelo económico não pode depender exclusivamente da venda de jogadores, o que é um erro. Confunde-se assim o económico com o financeiro, da mesma forma que se pensa que é a vender os melhores jogadores que se vai obter o sucesso desportivo. Outra confusão incutida na mente das pessoas prende-se com a Formação: chega a ser corrente dizer-se que a Formação faz parte do nosso ADN. Nada mais errado, o que faz parte do nosso ADN é vencer, a Formação é "somente" um meio para garantir a sustentabilidade. Deve, como tal, apostar-se na Formação, o que não significa que se lancem 10 jogadores novos todas as épocas. Não, o jogador da Formação deve prevalecer sobre outro que esteja no mercado quando se considere que estão ao mesmo nível, o que infelizmente nem sempre se vê e está na origem de défices avultados. Mas sendo o Sporting um clube que nasceu para ganhar, deve sempre procurar, dentro das suas limitações próprias, os melhores jogadores disponíveis, em casa ou no mercado. Não havendo dinheiro para preencher todas as posições com 2 jogadores de grande categoria (às vezes nem com 1), então deveremos preferir os da casa. Só que é preciso não olvidar que o Sporting tem de formar a ganhar, porque ganhar faz parte do seu ADN. Por isso tenho sérias dúvidas sobre o modelo de desenvolvimento centrado no jogador. Não estamos a falar de pintos num aviário, mas sim de jogadores de futebol de uma equipa com os pergaminhos do Sporting Clube de Portugal, pelo que andar a acelerar o processo de uma série de jovens futebolistas muitas vezes só ajudará a apressar o seu desemprego. Além de se perder o foco na vitória e de em muitos casos se formatarem prematuramente os jovens jogadores de conteúdos tácticos, com o reflexo que isso depois pode ter na ausência de uma qualidade técnica distintiva, estimulação da habilidade proveniente do futebol de rua e em problemas recorrentes musculares (atente-se o caso de Nuno Mendes). Depois, também questiono como se centra um modelo no jogador, se esse jogador se desenvolve num sistema que, mais tarde, não encontra correspondência na equipa principal. Preparamos extremos que depois se têm de adaptar a interiores ou laterais, médios ofensivos posteriormente obrigados a ganhar rotação de médios de transição ou centrais não habilitados a jogar a 3. Enfim, o Post já vai longo, mas o que eu queria alertar é para o facto de haver muito a fazer no Sporting em termos de clarificação de conceitos, revolução de mentalidades e afirmação de uma cultura corporativa vencedora. E como o tempo não para e há uma decalagem evidente para a concorrência, convém avançar depressa e no caminho correcto. Caso contrário, perderemos definitivamente o comboio. [A forma como o Sporting ao longos dos anos vem encarando a participação na Europa, como se fosse a galinha que dá uns ovos de ouro e não como competições (Champions e Liga Europa) onde importa chegar o mais longe possível, é também denotativo de falta de ambição, exigência e visão de longo prazo.]

11
Dez23

Processo vs Resultado


Pedro Azevedo

Se o Quaresma não tem condições para jogar como central pela direita e é preciso adaptar o Esgaio (com o mesmíssimo resultado dos Açores, onde começámos a perder o título de 21/22), por que razão está no plantel? Se o Essugo não serve para render o Hjulmand (ou o Morita) e é necessário recuar o Pote, por que motivo não foi emprestado? Se o Trincão é sistematicamente inconsequente, por que capricho merece tantas oportunidades? Se não temos jogadores suficientes para preencher a quota do banco, ainda que lá tenham estado 2 guarda-redes, para que serve a equipa B? Qual o racional de dar uns minutos aleatórios a Tiago Ferreira ou de levar Quenda para o banco em 1 jogo? Se conscientemente trocámos o jogo de transições que nos deu o título em 20/21 por maior posse de bola, por que entrou Paulinho na Luz ("para o jogo aéreo a meio campo") em detrimento de Bragança? Se a ideia é "jogo a jogo", o que significa que o próximo jogo é o mais importante, por que razão  Hjulmand e Edwards estiveram condicionados e saíram prematuramente para evitar que apanhassem um amarelo que os eliminaria do jogo com o Porto? Que pretexto leva o Morita a jogar tão longe da baliza adversária, ele que obteve 6 golos na época passada? Não teria sido melhor o Sporting ter ido ao mercado comprar um "6" puro? Se o Sporting necessitava de um lateral/ala direito para hoje, tendo em vista o objectivo de estar na Champions milionária de 24/25 (havendo já o "handicap" de Porto e Benfica irem muito provavelmente marcar presença no Mundial de clubes de 2025, onde receberão só de prémio de presença a módica quantia de 50M€), qual a explicação para se ter adquirido um jogador que precisa de desenvolvimento (Fresneda)? Reagimos do banco em função do que se está a passar no relvado ou a pensar no balneário (não é que a gestão de recursos humanos e dos equilíbrios no balneário não seja um aspecto ponderoso, mas não pode ser tudo)? 

