A Paixão
Pedro Azevedo
Sempre me atraíram os artistas, os burocratas do jogo enfastiam-me. Bem sei, é preciso correr, mas para ver velocidade pura eu sigo os americanos e jamaicanos nos 100m e para resistência nada como os quenianos ou etíopes, agora que o último que lhes ganhou (o campeoníssimo Carlos Lopes) goza a merecida reforma. Pelo que, para mim, futebol é arte. Não me passa ao lado um Makélélé, mas o meu coração bate mais depressa quando rebobino umas cassetes e me ponho a contemplar a classe de um Fernando Redondo. Ou de um Paulo Sousa, o último operário genial. Contra o "ruído" da espuma dos dias, agradam-me os "unsung heros", os Matt Le Tissier desta vida, puro génio num corpo que dificilmente se poderia enquadrar no de um atleta dos dias de hoje. Homens como David Ginola ou Eric Cantona, que nunca se reviram na personagem de "role model" para a juventude, uma idiotice estimulada por pais que se demitem do seu papel de educar os seus filhos e querem ver em ídolos pop os princípios que nunca cuidaram de passar. Por isso, sem hipocrisias, adoro o Maradona, um tipo inteligente e que via tudo muito antes de qualquer outro num campo de futebol. Pensava primeiro e raciocinava melhor. E depois executava como ninguém na história do jogo. Mesmo lesionado e com uma bota feita à medida do inchaço num pé, como aconteceu naquele Argentina vs Brasil em que mandou os canarinhos para casa, qual carteiro com uma encomenda de correio azul (e branco) numa desenfreada gincana em hora de ponta com o fim de entregar um presente ao seu amigo Caniggia. Como gosto do Balakov, que passou ao lado dos holofotes e não me enganou desde o primeiro jogo que lhe vi ao vivo (apresentação contra o ETAR Trnovo). Esses são alguns daqueles que me fazem gostar de futebol, o resto entendia-me de morte. Por isso, aquela ideia de ganhar a qualquer preço ou com meia bola e força nada me seduz. Primeiro, por aquilo que deve ser a integridade do jogo, depois porque valorizo o estilo. Também porque detesto fanatismos e a estimulação que é feita disso à volta do jogo. Não basta ganhar, é preciso cativar. Sobre isso não tenho qualquer dúvida, desde logo porque as fundações da minha paixão pelo futebol têm a ver com a bola (que pode ser rompida, mas nunca corrompida) e com os grandes jogadores, os mestres que a tratam por tu, a acariciam e adestram, como se, nesse transe, bola e jogador fossem um só e a bola se fundisse como se cosida no pé do craque. Isso, sim, vale o bilhete para a "bola". O resto, o clube do nosso amor - e reparem que escrevo isto no Dia dos Namorados -, obedece só ao desejo natural e humano de fazermos parte de algo bem mais importante e maior do que a nossa própria individualidade ou existência. É a nossa tribo, e isso é muito bom, mas não é tudo.