Saltar para: Posts [1], Pesquisa [2]

A Poesia do Drible

"Um pouco mais de sol - eu era brasa, Um pouco mais de azul - eu era além. Para atingir, faltou-me um golpe d'asa... Se ao menos eu permanecesse aquém..." - excerto de "Quasi", de Mário de Sá Carneiro

"Um pouco mais de sol - eu era brasa, Um pouco mais de azul - eu era além. Para atingir, faltou-me um golpe d'asa... Se ao menos eu permanecesse aquém..." - excerto de "Quasi", de Mário de Sá Carneiro

A Poesia do Drible

30
Dez24

Tudo ao molho e fé em Gyokeres

Borges contra o caos


Pedro Azevedo

João Pereira foi uma espécie de quarto segredo de Fátima revelado em exclusivo a Frederico. Todavia, bem ao contrário de outras aparições, esta nunca teve a benção do Vaticano, tratou-se enfim de uma alucinação comum a presidentes de grandes clubes, que uns anos antes também Luis Filipe Vieira havia visto uma luz no Seixal (inclino-me para um pirilampo). Foi galo! Na subsequente contratação de Rui Borges, Varandas não viu um clarão sobre uma azinheira, nem tampouco consultou o tarot da Maya ou a bola de cristal da Alcina Lameiras, limitou-se a olhar para o currículo do treinador. Também não fez nenhuma previsão sobre aonde estaria o treinador daqui a 4 anos, o que já se sabe implicaria saldos na cláusula de rescisão para os colossos europeis. Ou seja, começámos logo a ganhar. Mas Rui Borges teria apenas 3 dias para preparar o derby, os mesmos que Bruno Lage para jogar os búzios e tentar adivinhar em que sistema jogaria o Sporting. Quem aproveitaria melhor o tempo? 

 

O Sporting apresentou-se ofensivamente em 4-1-4-1 (defensivamente em 4-4-2), com Quaresma a lateral direito, Morita mais perto de Trincão do que de Hjulmand e Geny e Quenda como alas. O desdobramento do 3-4-3 tradicional em Rúben Amorim num outro sistema não foi algo de novo, na medida em que o próprio Amorim já o havia feito na época passada, pelo que a novidade foi mesmo a posição relativa de Morita, que transformou o 4-2-3-1, de 2023/24, num 4-1-4-1, uma aproximação ao 4-3-3 que Borges usava em Guimarães, em que Manu Silva era o "6" e Tiago Silva e João Mendes os "10". A colocação de 2 médios em cima da linha de defesa do Benfica foi intencionado como uma faca apontada à carótida dos encarnados, uma rampa de lançamento de mísseis instalada num quintal em Carnide. mas, com pouco tempo de trabalho e Hjulmand a precisar de treinar passes rasos de maior distância, esse não foi o factor decisivo. Pelo que o maior perigo surgiu dos apoios frontais que Gyokeres deu e das consequentes interacções que se estabeleceram com Morita, Trincão e Geny (principalmente). Quenda falhou um golo cantado numa acção dessas e provavelmente um penalty foi cometido sobre o mesmo jogador, mas seria de uma antecipação mal-sucedida de Tomás Araújo a Gyokeres (à semelhança de uma outra com igual resultado perpetrada por Otamendi na época passada) que nasceria o desequiíbrio que permitiu a Geny marcar o único golo do desafio. 

 

Se no primeiro tempo quase não houve Benfica no relvado e só a má definição de Quenda e Trincão evitou que o jogo ficasse logo aí decidido, no reatamento o Sporting sofreu. Ora, o sofrimento para um Sportinguista é algo natural e uma condição inerente à nossa existência, um ADN que provavelmente terá sido inspirado em Schopenhauer, que teria de bom gosto vivido mais 46 anos para poder dar a sua benção à nossa fundação. Pelo que convivemos bem com o assunto, e o Quaresma cheio de cãibras, o Morita com falta de ar, o St Juste sempre preso por arames (para não falar da ala de inválidos do comércio sita em Alcochete que certamente sofreu por fora) fizeram das tripas coração para estarem à altura do lema de Mr Borges: "Quando faltar a inspiração, que não falte a atitude". E se a inspiração foi alternante (só o Quaresma esteve irrepreensível), atitude foi coisa que não faltou ao Sporting durante os 90 minutos, com Borges a emular o seu homónimo argentino Jorge Luis (o nosso presidente informou-nos que o Rui Borges pode ser... Rui Borges, mas esta noite ele foi Jorge Luis Borges), também ele a ter de perorar sobre o caos que governou o mundo (leonino, durante penosos 44 dias), conseguindo ver no escuro aquilo (a solução) que outro (Veríssimo) em plena claridade fornecida pela iluminação do estádio não conseguiu enxergar (segundo amarelo e consequente expulsão a Otamendi por falta imprudente sobre Geny que interrompeu um ataque promissor do Sporting). 