 

Há muitas interrogações latentes no futebol do Sporting, questões essas que passariam uma vez mais ao lado se João Pinheiro não tem tido mais uma actuação ao seu nível na cidade-berço.  Evidentemente, temos razões de queixa da arbitragem. Mas podemos optar por sermos eternas vítimas ou senhores do nosso destino. Começando por dar racional ao que fazemos, o que depende só de nós. Se falhamos nisso, de que nos queixamos? O que eu vejo é que Porro, Nuno Mendes, Palhinha ou Matheus Nunes já não moram cá, tudo jogadores em quem Rúben Amorim apostou quando nenhum outro antes viu neles valor (Porro foi comprado pelo City, mas andou cedido erraticamente, e Mendes estaria eventualmente muito verde para outros treinadores). E que, muitos milhões (165M€) recebidos depois, foram insuficientemente substituídos. E se os dois primeiros davam o balanço ofensivo de que a equipa precisava para libertar espaço para os interiores, os dois últimos eram porventura os únicos que davam sentido ao facto de o Sporting jogar só com 2 médios. Pelo que os únicos incrementos positivos face a 20/21 são o Gyokeres e o Diomande (Edwards tem números semelhantes aos de Nuno Santos em 20/21, sendo mais espectacular mas também menos consistente), com o senão de o Adán estar mais velho, o Inácio parecer ter estagnado e o Pote ter perdido o ímpeto goleador. 

 

A equipa tem um jogo eficaz e difícil de contrariar, o treinador domina o balneário e é bom comunicador. Mas entre dogmas, preconceitos e dessintonia entre as palavras e a acção prática, o Sporting continua a adiar aquilo que já deveria ter sido feito, que não deve ser escamoteado em função de uns homens do apito que em boa verdade fazem de tudo para vestir a pele do bode expiatório. Até quando? E será possível ainda assim no fim chegarmos na frente, sabendo-se que o Porto perdeu Uribe e Otávio e o Benfica já não tem Enzo e Ramos? Oxalá! 

 

P.S. Nem tudo está bem quando se ganha, assim como certamente nem tudo está mal quando se perde. O importante é sempre o processo ter lógica e ser congruente, porque durante algum tempo os resultados (bons ou maus) podem ser enganadores. 

07
Dez23

O que separa Gyokeres do Olimpo?


