Tudo ao molho e fé em Gyokeres
Faca na liga
Pedro Azevedo
Começo por escrever que tenho um desprezo pela Taça da Liga semelhante ao que possuía por aqueles antigos concursos da função pública que ao longo dos anos fomos lendo que eram formatados para favorecerem uma pessoa ou entidade específicas. Nesse sentido, a Taça da Liga é o paradigma da falta de vergonha, uma fraude. Porque de Taça nada tem, na medida em que ao longo dos anos lhe foi sendo subtraída a possibilidade de um imprevisto, sortilégio tipo "tomba gigantes" praticamente só reservado para a bisavó Taça de Portugal . Ou quase, se considerarmos que, nos actuais moldes, a Final 4 poder contemplar qualquer clube além de Sporting, Benfica, Porto e Braga seria o equivalente futebolístico à ocorrência de um terramoto em Portugal semelhante ao de 1755. E como se a extinta fase de grupos não fosse já suficientemente ultrajante, na medida em que beneficiava os acima referidos clubes com o jogo teoricamente mais difícil a ser jogado em casa, esta época optou-se por uma "inovação" - não basta à Liga o Choupana Quibir - que diminuísse ainda mais a ínfima (mas ainda assim possível, como o passado o provou) probabilidade de um Moreirense ou de um Vitória atingirem a fase decisiva: uns quartos de final disputados em casa dos 4 clubes do costume, seguindo-se a Final 4. E assim uma Liga que actualmente contempla 34 clubes (excluídos Porto B e Benfica B) nas suas duas primeiras divisões (mais 18, excluindo Sporting B e Braga B, na Liga 3) tem uma Taça disputada por 8: uma caça à receita ao arrepio das mais elementares regras de equidade e integridade das competições. Ou seja, isto não é uma Taça da Liga, isto é andar no futebol de faca na liga, que os meios hão-de justificar os fins de alimentar os cofres à Liga e de reduzir o número de jogos aos Grandes. Mas os clubes no geral parecem gostar, que depois há um mecanismo que os compensa financeiramente por fecharem os olhos a semelhante atropelo do que deveria ser uma competição, algo impensável em países que o senhor Proença diz querer seguir, como Espanha, Alemanha ou França (que extinguiram o torneio por falta de datas) ou Inglaterra, onde ainda é hoje disputada com jogos a partir dos 64 avos de final e sorteio não condicionado. Enfim, Portugal não seria Portugal sem o truquezinho, esperteza saloia que depois vendemos ao mundo como se de um grande rasgo, de um ovo de Colombo se tratasse (ainda que toda a gente saiba que Proença e Colombo não combinam nada bem)...
Bom, mas a competição, ainda que bizarra ou surreal, existe. E, como tal, não pode ser ignorada. Quer dizer, deveria ser ignorada, nem que fosse para que quem dirige pudesse entender que não vale tudo, mas, como não o é, A Poesia do Drible vai ter de escrever o devido sobre o que não devia. Se bem que na seguinte versão resumida: se o Quenda definisse melhor (e, fora isso, ele até jogou bem), o que seria pedir demais ou altamente improvável nas suas imberbes 17 primaveras, teríamos chegado ao fim da primeira parte com mais 3 golos, o que mitigaria o facto de o Trincão não ter jogado durante 90 minutos e só se ter dado, infelizmente, por ele na marcação de pontapés da marca de grande penalidade. Ainda assim, sem Pote nem Morita (nem mesmo o seu substituto natural, Bragança) e com menos 1 em campo desde o apito inicial do árbitro, o Sporting bateu-se meritoriamente, dedo inequívoco do seu treinador e da atitude dos seus jogadores. Pena foi que Geny pouco tenha ajudado Quaresma ou que na hora decisiva não tenhamos tido um guarda-redes perito em defender penáltis, como o Renan ou o Patrício no passado. Porque, de resto, o Benfica nunca nos foi superior. E se nem conseguiu ser melhor a jogar contra uma equipa de remendos e com um treinador que ainda nem teve tempo de treinar o sistema e as suas dinâmicas no relvado, então está finalmente descoberta a utilidade, a razão de ser desta Taça da Liga: mostrar que o "rei", "o Benfica somos todos nós", vai nu. E, como "bom português", vai continuar a invejar e a não poder ver à frente quem vista uma camisolinha lavada, no nosso caso verde-e-branca (e negra, também, que para o nosso marketing o Dia de Finados é quando o homem Sportinguista quiser).
Tenor "Tudo ao molho...": Hjulmand