Complicar o que é simples
Pedro Azevedo
Ao contrário do jogo de rugby, que é iminentemente estratégico e se assemelha a uma guerra, onde não faltam até às 3 armas do exército - artilharia, no chuto aos postes e pontapés tácticos; infantaria, nas melées, moules, rucks e scratch em geral; cavalaria, quando avançam, a flanquear as colunas, os três quartos - o jogo de futebol é extremamente simples na sua génese. Mas também é o mais democrático, com regras que permitem mais facilmente a um David enfiar uma fisgada num Golias e uma exposição maior ao acaso (aquilo a que chamamos sorte ou azar). São as regras, e não tanto a estratégia, que promovem uma maior equilíbrio entre os contendores, permitindo tácticas como o antigo "catennaccio" que seriam improváveis de pôr em prática numa modalidade como o rugby. O que não quer dizer que uma boa organização no fim não faça toda a diferença, atenuando assim a diferença de valores entre os jogadores das equipas em disputa. O que me parece no futebol actual é que os jogadores estão demasiadamente amarrados a tácticas e não conseguem extrair todo o sumo que têm dentro, ao contrário do que vejo no rugby, onde o espectáculo é maior e há motivos constantes de vibração nas bancadas. Estarão os treinadores a matar o jogo de futebol, não libertando os craques que podem fazer a diferença? E estará esse factor na origem de cada vez menos vermos talento natural em campo? É normal que nos escalões mais precoces da Formação se peça a miúdos para não fintarem, não procurarem o desequilíbrio em nome de uma organização de todo desenquadrada com as características que deveriam desenvolver nessa idade? Depois não nos admiremos que o jogo fique completamente robotizado (como se viu no Euro), na medida em que "sábios" muito pouco conhecedores estão a levar o futebol para essa dimensão mais própria da máquina do que do Homem, dando assim razão a Aldous Huxley no seu Admirável Mundo Novo. Escravos da parafernália táctica, que transforma simplicidade em complexidade, o futebol caminha no sentido de não ter heróis. Neste novo-normal o importante é sempre o colectivo, como deveria ser numa empresa ou na sociedade em geral (que no entanto tendem a respeitar a idiossincrasia de cada indivíduo, por via dos seus direitos ou da meritocracia). Contudo, talvez nos estejamos a esquecer de que o futebol é emoção e que a atração tamanha que exerce no espectador está na proporção directa do eco dos feitos dos heróis dos estádios. Já não há heróis?