Pedro Azevedo

Na minha opinião, a única razão que explica o alheamento dos tubarões da Premier League em relação a Gyokeres é o seu fraco jogo de cabeça (visível, por exemplo, no segundo golo do Sporting face ao Gil). É isso que neste momento o separa de um Harry Kane ou de um Haaland, e talvez tenha sido essa lacuna no seu jogo, que o associa numa primeira leitura mais a transições do que a ataque continuado, que o afastou do radar dos grandes ingleses. A questão é se essa deficiência não pode ser corrigida. Eu penso que sim, porque o sueco tem envergadura suficiente para se afirmar no jogo aéreo. O que será necessário é um trabalho individualizado com ele, de forma a melhorar o seu posicionamento na área antes dos cruzamentos e técnica de cabeceamento. O desenvolvimento de jogadores é uma competência que nem sempre se vê no futebol profissional. Poucos treinadores a têm, pelo que geralmente esses aspectos são corrigidos (ou não) durante a formação, desenvolvendo-se o futebolista sénior apenas nos aspectos tácticos, físicos e mentais. Lazlo Boloni terá sido o último (Leonardo Jardim tinha um pouco disso, também) dos nossos treinadores com essa competênca específica, provavelmente devido à sua experiência nas camadas jovens adquirida em clubes franceses. O treinador principal tem tarefas multidisciplinares, mas o seu ênfase está mais na sistematização de um modelo de jogo e na análise dos adversários e preparação dos jogos. Mas o caso de Gyokeres merece uma atenção especial, não só pela influência enorme que já tem na equipa mas também porque a melhoria desse aspecto específico o poderá elevar para um nível estratosférico a nível europeu e não apenas nacional. Esse é o meu ponto: se corrigir a lacuna no jogo aéreo, Gyokeres poderá ser ainda melhor do que Kane ou Haaland. Quando é que o Sporting teve um ponta de lança com esse potencial? Bom, teremos de recuar ao tempo de Jardel ou de Yazalde, sendo que Jardel tinha lacunas técnicas no jogo com os pés que Gyokeres não tem e o afastaram dos grandes palcos. O Sporting tem aqui uma oportunidade única de ter um avançado que ganhe campeonatos, e não apenas jogos, precisando apenas de trabalhar o seu ponto fraco. Vamos a isso?

 

P.S. Sendo certo que o jogo leonino não pede muitos cruzamentos por alto, as bolas paradas serão sempre uma oportunidade para realçar a qualidade no jogo aéreo. 

 

P.S.2 Até agora, Gyokeres obteve de bola corrida 7 golos com o pé direito, 3 com o pé esquerdo e apenas 1 de cabeça, a que se somam 4 golos de penálti marcados com o pé direito.

gyokeres cabeça.jpg

14
Nov23

O rescaldo da Luz


Pedro Azevedo

O Sporting é a equipa que pratica o melhor futebol que se pode ver em Portugal, mérito indiscutível do seu treinador. No entanto, tal não bastou para evitar a derrota na Luz, num jogo em que ficou a 2 minutos da vitória. Parece inexplicável, mas na medida do possível vou tentar escalpelizar as razões desse insucesso. 

Para uma equipa que tem o melhor lote de centrais em Portugal, o Sporting sofre demasiados golos. Se o problema não está no centro da defesa, talvez a explicação advenha da falta de um médio defensivo iminentemente repressor, um polvo como Palhinha, e da coexistência de 2 laterais/alas que são objectivamente os pontos mais fracos da equipa, por onde geralmente entram as jogadas que mais nos ferem. Além de que o nosso guarda-redes não rende pontos como o Diogo Costa, por exemplo. 

Sendo uma equipa que constrói desde a defesa, a presença de Morita é fundamental. Jogando simples, a 1 ou 2 toques, o japonês revela uma precisão fantástica no passe que nos permite sair a jogar em segurança pelo eixo do campo. Não terá sido por acaso que a sua substituição tenha coincidido com o apagão do Sporting na Luz: sem farol, a equipa deixou de ter referências de navegação segura da bola e naufragou. 

Na frente, Gyokeres faz toda a diferença. Potente, lutador, frio na hora do remate, capaz de segurar a bola sob pressão, o sueco tem tudo. Curiosamente, outra sua qualidade, o altruísmo, veio a revelar-se prejudicial na Luz: numa ou duas oportunidades de visar a baliza, Gyokeres optou por servir os companheiros em aparente ainda melhor posição, perdendo-se assim potenciais ocasiões de golo. O Sporting teria resolvido o jogo no primeiro tempo, ou mesmo no segundo, se os restantes avançados, com Pote em evidência, tivessem usado de processos mais simples em detrimento de todo um cerimonial na hora de rematar à baliza. São inúmeros os lances deste género que se perdem na inconsequência, sem remates à baliza, e isso deveria ser objecto de estudo para rectificação. 