 

Tenor "Tudo ao molho...": Eduardo Quaresma (teve de adaptar-se a um novo sistema com grande impacto no seu posicionamento em campo e esteve imperial a atacar e a defender). O Gyokeres também seria uma boa opção, assim como o Geny (4º golo a "grandes" no espaço de 1 ano) caso não tivesse sido egoista e perdido o 2º golo do Sporting.borge.jpg

26
Dez24

Ontologia


Pedro Azevedo

Na apresentação de Rui Borges, Frederico Varandas revelou-se um filósofo, abordando questões metafísicas e, em particular, ontológicas. "João Pereira não pôde ser João Pereira" - disse Varandas, não deixando de referir que "Rui Borges vai poder ser Rui Borges". O facto de alguém não ter podido ser ele próprio não deixa de ser intrigante num clube em que esse alguém é posteriormente substituído por outro a quem será permitido ser igual a si próprio. Porque é que João Pereira não pôde ser João Pereira? Não se sabe, mas crê-se que temos de acreditar que Rui Borges será igual a Rui Borges, logo diferente do João Pereira que não conseguiu ser igual ao João Pereira original que seria igual ao que se espera de Rui Borges se ele puder ser igual ao Rui Borges, ou seja, que em 4 anos esteja num colosso europeu. Confusos? Não, foi só mais uma conferência de imprensa de Frederico Varandas, na sequência do Sporting não ter podido ser Sporting e assim ter despedido João Pereira no Dia de Natal. Agora, Rui Borges vai ter de ser igual a Rui Borges, ainda que Varandas lhe tenha oferecido um presente ainda mais envenenado que aquele que embrulhou para João Pereira, com Benfica, Vitória e Porto de enfiada e sem poder treinar suficientemente o seu sistema. Convenhamos que à luz disto, a maçã que a bruxa má ofereceu à Cinderela é uma estória para meninos. Mas como Rui Borges é transmontano e lá os meninos tornam-se adultos antes do tempo, teremos de acreditar que o conto de fadas é possível. 

"Romeiro, Romeiro, quem és tu?  - Ninguém!" - Trecho de "Frei Luis de Sousa" dedicado a D. João de Portugal (mas podia ser a outro João, o Pereira, que também não pôde ser ele), por Almeida Garrett. 

mw-720.webp

24
Dez24

Primeiras impressões


Pedro Azevedo

IMG_3538.jpeg

Rui Borges aparentemente será o novo treinador do Sporting. Aqui ficam algumas breves impressões sobre a forma como organiza as suas equipas, tomando como padrão o Vitória Sport Clube: ofensivamente, o sistema táctico é o 4-3-3, com um triângulo a meio campo contendo um pivô e dois médios ofensivos. Nota: existe um distanciamento claro entre o pivô e os médios ofensivos quando a equipa se dispõe em campo grande, o que pressupõe que o "6" tenha grande qualidade de passe, na medida em que uma perda de bola na saída para o ataque pode ser fatal. No Vitória, esse "6" é o Manu Silva, um jogador já referenciado neste blogue. Defensivamente, um dos médios junta-se ao ponta de lança numa primeira linha de pressão, recuando os alas para o meio campo, dispondo-se então a equipa num 4-4-2, com as linhas muito próximas (campo pequeno) a fim de não permitir espaço de invasão entre elas. 

