Tudo ao molho e fé em Gyokeres
Não há Estrela(s) no Céu
Pedro Azevedo
Rúben Amorim trouxe o sistema de 3-4-3 para Alvalade. Os laterais (Porro e Nuno Mendes) tornaram-se alas, ofensivamente incorporando-se no meio campo. Pontualmente, recordo-me da recepção ao Gil Vicente, era necessário ainda mais balanço atacante nos minutos finais dos jogos e a equipa chegou mesmo a jogar em 3-2-5, ressuscitando o WM que Herbert Chapman criou para o seu Arsenal, o sistema dos Cinco Violinos que com Cândido de Oliveira ganhou nuances de 4-2-4 com o recuo de Travassos para organizar o jogo (e a descida de um médio para o sector defensivo), a forma aliás como a Hungria, de Puskas, Kocsis e Hidegkuti, surpreendeu a Inglaterra, em Wembley, naquele que foi considerado o Jogo do Século (3-6). Na sua última época, Amorim evoluiu o seu sistema, usando alas que eram no fundo extremos, aproximando a equipa ofensivamente do tal 3-2-5 (WM). Mas o Rúben saiu, a tentativa de João Pereira de introduzir um losango no meio campo revelou-se um paradoxo trágico-geométrico e Rui Borges chegou com o seu 4-3-3, que tinha Trincão como terceiro médio e até entusiasmou quando o Sporting deslocou-se a Vila do Conde. Só que se o plantel já era curto para dois médios, com três mais curto ficou. Com a erosão causada pela falta de rotatividade, um a um, os médios foram caindo em combate, pelo que foi necessário criar um novo sistema. E é aqui que as opiniões divergem: enquanto para uns regressámos ao 3-4-3, para o Carlos Freitas jogamos em VG (as iniciais de Viktor Gyokeres). Eu estou mais com a segunda opinião. A razão é simples: o Gyokeres, sozinho, resolve uma série de problemas que o colectivo não consegue quando não há Hjulmand e Morita. Pontualmente tendo a companhia de um ou outro jogador (hoje foi o Quenda, amanhã será o Trincão, num sebastiânico dia envolto em névoa pela Unidade de Underperformance poderá ser o Pote). Esta ideia é também acompanhada por inúmeros benfiquistas e portistas. Mas aqui tenho uma divergência com eles, na medida em que para os nossos adversários é como se o Sporting cometesse alguma ilegalidade ao utilizar o sueco. Tipo "assim não vale", como nos jogos de rua em que um miúdo desequilibrava tanto a balança que era obrigado a ir à baliza ao fim de um certo tempo. Só que o Gyokeres tem contrato com o Sporting, logo o Sporting utiliza-o. Tudo normal, como quando Eusébio jogou no Benfica ou Madjer e Futre formavam o par de ases com que o Porto de Artur Jorge especulava com os adversários antes de os esmagar com um póquer. Hoje, o Gyokeres voltou a ser providencial num dos piores jogos do Sporting de que tenho memória. Uma partida que fez jus ao título desta crónica, que aquilo andava tudo ao molho na fezada que o sueco resolvesse. Ainda assim, o nosso primeiro golo teve a acção decisiva de uma vítima que costuma ser réu. Ver um leão como Diomande vestir a pele de cordeiro não deixa de ser irónico, e não pude deixar de sorrir quando o árbitro assinalou penalty. Lembrei-me logo do jogo das Aves. Depois, o Gyokeres levou dois defesas para longe da área e deu no Quenda. O que este fez a seguir, o primeiro toque (finta) que deu na bola, não deve ter sido visto por Roberto Martinez porque não aconteceu num dos estágios da Selecção. Seguiu-se a simulação de passe para Geny, engodo que criou o espaço para o remate fatal. O Quenda é ouro, embora o Roberto ache que ouro é pô-lo no banco a conviver com as estrelas Bernardo e Ronaldo. Não a servi-las numa bandeja de ouro, como seria admissível, mas a vê-las do banco. Realmente, a ser traumatizado nas minhas expectativas de cada vez que fosse à Selecção , um ser humano normal como eu até ficaria a "ver estrelas", mas o Quenda é um fenómeno tambem de resiliência mental e hoje voltou a mostrá-lo. É craque!!! O Estrela ainda reduziu, mas o VAR também reduziu as suas expectativas ao anular-lhe o golo. Estas linhas do nosso VAR estão para as linhas com que se cose o VAR da Champions (ou Premier) como o esoterismo está para a ciência. São linhas Maginot, como aquelas que os franceses achavam que nunca seriam violadas pelos nazis. Tem-se fé naquilo com o mesmo estado de espírito que se vai vendo o desfilar do baralho de cartas do tarot após uma noite de copos: parece-nos tudo enviesado. Enfim, a verdade é que o Sporting continuou a ser banal até ao momento em que a bola chegava aos pés de Gyokeres, que a partir daí a música passava a ser outra, no caso requiem para os estrelistas. E assim, logo o sueco tratou de encomendar a missa fúnebre aos da Amadora, ganhando e finalizando um penalty que pôs fim a um jogo de triste memória que contudo teve o condão de nos manter na liderança. (Este foi o jogo que eu vi, se perguntarem ao Rui Borges ele dir-vos-á que o Geny fez uma grande exibição, uma realidade tão alternativa como a de sonhar ver um muito bom ala puro a brilhar como mediocre interior.)
Tenor "Tudo ao molho...": Vik Thor Gyokeres
(Foto: A Bola)