A Champions no hóquei
Pedro Azevedo
O Sporting venceu a Champions de hóquei em patins e cumpre-me escrever algo sobre o assunto. Começo por dizer que o hóquei exerceu um grande fascínio em mim enquanto criança. E tal resultou do sortilégio da rádio. Sim, porque ouvir o hóquei foi um dos raros casos em que a percepção da realidade suplantou a própria realidade que eu mais tarde vi nos pavilhões. Ou seja, o hóquei resultou melhor para mim na rádio do que ao vivo. Talvez porque raros são os ringues de piso suficientemente claro para se ver a bola, que esta talvez devesse ser fluorescente para que a sua trajectória pudesse ser acompanhada. E se a bola não pode ser acompanhada, então só deve ser imaginada, razão pela qual a ausência de visão sublima todos os outros sentidos e realça o papel da rádio. Eu juro que em menino, ao ouvir os relatos, conseguia perceber quando a bola ia à tabela, batia no ferro de uma baliza ou era defendida pela luva do guarda-redes. Porque o som era diferente em cada ocasião, e isso também ajudava a criar uma percepção. E depois havia relatadores como o Fernando Correia e o Jorge Perestrelo (sim, os seus primeiros relatos desportivos em Portugal foram de jogos do Sporting de Tomar) que davam uma cor ao jogo que eu raras vezes observei em pavilhões. A não ser quando o Chana e o Livramento coexistiram no Sporting e o jogo para mim tornou-se um bailado de alto nível e digno de um Nureyev ou uma Fonteyn. Jamais voltei a sentir essa sensação, embora ainda tenta acompanhado de perto as duas gerações seguintes, a primeira do Realista, Cenoura e especialmente do Trindade - o que mais perto esteve do virtuosismo dos meus ídolos do passado, aqueles que com Ramalhete, Rendeiro e Sobrinho trouxeram para Portugal a primeira Taça dos Campeões europeus - , a segunda composta por Paulo e Pedro Alves, Paulo Almeida e Vitor Fortunato. Depois, o hóquei acabou no Sporting e eu também desliguei-me da modalidade, sentimento exorbitado pela constatação de que afinal o hóquei não era global e mesmo em Espanha era mais um costume da Catalunha e pouco mais (na Corunha havia uma equipa de topo), em Itália não merecia mais do que um par de linhas na prestigiada Gazzetta dello Sport, um tipo literal de imprensa cor de rosa que ainda hoje é o único no género que leio. Bem sei, depois o hóquei voltou ao clube, com o Gilberto Borges e o Bruno, tivemos um sobrinho do Paulo Alves como estrela enquanto andámos a comer o pão que o diabo amassou (não foi como no futebol feminino ou no futsal, onde o Benfica começou quase por cima) e mais tarde chegou até nós um guarda-redes tão carismático quanto por vezes desabrido, chamado Girão. E soube que começámos por ganhar uma Challenge ao Réus (um daqueles nomes míticos do hóquei, tal como o Voltregá) e, mais tarde, uma segunda e terceira Champions. Chegou agora a quarta, assente na genialidade entre os postes do Girão e na precisão de relojoeiro do João Souto, que achei um piadão também copiar os festejos do Gyokeres. Está de parabéns a secção do hóquei e o Sporting, é mais uma taça europeia para o nosso museu e um novo título que nos afirma entre as 3 maiores potências desportivas europeias, ecleticamente falando. Mas o hóquei precisa urgentemente de se reinventar, de mudar ou enfrentar a extinção. Tendo já perdido uma grande oportunidade (J.O. Barcelona), não resta muito tempo para lhe ser dado o impulso necessário que o tire de um semi-anonimato crónico, desde logo porque até em Portugal muitos desportos se desenvolveram e lhe retiraram protagonismo.