Finalmente, o caso do treinador. Amorim prepara brilhantemente a equipa, mas não é habitualmente hábil na hora de operar substituições. Muitos poderão dizer que à segunda-feira é fácil acertar, mas quantos não levaram as mãos à cabeça no momento em que Paulinho entrou para 8, rendendo Morita? Vi o jogo rodeado de amigos Sportinguistas e não houve um único que não tivesse revelado incómodo com essa troca, estando Daniel Bragança no banco e necessitando a equipa de esconder a bola e assim gerir melhor os derradeiros momentos do jogo. É que os últimos momentos de um jogo deste tipo, entre duas boas equipas, em que se está a ganhar não são para jogar, são sim para gerir, com bola. Escondendo-a, trocando-a entre os nossos jogadores, ganhando faltas no aproveitamento do desespero do adversário. Adicionalmente, o Sporting nada ganhou com a troca de Edwards por Trincão: não resistindo ambos a hibernar por longas períodos durante um jogo, ainda assim o inglês possui um timing de passe que o português não tem, revelando-se muito mais perigoso, consequente e acutilante nas suas acções, especialmente tendo espaço nas costas da defesa adversária para explorar, o que se antevia ser o caso a partir do momento em que o Benfica teria de apostar todas as fichas. 

Estas são as razões que me ocorreram,.Tem a palavra o Leitor para acordar, discordar ou acrescentar o que lhe aprouver. 

20
Out23

Sistemas e Dinâmica


Pedro Azevedo

A interpretação do que ocorre num jogo de futebol é essencialmente uma questão de sensibilidade. O que acontece muitas vezes é que o adepto observa o jogo com tanta emoção que depois escasseia o espaço para a razão. Olha, mas na verdade não vê. Porém, o futebol não é propriamente ciência de foguetões, sendo o seu entendimento acessível à maioria das pessoas. Mesmo que se invoque que para perceber este fenómeno que apaixona tanta gente é preciso ter estado lá dentro a jogar profissionalmente, em defesa dos "treinadores de bancada", como eu, devo dizer que para se ser jóquei não é absolutamente necessário ter-se sido cavalo anteriormente. Graças a Deus. Nesse sentido, vou atrever-me seguidamente a fazer aqui algumas considerações sobre o jogo. Da forma como eu o vejo. 

 

Todos os adeptos entendem o que é o sistema táctico, e isso é hoje vox-populi e ponto de partida para as conversas sobre o jogo. Mas uma coisa é o sistema, outra são as dinâmicas do mesmo. Não me refiro somente ao movimento individual dos jogadores - Alfio Basile, antigo seleccionador argentino, dizia que punha as suas equipas sempre bem no campo, o problema é que depois os jogadores moviam-se -, mas sim à estratégia colectiva inerente a essas movimentações. Por exemplo, no Sporting é comum o Pote procurar a largura mais do que se esperaria de um interior, com o objectivo de assim fixar o lateral adversário. Quando o nosso jogador actua sobre a esquerda, isso visa libertar o Nuno Santos, um homem raçudo e hábil nos passes de letra e de trivela mas paradoxalmente sem grande criatividade no 1x1, para que este possa ter espaço para cruzar sem oposição. Ou seja, introduzindo uma pequena nuance, procura-se colmatar uma lacuna individual - é o todo a superiorizar-se à soma das partes. Obviamente, nesse momento em que o Pote encosta à linha, o Sporting dispôe-se mais em 3-5-2 do que no anunciado 3-4-3. Outro exemplo é o da Selecção do senhor Roberto Martinez. Muito se tem falado de o treinador ter abdicado nos últimos 4 jogos de um terceiro central em detrimento de mais um médio. Porém, se virmos bem, em construção desde trás o treinador não prescinde de um terceiro homem, descendo Palhinha (ou Danilo) para fazer essa função. Assim, pode dizer-se que a equipa ataca em 3-4-3, e não no 4-3-3 que as características dos jogadores porventura sugestionaria. Enfim, não me vou alongar neste post sobre o tema, mas parece-me que em Portugal se fala muito de sistemas e pouco de dinâmicas, sendo disso cúmplices os adeptos, comentadores, jornalistas e os próprios treinadores, estes últimos a quem caberia a pedagogia. É que futebol estático só mesmo nos matraquilhos...

