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A Poesia do Drible

"Um pouco mais de sol - eu era brasa, Um pouco mais de azul - eu era além. Para atingir, faltou-me um golpe d'asa... Se ao menos eu permanecesse aquém..." - excerto de "Quasi", de Mário de Sá Carneiro

"Um pouco mais de sol - eu era brasa, Um pouco mais de azul - eu era além. Para atingir, faltou-me um golpe d'asa... Se ao menos eu permanecesse aquém..." - excerto de "Quasi", de Mário de Sá Carneiro

A Poesia do Drible

31
Jul24

Bragança e Pote


Pedro Azevedo

O grande escritor português e autor de "O que diz Molero", Dinis Machado, dizia que "O jogador sem adjectivos, não desmontável, com os pés voltados para todo o lado, a sujeitar os adversários e a bola à sua qualidade inconsciente, é tão difícil de explicar como o mistério da luz de Rembrandt". É isso que me ocorre ao me deparar com o talento inato, seja ele expresso no pé canhoto de Bragança, esquerda a uma só mão de Federer, "glamour" de (Bryan) Ferry, dedilhar de (Keith) Jarrett ou Di Meola e comprimento vocal de Bocelli. Além, claro, da luz de Rembrandt. O talento natural, a habilidade inata, é algo que se abate sobre nós, comuns mortais, como uma bigorna, é esmagador. Ao contrário, por exemplo, da inteligência, que é mais subtil e demora mais tempo a ser compreendida. interiorizada e requer uma maior atenção. Como a que Pote alardeia e suscita a quem o olhe com olhos de ver e sem filtros: aquele seu jogo de entre-linhas, desde as várias mutações na forma como se posiciona para receber até aos múltiplos cenários que idealiza sobre o que fazer a seguir, parece mais próprio de um Grande-Mestre de xadrez com máximo rating ELO (Ranking FIDE) do que de um jogador de futebol. Pode não criar o elo emocional que a facilidade de execução inerente ao talento inato e inconsciente desperta em todos nós, mas a boa tomada de decisão associada ao consciente não pode também deixar ninguém indiferente. 

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29
Jul24

Tudo ao molho e fé em Gyokeres

O Gyokeres foi ao Prado


Pedro Azevedo

A história dos 5 Violinos é só por si motivo obrigatório de visita ao Museu do Sporting. O Athletic não fugiu à regra e, apesar de ter lá por Bilbau um tal de Guggenheim, não deixou de vir a Alvalade. Como o Sporting, em boa hora, entendeu que as homenagens não se fazem só em museus, que os homens morrem mas a lenda vive e deve ser festejada onde esses homens fizeram história, todos os anos organiza o Troféu 5 Violinos, assim a jeito de um último apronto para as competições oficiais que se seguem. 


Campeão europeu por Espanha, o Nico Williams não veio. Bem-educado, como a festa era de gala, não podendo estar presente enviou o mano Iñaki em sua representação. Cedo porém o Athletic percebeu que tinha uma montanha por escalar, o que é uma coisa um bocadinho complicada para quem tem um Vale Verde a orientar desde o banco. Para complicar a vida ao treinador dos bascos, apareceu um ciclista português com muita vontade e pedalada. Não, não foi o João Almeida, de quem os espanhóis também não têm boas memórias desde o Tour. Falo-vos do jovem Quenda, ou melhor, do Geovany Quenda. Para contextualizar, o Quenda é uma grande promessa do futebol português, tal como o Felix um dia o foi. A diferença é que o Quenda pode dar-se ao luxo de vir a ser uma eterna promessa porque mesmo que não dê o salto que se espera na sua carreira será sempre um Geovany. E isso nunca ninguém lhe tirará. A verdade é que o miúdo entrou e encantou, o que deve ter feito os bascos esgotar o stock de ben-u-ron na farmácia de serviço mais perto do José de Alvalade. Más dores de cabeça para os espanhóis e boas para Ruben Amorim, que agora terá de esfregar as meninges para encontrar uma solução para o miúdo ir entrando no onze. É que poderá estar aqui um novo Yamal e nenhum Sportinguista o levará a mal. 


Quando li que o Gyokeres tinha ido ao Prado mal a última época terminara, não dei grande relevância ao caso. Mas os jornais não me quiseram dar descanso: "O Gyokeres foi ao Prado, o Gyokeres foi ao Prado" - anunciavam como parangona a cada nova capa. (O Gyokeres foi ao Prado e os media trataram o tema em cima do joelho.) Ora, a mim não me incomodou nada que o sueco, que pintou tantas e tão belas telas realistas na última temporada, se tenha ido inspirar ainda mais em Velásquez, Goya, El Greco, Rubens, Raphael ou Bosch. Pelo contrário, achei até auspicioso. De forma que penso que a voragem jornalística à volta do tema, bem como o alarme social que provocou, foi mais dor de cotovelo do que outra coisa. Antes isso do que dor de joelho... do Gyokeres... (Como era sabido que o Real Madrid iria ficar com o Mbappé, mais do que ao Prado eu teria medo era que o Gyokeres fosse ao Louvre.)

Entretanto, enquanto o Gyokeres foi e veio do Prado, o Coates foi e veio do Uruguai. E voltou a ir, não sem antes receber a justa homenagem de todos os Sportinguistas que jamais o esquecerão, sentimento traduzido num velho poema de Walt Whitman: "Oh Captain, my Captain...". O resto (reticências) não interessa nada, que o poema original foi uma metáfora sobre a morte de Abe Lincoln mas a malta da comunicação do Sporting também não tem de saber tudo, não é verdade? Por isso, hip, hurra, longa vida ao nosso antigo capitão. E muito obrigado por não nos ter deixado num momento difícil e ter sido sempre um grande profissional, bi-campeão. 