Sendo o sistema táctico preferencial de Rui Borges diferente do que vem sendo praticado pelo Sporting desde a chegada de Ruben Amorim, será que Rui Borges adaptar-se-á ao que existe em Alvalade ou manterá o seu sistema de eleição? Se a opção for por manter o sistema de 3-4-3, acredito que a Pote será pedido que pegue na bola mais pelo centro, aproximando-se do outro médio ofensivo (Morita), ficando Hjulmand mais recuado. Provavelmente, um dos actuais alas será no futuro mais lateral, o que tornará Trincão mais extremo, procurando assim Rui Borges compatibilizar as suas ideias com aquelas que há 5 anos estão implementadas no Sporting. Nesse sentido, o Sporting continuar a jogar com 2 alas em simultâneo que são mais extremos do que laterais será uma surpresa. Se Rui Borges mudar já para o seu 4-3-3 (opção em que não acredito neste momento), então deparar-se-á com uma escassez de médios e de laterais, devendo ter de ressuscitar Esgaio ou Fresneda e de ir ao mercado adquirir pelo menos um médio. Contudo, não é crível que essa alteração surja já no jogo com o Benfica, na medida em que só existem 3 médios disponíveis (já contando com Arreiol) e só um é ofensivo (Simões), além de que não terá tempo para preparar um novo sistema. Ainda assim, pensando remotamente, Trincão poderia ser o terceiro médio e um dos centrais (quiçá Quaresma) jogaria a lateral pela direita, com Quenda e Geny (ou Araújo) abertos nas alas (se Araújo fosse o extremo, Matheus Reis seria o lateral esquerdo). Porém, repito, não acredito nessa possibilidade. 

23
Dez24

Tudo ao molho e fé em Gyokeres

O Auto da Barca do Inferno


Pedro Azevedo

Não sei em relação a vocês, mas eu não acredito em coincidências: o Big Bang não aconteceu por acaso, o meteoro que caiu na província de Yucatán, dizimou os dinossauros e criou as condições ideais para o desenvolvimento da espécie humana, idém. E se coisas tão complexas como estas que ocorreram no passado e influenciaram o mundo como o conhecemos hoje não foram coincidência, o Sporting ter encontrado ontem no Gil Vicente a barca dos infernos muito menos o foi. 

O Sporting navegava numa barca comandada por um anjo. O mar era calmo e o sol luzia, a embarcação seguia sem sobressaltos. Mas o anjo permitiu que os seus dons de timoneiro lhe subissem à cabeça e, qual Lúcifer, afrontou a vontade de Deus, logo se achou acima de todos e reclamou uma barca mais luxuosa, deixando a do Sporting à deriva em alto-mar, a naufragar num mar que logo se encrespou. Até que foi abordada por outras duas barcas que imediatamente disputaram as almas em presença, uma tripulada por um anjo não corrompido pela ambição desmedida e outra dirigida pelo diabo. Só que para muitos era tarde demais, a desidratação e falta de alimento já haviam produzido o seu efeito e na barca jaziam vários corpos, só escapando com vida os jogadores. 

Em sequência, os mortos começam a ser distribuídos pelas embarcações. O primeiro chama-se Frederico. É condenado ao inferno por soberba, preguiça e avareza. Arrogante, a sua alma reclama o Paraíso, alegando os muitos êxitos obtidos no seu mandato "fácil, fácil". O anjo recusa-o, com o argumento de que os méritos foram essencialmente de Rúben. Segue-se o próprio Rúben, previamente capturado em Manchester by the Sea pelo diabo e já condenado por ganância. Ainda tenta mudar novamente de barca e convencer o anjo a ir para o céu, mas, apesar dos seus méritos evidentes, não o consegue convencer pelos recentes prejuízos causados ao anterior clube e seus apaniguados. Também pede ao diabo que o deixe voltar a onde tudo começou (Sporting), mas é demasiado tarde para a redenção e acaba na barca do inferno. O terceiro a chegar é um ingénuo. Chama-se João. É tentado pelo diabo a entrar na barca do inferno, mas quando descobre que o seu destino é um presente envenenado vai falar com o anjo. Este, embevecido com a sua humildade e a "brilhante defesa" (do seu caso), fá-lo entrar na barca que vai para o céu. Depois, chega o que é já o fantasma de Viana, que tenta mostrar que não é deste filme. Mas o anjo não o leva, apoiado-se em tudo o que (não) fez quando não teve controlo parental. Os nomes de Bolasie, Jesé e Fernando são ecoados e imediatamente o diabo o puxa para a barca que segue para Inferno City, onde árbitros e VAR também têm lugar cativo. Finalmente, avança o Paulinho, o último a deixar a toalha cair ao chão, uma vítima inocente do despautério de outros. O diabo sente que com este não tem qualquer hipótese e logo o anjo o conforta e encaminha este verdadeiro leão para a barca que vai para o céu. 

