Mens sana in corpore sano…
Pedro Azevedo
No futebol, como na vida, coabitam santos e pecadores. Todavia, já dizia o Oscar Wilde, todo o santo teve um passado e todo o pecador terá um futuro. Nada na vida é definitivo, a não ser a morte e os impostos, e isso no futebol traduz-se em duas frases lapidares de autores diversos como Pimenta Machado ou Ruben Amorim, o primeiro sentenciando que no futebol "o que hoje é verdade, amanhã é mentira", o segundo esclarecendo que quanto à forma das equipas "as coisas mudam muito depressa".
Aos olhos de hoje, a saída extemporânea de Amorim do Sporting foi prejudicial para ele, clube e também para o Manchester United. O que acontecerá amanhã, não sabemos, teremos de esperar para ver. Podemos porém recuar ao passado e daí tirarmos algumas lições. Por exemplo, a saída de Malcolm Allison do Sporting conduziu o clube a uma espiral de troca de treinadores que se reflectiu em 18 anos sem conseguir vencer o título máximo em Portugal. Porque Big Mal era um técnico sagaz e de personalidade extravagante, que a todos (jogadores e adeptos) marcou e até contagiou. Um treinador assim marca de tal forma que quando sai é como se o sol se fosse embora. Deixa saudades, e esse sentimento perpetua-se na medida em que se vai enraizando nos adeptos todos os dias e agita-se de noite como um fantasma para os treinadores que lhe sucedem. Pelo que talvez a sua sucessão não possa ser feita por um treinador normal, mas sim por um psicólogo. Ou, por outras palavras, por um treinador cuja competência principal seja saber mexer com a cabeça dos seus jogadores. Um Brian Clough dos dias de hoje, por exemplo, treinador que levou o Derby County e o Nottingham Forest da segunda divisão ao título máximo inglês, com o "plus" de no Forest ter vencido duas Champions. Clough que era tão palavroso quanto Allison - também campeão inglês pelo Manchester City enquanto "Coach", com Joe Mercer como "Manager" - , ambos partilhando o gosto por agitar as águas, pelo mediatismo, como se a pressão para eles não existisse (assumindo-a e assim retirando-a dos seus jogadores) e só se sentissem confortáveis tendo todo o protagonismo. No presente, existem duas soluções de perfil semelhante, uma a trabalhar (Mourinho, Fenerbahçe), outra em descanso sabático (Klopp, mais contido na trica, mas com igual gosto pelos holofotes). Não custa tentar...
Outra lição do passado é que este nunca se repete de forma exactamente igual. Amorim pensou que iria pegar no United nas mesmíssimas condições que apanhou o Sporting e viu isso como um risco baixo que potenciaria as suas probabilidades de sucesso. Creio que se equivocou porque sendo as circunstâncias semelhantes, os contextos são totalmente diferentes. Assim como o Sporting sente presentemente a sua sombra tutelar, o Man U tem saudades do tempo de Sir Alex Ferguson. E essas saudades criam erosão a cada novo treinador, que perde sempre na comparação, algo visto anteriormente durante os 26 anos que mediaram o último título de Sir Matt Busby (1967) e o primeiro campeonato ganho por Ferguson (1993). Pelo meio, o United triturou "n" jovens promessas de treinador e mesmo outros consagrados. E só não aconteceu o mesmo a Ferguson porque este havia já vencido uma Taça dos Vencedores de Taças (contra o Real Madrid) e uma Supertaça europeia (face ao Hamburgo), o que lhe deu 7 vidas (ou 7 anos de vida) para se manter no cargo, com outra Taça dos Vencedores de Taças conquistada (1991) para ajudar. Ora, Amorim não tem propriamente um consistente currículo europeu que o sustente, ainda que os brilhantes fogachos contra Tottenham, Arsenal e City tenham chamado as atenções de clubes da Premier, e do United em particular, para si. Acresce que o clube é actualmente administrado por americanos que não têm a cultura inglesa de dar tempo às colheitas para provar que a sementeira foi boa. Talvez por isso, mesmo não tendo sido campeão, Mourinho é até hoje o único treinador que se aproximou do sucesso de Ferguson no United, com um segundo lugar no campeonato e uma Liga Europa no seu palmarés. Ainda que em evolução constante, como o prova as alterações de nuances e comportamentos que foi promovendo na forma de jogar do Sporting, Ruben Amorim vive ainda uma fase de experimentalismo que precede a sua maturação total enquanto treinador. Resistirá assim ao tremendo desafio que tem pela frente, ainda que o seu carisma seja indiscutível? E de que forma a sua boa comunicação contribuirá para a manutenção no cargo, sabendo-se que parte poderá ser "lost in translation"?
E o Sporting, que é o que mais nos interessa, como resolverá o presente imbróglio? Irá pretender continuar a replicar o sistema táctico que Amorim implementou em Alvalade enquanto sua propriedade intelectual ou compreenderá definitivamente que uma equipa de futebol é composta de complexidade, porque formada por uma diversidade de indivíduos que extravasa as componentes tácticas, técnicas e físicas e tem na mente a grande chave do sucesso? Mens sana in corpore sano...