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18
Out23

Realidade, percepção e aprendizagem


Pedro Azevedo

O Sporting começou a época de 2023/24 de uma forma natural para um concorrente ao título de campeão nacional, o que não quer dizer que isso não marque a diferença para várias outras temporadas em que estivemos longe de estar à altura da nossa ambição. Agora, o que não me parece bem nesta conjuntura positiva é que haja correntes extremas que se andem a degladiar por aí como se o presente fosse um mar de rosas e o passado todo um fado triste, ou como se o presente fosse uma desgraça e o passado é que "era" (bom). Vamos ser realistas, a grande diferença do Sporting desta época para a anterior tem um nome: Gyokeres. O resto dos reforços ainda não convenceu na plenitude, o que coloca a legítima questão se foi investimento ou gasto. Além de que a aposta na Formação estancou, não se sabendo se por falta de qualidade - o que põe em causa o projecto da "Formação centrada no jogador, o holístico e assim..." - , se por não aposta do treinador. O que eu sei é que as duas melhores época recentes do Sporting no binómio custo/rendimento desportivo foram a de 2013/14, com Leonardo Jardim, e a de 2020/21, com Rúben Amorim. E sei também que em ambas as expectativas iniciais estavam baixas, por isso lançámos vários jovens e tal trouxe uma suave brisa a Renascimento. Depois, em ambas as eras, perdeu-se um pouco o rumo. Poderíamos (e deveríamos) ter ganho em 2015/16, e muito haveria a dizer sobre isso, como poderíamos ter ganho em 2021/22, mesmo com um goleador associativo, se não tivessemos adormecido e dado parte de fraco nos Açores e sido indecentemente prejudicados em Alvalade com o Braga e no Dragão. Mas, depois, nos anos seguintes, o que ocorreu? Em 2016/17 e 2022/23 tivemos das piores temporadas de que me recordo no Sporting, com orçamentos elevadíssimos, contratações que todas somadas apontaram para valores milionários e um rendimento em campo muito fraco. E sem aposta nenhuma na Formação (os poucos minutos conferidos a jovens foram como um cortinado que depois de corrido não esconde a visão do essencial). Ou seja, tudo ao contrário do que deveria ser. 

 

Não se pode reescrever o passado, excepto para alguns escribas, mas deve-se lê-lo e, se possível, aprender com ele. Além de que tudo poderá correr melhor se formos esclarecidos e tivermos a exacta noção do que existe: nas duas últimas épocas, entre um saco de reforços,  destacam-se no actual plantel os jogadores Diomande, Morita e Gyokeres. E há 4 traves mestras em atletas como Coates, o Grande Capitão, Pote (mesmo quando não em forma tem uma leitura do que o jogo pede superior), Gonçalo Inácio e Nuno Santos. Todos os outros são como as luas, inclusivé o por vezes genial Edwards. Obviamente, há lacunas, as mais gritantes a ausência de um médio box-to-box para jogar com Morita, agora que este teve de recuar no terreno para compensar a ausência de um Ugarte ou de um Palhinha, e um lateral/ala direito que nos faça esquecer o Porro. 

 

Se estamos onde estamos, muito o devemos aos jogadores que supracitei, permitindo-me eu destacar aqui a qualidade de recepção ou do primeiro toque do japonês, um fenómeno de 3,5M€, e a potência e definição do sueco, um jogador caro que nos saiu muito mais barato do que aqueles baratos que saem caro, o que só concorre para demonstrar que nem sempre o dinheiro é significado de qualidade/felicidade (mas ajuda muito). O que vai acontecer daqui para a frente, ninguém sabe. Mas é crível que possa não correr muito bem, atendendo às limitações que aqui não escondo ou olvido, se continuarmos a usar as vitórias, uns, ou as derrotas, outros, para exercícios de revanchismo que, da maneira que se vê a cultura desportiva neste país, podem atrair muitos interessados, mas sinceramente de nada servem ao Sporting e à sua equipa de futebol. 