 

Entretanto, os jogadores ficam num limbo, isto é, ainda sobrevivem, se bem que estourados física e psicologicamente, mas já não sabem se isso é real ou se estão no purgatório. E aquilo que poderia ter sido Um Cântico de Natal sobre os méritos da redenção e metamorfose do nosso Ebenezer Scrooge, virou um Auto da Barca do Inferno...

 

Tenor "Tudo ao molho...": Hjulmand

resumo-do-livro-Auto-da-Barca-do-Inferno-500x500.p

19
Dez24

Tudo ao molho e fé em Gyokeres

Brunilda, Siegfried e "Os Amigos de Alex"


Pedro Azevedo

Caro Leitor, a esperança de Frederico Varandas resume-se a que o presente dilema em que se encontra o futebol do Sporting (o treinador deve ser substituído?) possa ser resolvido da forma como ontem marcámos os golos, ou seja, primeiro empurrar com a barriga a sua concretização (golo de Harder) para depois vir a beneficiar do atraso (golo de Gyokeres, após um atraso de bola de Frederico... Venâncio).  


Descontrolo emocional (expulsões de Esgaio e St Juste), falta de rigor na adopção da linha de fora de jogo (aos 77 minutos, Debast voltou a afundar, não respeitando a linha e colocando um açoriano em jogo, permitindo um cruzamento do Santa Clara que só não deu golo por acção de um Quaresma milagreiro; em cima da hora, Simões pôs em jogo o jogador que empata a partida), tomadas de decisão criticas (muitos passes errados a meio-campo, St Juste a encolher-se e a dar uma grande oportunidade de golo ao Santa Clara), jogadores fora da sua posição (Quenda como interior e pela esquerda), pouco jogo entrelinhas (os interiores voltaram a jogar de dentro para fora e não o seu inverso, ocupando previamente o espaço que de outro modo poderia ser descoberto), gestão de esforço incompreensível (Quaresma estava em dúvida para o jogo e foi o último central a ser substituído, acabando por sair visivelmente lesionado), um treinador graduado que faz lembrar o ministro de propaganda do Iraque a vender uma realidade alternativa (insólita conferência de imprensa de TT) e outro estagiário que mostra uma humildade no discurso que não encontra correspondência na tentação de apressadamente procurar dar um toque pessoal naquilo que antes estava perfeito, tudo isto fez parte do menu ontem apresentado por João Pereira em Alvalade.

 

Eu imagino que não seja fácil para um estagiário ser graduado em CEO e lançado às feras num mercado aberto, fortemente mediático, competitivo e nem sempre concorrencialmente leal. A pressão é ainda maior quando estamos a falar de uma grande empresa, naturalmente muito escrutinada pela opinião pública. Para que a aprendizagem se vá fazendo sem grandes ondas, é fundamental que haja resultados. E quando os resultados não aparecem e tens a árdua tarefa de substituir um antigo CEO que teve muito sucesso, então esse tempo de aprendizagem pode esgotar-se rapidamente e seres convidado a sair. Porque se antes foi criada a percepção de que tinhas um Aston Martin nas mãos, não podes ter a prestação de um Mini. Precisas de tempo, mas esse tempo só se ganha com vitórias. Se não ganhas e não consegues transmitir onde está o problema, então quem te observa chega imediatamente à conclusão que também não saberás encontrar a solução. Porque uma coisa é teres poder, outra é seres reconhecido como uma autoridade por aqueles que lideras. E se nunca é bom haver colaboradores a medir o pulso ao novo líder, no futebol, com o mercado de Janeiro à vista, ainda é pior. Também por isso, os resultados são muito importantes, e nesse sentido, ontem, João Pereira voltou a ganhar tempo. O que fará com ele, ninguém sabe, sendo certo que parece ter havido um retrocesso no processo desde o jogo com o Boavista. O que nos leva à probabilidade de ocorrência futura de um Complexo de Brunilda: este, que assente na velha lenda alemã de Brunilda e Siegfried (ver Caixa de Comentários), aparece quando num relacionamento um dos parceiros vê no outro um super-herói, produzindo sobre ele expectativas e ilusões demasiado altas, irrealistas, para ao fim de um longo tempo começar a ver os seus defeitos e perceber que afinal ele não era assim tão perfeito, acabando por o desvalorizar por completo. A bem do Sporting, esperemos que Frederico Varandas e restantes defensores da solução João Pereira nunca venham a sofrer deste complexo. 

 

Enfim, as coisas não estão fáceis, mas também não era preciso "A Lei da Desvantagem de Malheiro" para as piorar, promovendo o anti-jogo e a falta de intensidade com que se jogou. Como não é suposto que um jogador tenha de andar a fintar um árbitro que corta sistematicamente linhas de passe a quem ataca por mau posicionamento ou que um vídeo-árbitro não consiga descortinar uma cotovelada na boca de Gyokeres dentro da área do Santa Clara, mas também isso ocorreu ontem, em Alvalade. Pelo que uma coisa é o nosso titubeante João Pereira, outra é a percepção, que espero seja errónea, de que há um sistema a reerguer-se que aproveita o nosso mau momento para definitivamente nos enterrar.  Nesse sentido, um VAR avariado não é natural, o que é natural é o Restaurador Olex (e não Alex). E de restauro bem está precisada a arbitragem portuguesa, que o que se passou em Alvalade foi inadmissível para todos com excepção dos "Amigos de Alex", saudosistas de um outro tempo que não queremos que volte. 

 

Tenor "Tudo ao molho...": Vik Thor Gyokeres. Harder marcou um golo importante na primeira vez em que tocou na bola. Debast esteve muito bem até ao momento em que o Santa Clara foi atrás do resultado.

harder7.jpg

15
Dez24

Tudo ao molho e fé em Gyokeres

Regresso ao Passado com falhas de memória


Pedro Azevedo

Quando João Pereira pegou na equipa esta estava na iminência de bater o recorde de melhor início de campeonato, pouco mais de duas semanas depois jogámos para não estabelecer um novo recorde de derrotas consecutivas. Como se percebe, fomos do oitenta a oito, mas, assim como tudo o que sobe um dia inevitavelmente desce nem que seja pelo efeito da força de gravidade (que também bem graves são algumas decisões...), quando se atinge o nível do solo não se pode cair mais. Não só não descemos mais como, ou não jogássemos com uma bola redonda, ressaltámos da valente queda que demos. É verdade, a primeira hora de jogo da nossa parte foi ao nível do melhor de Ruben Amorim, com os interiores a partirem de fora para dentro (nem todas as coisas devem ser geridas de dentro para fora...), Gyokeres a ter espaço na profundidade e o regresso da geometria euclidiana com os inúmeros triângulos desenhados no rectângulo de jogo e abrangendo essencialmente as duas alas. Todavia, faltaram duas coisas para convencer definitivamente os adeptos sobre a retoma: a finalização, que foi desastrosa (Gyokeres só à sua conta perdeu 3 golos cantados, Geny, Maxi e Simões falharam outros tantos), e o comportamento defensivo, com falta de pressão sobre o portador da bola nos lances mais perigosos do Boavista e o erro claro de colocação de Debast como central pelo meio (o belga só olha para a bola, não controla o espaço nem a deslocação do avançado que lhe cabe marcar). E se da má definição final dos lances ofensivos dificilmente se poderão assacar responsabilidades a João Pereira, a insistência em Debast no centro da defesa após o desastre na Supertaça foi o mesmo que pôr-se a jeito para que as coisas não corressem bem (pior é o João Pereira quando fala parecer não ter noção da origem das coisas, como se estas ocorressem por obra e graça do Espírito Santo ou de uma conspiração universal contra ele e o Sporting). Não é que o Debast seja mau jogador, que aquela capacidade de passe entrelinhas não engana e é do melhor já visto no futebol mundial, simplesmente não é um bom defesa, ou, melhor, pode defensivamente ser um razoável central pela direita e compensar com o que dá à equipa ofensivamente, mas actualmente não é um fiável central pelo meio. Senão vejamos o lance do primeiro golo dos axadrezados, em que em nenhum momento se preocupa com Bozenik, o tempo todo 1x1 nas suas costas, ou no segundo golo dos boavisteiros, em que não encurta em largura para Quaresma (este aproximou-se correctamente de Geny, que disputou um duelo de cabeça com um adversário em que a bola podia ter ficado por ali), afunda-se em relação à linha e tarda a reagir à movimentação do avançado à sua frente. 