 

O Sporting precisa de ganhar. E necessita também de adeptos conscientes, que não se deprimam nas derrotas e não beijem a lua nas vitórias. Só assim podemos vencer, aproveitando o pior Porto de que tenho memória e um Benfica que contratou muito mas não com o perfil certo. Assim, as nossas limitações não deslustram das dos rivais, se exceptuarmos a questão da profundidade do plantel, aspecto onde a sobrecarga de jogos pode influir em nosso desfavor. Lá está, podemos pôr um miúdo na equipa principal aos 16 anos e disso recolher loas de Seca e Meca, mas no final do dia o importante teria sido que esse jogador tivesse tido um crescimento sustentado em número de jogos e de minutos em campo. Porque um chavão não deve ser só um produto de marketing, tem de ter substância. Caso contrário não passará de um arrazoado mal cosido de conceitos tão extremos como holístico e individual, mais caro o primeiro do que o segundo. se bem que caro mesmo é não querer perceber que não se educa um jogador do Sporting a perder, e que nunca haverá um todo superior à soma das partes, se o todo for revolucionado todas as semanas. Assim, sem segmento afluente que chegue lá, estamos restritos ao que temos. E terá de ser com esses que iremos até ao fim. Esperando que os nossos melhores não desfaleçam em combate, porque deles, e do nosso apoio, dependerá muito do sucesso ou insucesso desta época. O resto (o ruído) são tretas (perdoem-me a expressão), logo uma tremenda perda de tempo. (O tempo é a mercadoria mais importante nas nossas vidas.)  

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22
Set23

Ponto de situação


Pedro Azevedo

Ao fim de 6 jogos começo a formar as primeiras ideias em relação à época. Aqui as deixo, para discussão: o Gyokeres é o tipo de jogador que encanta um adepto, mas falta o passo seguinte que será vir a encantar, e nesse sortilégio transformar, o resto da equipa. A meu ver, o sucesso da temporada dependerá muito disso, sendo certo que faltam jogadores do meio campo para a frente com andamento para o acompanhar e não deixar espaços para transições. Por isso a equipa joga um pouco aos solavancos. Isso, por si só, não é negativo. Por exemplo, na saída de bola por vezes adormece-se o adversário até a bola chegar ao ponto que queremos, onde se irá acelerar o jogo. Ou seja, o abrandamento é puramente estratégico. Mas eu falo de outra coisa, da aceleração estar feita e depois não haver quem a acompanhe e conclua. Quer dizer, Matheus Nunes e Palhinha seriam 2 jogadores ideais para fazerem companhia a Gyokeres, um no apoio directo, outro no posicionamento ideal face à eventual perda de bola. Não podendo ser, creio que a equipa perde muito ofensivamente quando o meio campo é formado simultaneamente por Hjulmand e Bragança. Não porque sejam maus jogadores, longe disso, e o Morten até tem um passe vertical raso que é do meu particular agrado, mas devido a estarem num comprimento de onda diferente. Nesse sentido, para mim, Morita tem de jogar sempre, porque ele consegue meter-se entre-linhas e aparecer na cabeça da área. Se com o dinamarquês ou o português, dependerá das características dos adversários e do momento de forma de cada um. Aliás, até defensivamente se nota que com o Daniel e o Morten não há quem ataque o portador da bola, são jogadores que procuram preencher o espaço, ao passo que o japonês consegue ser minimamente eficiente (menos que Ugarte e muito menos que Palhinha, obviamente). Outro caso que me parece carecer de solução tem a ver com a alternativa de jogo directo. Esse é na maioria das vezes lançado atrás, nos centrais. Ora, o central mais bem posicionado para o fazer, logicamente o do meio, é, curiosamente, aquele que tem menos precisão no passe longo. Seria substancialmente melhor se tal missão fosse conferida a Inácio (Diomande é mais de sair com a bola em posse), mas Coates é o capitão e não pode jogar em qualquer outra posição porque ficaria desprotegido por falta de velocidade. Isto cria um dilema difícil de solucionar, dada a relevância de Coates enquanto líder e o seu bom aproveitamento nas bolas paradas. Depois, e ainda voltando a Gyokeres, o que é que ele nos traz além da energia? Bom, ele não só desce no apoio como sobe na profundidade, e essa segunda dimensão do seu jogo torna-o mais relevante do que o Paulinho, por exemplo. Para lá da profundidade, o sueco acrescenta ainda largura, uma terceira dimensão do seu jogo, aquela com que porventura o público se identifica mais e maior desgaste provoca nos centrais oponentes. Só que aqui encerra-se um outro dilema: como o Gyokeres não tem o dom da ubiquidade (mas é quase omnipresente), se está numa ala não está no centro da área, ficando assim mais longe do golo, ele que é o melhor finalizador entre os pontas de lança da equipa (a quarta dimensão do seu jogo). O problema é que não só são importantes os golos de Gyokeres como a desestabilização que as suas deslocações laterais suscitam nos adversários. E porquê? Porque se Gyokeres ficar muito fixo, a dinâmica da equipa perderá bastante. A não ser que Afonso Moreira ou Geny Catamo se afirmem como interiores, mas Amorim pensa neles como alas. Porque Edwards e Trincão são ambos de vir de fora para dentro e não baralham marcações como o sueco que vem de dentro para fora, de fora para dentro e acima e abaixo. Uma coisa é certa, ninguém no actual plantel alia a capacidade física ao instinto matador patentes no primeiro golo do Sporting na noite passada. E isso suscita a dúvida, alicerçada num rácio de aproveitamento de oportunidades incomparavelmente superior ao de Paulinho, se não seria melhor para todos (ele e equipa) jogar no meio e não bascular tanto.