O Sporting perder constantemente as vantagens que detém no marcador é coisa para enervar um monge tibetano, mas, quando cumulativamente temos de levar com o Fábio Veríssimo, então até o mesmo monge tibetano é levado à tentação de cortar os pulsos. E se nenhum adepto merece esta montanha russa em que se tornou o futebol do Sporting, em relação ao Veríssimo a Liga Portugal tem o que merece (a UEFA é que não tem culpa nenhuma de levar com esta exportação lusa feita a martelo). 

Com um olho negro, um galo na cabeça e um frango entre os postes, o leão estropiado conseguiu os 3 pontos. Do lado do Boavista, uma palavra para Seba Perez, um grande jogador, um polvo cujos tentáculos se estenderam por todo o campo e pernas dos jogadores leoninos. Já Debast é o nosso Contreras do Século XXI: óptima saída de bola, mas erros defensivos de um principiante. Um jogador à primeira vista agradável aos olhos, mas que não enche a barriga. Tem de melhorar urgentemente o seu comportamento defensivo (no primeiro golo o Quaresma foi ao meio dissuadir um boavisteiro que seguia frontalmente com a bola e ao regressar teve de enfrentar um bloqueio legal de Reisinho e Matheus Reis deu algum espaço na largura a Agra com medo que este metesse a velocidade, mas é Debast que perde totalmente a sua referência de marcação, o eslovaco Bozenik). 

 

Vencemos o jogo e com isso ganhámos tempo. Só o futuro dirá se esse tempo foi ganho para ser desperdiçado ingloriamente, o que se sabe é que não se deve perder o tempo que custou tanto a ganhar. Ontem, João Pereira provou que até é capaz de entender os comportamentos e nuances ofensivas que Rúben Amorim criou no Sporting, falta perceber se algum dia compreenderá o que é necessário fazer defensivamente. Talvez ajudasse porém que Diomande ou Inácio jogassem como centrais pelo meio, uma lição que Amorim aprendeu com um custo elevado em Aveiro.  

 

Tenor "Tudo ao molho...": Francisco Trincão. Quenda realizou um bom jogo. Simões fez uma óptima primeira parte. Maxi alternou o muito bom com o muito mau. Hjulmand evitou o empate final.

JP2.jpg

14
Dez24

Ganhar!!!