 

Enfim, estas dúvidas que aqui deixo são apenas reflexões ou inquietações de um adepto. Apesar disso, não tenho dúvidas de que estamos mais fortes que na temporada passada. Mas sinto que ainda falta algo para podermos sonhar com o título de campeão nacional, talvez o crescimento e maturação de alguns jovens, porventura uma melhor ligação vertical (meio campo vs ataque) e horizontal (interiores vs ponta de lança) no relvado. Fundamentalmente, seria frustrante acertarmos tanto numa contratação (Gyokeres) e dela não tiramos o melhor partido. Falo mais do ponto de vista colectivo do que no respeita ao desempenho individual do sueco. Porque este por vezes ainda parece um corpo estranho numa equipa que desmembra-se amiúde com as suas movimentações de procura de profundidade ou de largura e acaba por dar espaços no centro do terreno para um jogo de transições (o golo do Sturm Graz, ainda que a profundidade tivesse sido solicitada a Geny e não a Gyokeres, é disso paradigmático). 

22
Ago23

Schmidt e a "Táctica do Canguru Perneta"


Pedro Azevedo

Há uma corrente de opinião que defende que um treinador deve estabelecer o sistema táctico a partir das características dos jogadores que tem à disposição. Porém, muitos treinadores são fiéis ao sistema táctico da sua predilecção, independentemente dos recursos disponíveis. Nesses casos, ficam dependentes da forma como correr o mercado: se tiverem a última palavra sobre as contratações e o mercado correr bem, então os resultados serão satisfatórios; se a Direcção é que contrata, não há dinheiro para satisfazer os pedidos do treinador e vai-se apostar em segundas linhas, ou o treinador engana-se no perfil dos jogadores, então os resultados serão menos bons. 

 

Uma situação diferente das consideradas em cima é a que se está a passar esta temporada com Roger Schmidt. A viver o que parece ser uma crise de abundância(!), o treinador mostra-se de tal forma focado naqueles que lhe parecem ser os seus onze melhores jogadores que não teve pejo em afastar dois laterais esquerdos para nessa posição encaixar o polivalente Aursnes, salvaguardando assim no processo a titularidade de João Mário. A opção é curiosa, aceita-se, mas, independentemente da gestão de balneário relacionada com a motivação dos jogadores preteridos, levanta questões sobre a dinâmica global da equipa. É que uma ala esquerda composta pelo norueguês e o irmão de Wilson Eduardo está condenada a não assegurar a profundidade, ficando o Benfica manco em campo. Mais, com Di Maria, no lado contrário, também a vir para o meio, Bah será verdadeiramente o único jogador capaz de procurar a linha de fundo. A não ser que o argentino passe para o meio, Rafa bascule para a esquerda, entre Neres no Onze e Schmidt se decida definitivamente entre Aursnes e João Mário. Caso contrário estou em crer que esta época teremos um Benfica disposto no campo como um canguru perneta, procurando saltar ("queimar") sequencialmente linhas sucessivas em posse através do jogo interior e a alimentar-se em excesso da bolsa marsupial fornecida quase em exclusivo pela velocidade de Rafa para ousar dar saltos mais significativos. 

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