Pedro Azevedo

Com João Pereira ou o John Doe, hoje o que importa é ganhar. O João não pediu para ser treinador do Sporting, foi convidado, por que razão então haveríamos de exigir que fosse ele a tomar a decisão de pedir a demissão? Ele tem um contrato e não consta que tenha apontado uma pistola a alguém na altura da sua assinatura. Evidentemente, ninguém está contente com os resultados nem com o processo, que as alterações introduzidas nas dinâmicas da equipa em nada a beneficiaram, foram passos atrás no que demorou anos a construir. Mas nós temos belíssimos jogadores, que agora não parecem tão bons exactamente porque a equipa como um todo não funciona bem. Os nossos jogadores sentirão naturalmente o impacto psicológico da saída do seu líder a meio de uma época, mas disso o João Pereira não tem culpa.  Basta observarmos por esse mundo fora o que aconteceu quando lideranças carismáticas abandonaram clubes para se perceber que seria sempre difícil a sucessão, imagine-se tal ocorrer em cima do joelho. Sir Matt Busby e Sir Alex Ferguson no United, Brian Clough no Derby County, Malcolm Allison no nosso Sporting ou Guy Roux no Auxerre (e a outro nível, Augusto Mata, o paradigma da longevidade num clube, no Infesta) foram marcantes e assim complicaram a vida aos seus sucessores. Todavia, há excepções, curiosamente com o Liverpool como denominador comum: no glorioso Liverpool dos anos 60, 70 e 80, Bob Paisley (primeiro) e Joe Fagan (depois) perpetuaram os êxitos obtidos pelo seu pai espiritual, o grande Bill Shankly. E actualmente, o neerlandês Arno Slot está a conseguir fazer esquecer Jurgen Klopp. A adicionar à impossível sucessão, o João Pereira tem contra si as expectativas irrealistas que foram criadas à volta da sua capacidade como treinador, o que em nada o vem ajudando. Mas é nestas alturas que se vê o carácter do grupo de trabalho e a preponderância do seu capitão. As coisas estão o que estão, mas é preciso mostrarmos que somos muito mais do que aquilo que estamos, pese embora todos os equívocos. E isso é um papel que caberá aos jogadores no relvado, ainda que sem Pote, cuja inteligência e leitura de jogo poderiam suprir no terreno a inexperiência de João Pereira no banco. Esperemos então por hoje à noite, quando o Sporting receber o Boavista. 

 

P.S. Não é possível evitar expôr o João Pereira em conferências de imprensa?

JP (1).jpg

13
Dez24

O espaço: futebol e xadrez


Pedro Azevedo

O xadrez é composto por 64 casas e 32 peças, o que quer dizer que as peças partem de um posicionamento inicial para a ocupação do espaço existente nas casas livres. Ou seja, esse espaço não está ocupado inicialmente, descobre-se com o tempo e uma estratégia. Assim também acontece no futebol, e é isso que vem faltando no Sporting de João Pereira, que se torna previsível ao abrir o jogo ao adversário (entrando nas "casas livres" antes do tempo) em vez de o surpreender ao encontrar o espaço livre no timing certo. 

336634.f4332843.668x375o.6316c9036b82@2x.jpeg

12
Dez24

Tributo a Malcolm Allison (II)


Pedro Azevedo

A atmosfera em Alvalade é própria de um Clássico. O Sporting recebe o Porto e, caso vença, pode dar um passo decisivo rumo ao título. Subitamente, a estupefacção emerge: Jordão, o grande goleador leonino, está fora dos convocados, Malcolm Allison vai lançar o jovem Mário Jorge como titular. Os directores rodeiam João Rocha, dando-lhe conta da sua incredulidade por Jordão não jogar numa partida tão importante. Chegam mesmo a pedir a cabeça de Allison, que acusam de desfaçatez. Avisado sobre o que está a acontecer pelo seu adjunto Marinho, Allison apenas lhe pergunta se tem dúvidas de que Mário Jorge está melhor do que Jordão, este ultimamente atormentado por problemas do foro íntimo que lhe retiraram a alegria de jogar. Marinho concorda com Allison, mas não deixa de lhe manifestar que decisões como esta podem custar-lhe o lugar. Impassível, Big Mal agradece ao seu adjunto e mantém a sua ideia. Em cima da hora, assome ao terreno de jogo. Percorre a pista e entra no relvado. Vai até ao círculo central, mira as bancadas, levanta o seu chapéu Fedora e saúda a multidão em delírio, cativada pelo seu imenso carisma. O Sporting acabará por vencer o Porto por 1-0 e o golo será marcado por... Mário Jorge. 

futebol-mario-jorge-1.webp

Pág. 1/2

Mais sobre mim

Facebook

Apoesiadodrible

Subscrever por e-mail

A subscrição é anónima e gera, no máximo, um e-mail por dia.

Arquivo

  1. 2025
  2. J
  3. F
  4. M
  5. A
  6. M
  7. J
  8. J
  9. A
  10. S
  11. O
  12. N
  13. D
  14. 2024
  15. J
  16. F
  17. M
  18. A
  19. M
  20. J
  21. J
  22. A
  23. S
  24. O
  25. N
  26. D
  27. 2023
  28. J
  29. F
  30. M
  31. A
  32. M
  33. J
  34. J
  35. A
  36. S
  37. O
  38. N
  39. D
Em destaque no SAPO Blogs
pub