 

Não tardou que Gyokeres deixasse a sua marca no jogo, ao atrair dois bascos a si para depois isolar Pedro Gonçalves. E o Pote não se fez rogado e passou a bola à baliza daquela forma que só ele presentemente sabe e anteriormente só havíamos visto num certo médio do FC Porto e da "Equipa de todos nós". Art-Deco no seu melhor, que ainda assim não convence aquele senhor Seleccionador nacional que por sua vez, mesmo com falinhas mansas, não convence ninguém. Por isso passará à história como o treinador da "Equipa de todos os nós" (parece a mesma coisa, mas não é). 

O Quenda, endiabrado, ainda mandou uma bola aonde o poste abraça a barra e viu um outro remate ser defendido na linha de golo por um defesa, pelo que o Sporting chegou ao intervalo a vencer apenas pela vantagem mínima. Mas depois entrou o assistente. Quer dizer, entrou aquele que na Supertaça ficará a assistir. De fora. Refiro-me ao Matheus Reis, que levou esse desígnio a peito e começou a criar um novo estatuto com dois passes com mel que Edwards e Trincão agradeceram para facturarem mais dois golos. Por essa altura já o Bragança e o Mateus Fernandes dinamitavam o meio campo basco com números de alta cavalaria, pelo que a estes pouco sobrou senão rezar para que o jogo acabasse depressa.

 

O Sporting ganhou assim por 3-0 ao Athletic Bilbao. Mas o Porto não se quis ficar e espetou 4 no Al Nassr, mais um, portanto, embora talvez não seja de desprezar o facto de o golo a mais ter sido obtido na sequência do Otávio se ter esquecido que trocou de clube e se ter posto a assistir para um golo da sua antiga equipa. Dê para onde der, esta febre goleadora de Sporting e Porto promete animar a Supertaça, o troféu que inaugura a época de 24/25. E isso só pode ser bom para o espectáculo. Viva o Sporting e vivam para sempre na nossa memória os 5 Violinos. A saber: Jesus Correia, Vasques, Peyroteo, Travassos e Albano, os Imortais !

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24
Jul24

Tudo ao molho e fé em Deus

A Pré-época, de acordo com o filósofo Mário Jardel


Pedro Azevedo

O Jardel era tão aéreo que quando chamado à terra dizia coisas como "Clássico é Clássico e vice-versa" ou confundia adrenalina com naftalina. Não era traça, mas sim um traço da sua personalidade... Mas no ar "não havia pai" para ele. Quer dizer pai havia e chamava-se João Vieira Pinto, que até parecia ganhar asas quando no ar, mas este altruisticamente trocaria as acrobacias aéreas pelo papel de navegador do Jardel por entre a bateria de defesa anti-aérea dos rivais. Uma parceria com tanto sucesso que valeu ao Jardel ser imortalizado pelo Tê naquela passagem do "voando sobre os centrais...". É que o Jardel percebia os pássaros de uma forma que creio que só mesmo os pássaros e o João entendiam.

Veio este arrazoado a propósito da pré-época: o Jardel diria que pré-época é pré-época e vice-versa. E não estaria longe da verdade. Quer dizer, não é que a pré-época não seja importante, mas as cargas físicas assimétricas a que os contendores estão sujeitos inibe quaisquer extrapolações para o resto da época. Pelo que a pré-época serve essencialmente, do ponto de vista do adepto (que não do treinador), para rever jogadores e começarmo-nos a habituar às novidades no elenco. 

Ver jogar Pote e observar a inteligência com que transforma 1m2 num latifúndio é um privilégio gourmet a que só Roberto Martinez se pode dar ao luxo de prescindir. O Morita é outro que é capaz de encontrar um colega desmarcado numa cabine telefónica. por isso, mais do que olhos em bico, ele deve ter bico. De coruja. E assim ver aquilo que outros nem imaginam. Também gosto muito do Nuno Santos. E reconheço ao Pedro Henriques, de longe o melhor comentador da SportTV (concordando ou discordando dele, porque sempre consubstancia o seu ponto de vista e se percebe o seu conhecimento do jogo ímpar e uma independência e honestidade intelectual que nos media só encontram paralelo no André Pipa), onde também se realça o Luis Catarino, ver no Nuno aquilo que muitos insistem em não querer ver, como se a sua garra e qualidade de passe fizessem parte da normalidade. No fundo, o Nuno Santos é um "alemão", um "Maniche", um jogador que contrasta com o rococó típico português ao dele renunciar em nome da eficácia. Eficácia que não deve ser cara ao senhor Martinez, daí o Nuno ter ficado em casa e a Selecção passado 6 horas sem pôr a bola dentro da baliza dos seus adversários no Euro após um recorde de "cruzamentos" para a área. Uma boa surpresa foi o Rodrigo Ribeiro. Bom, nós já sabíamos que o Rodrigo era muito bom de bola, aquela disponibilidade para o jogo, sempre pronto para servir de referência e oferecer apoios frontais, é que era para muitos desconhecida. Além disso, a sorte sorriu-lhe: à primeira oportunidade marcou e mais tarde assistiu Trincão para o segundo, após controlo de bola que afastou dois sevilhanos do lance e um passe perfeitamente alinhado com o movimento do ex-barcelonista.  Também gostei do Diomande, que deu ares de patrão da defesa, e do Quaresma, que tem tanta técnica que até de pé trocado não compromete. Seguem-se os 5 Violinos. E depois o futebol a sério, com o Porto para a Supertaça. 

 

Tenor "Tudo ao molho...": Rodrigo Ribeiro

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22
Jul24

Silly Season


Pedro Azevedo

A "Silly Season" chegou e desta vez acompanhada por um fundo musical. No Benfica, aposta-se tudo na recuperação dos Momentos de Glória ("Chariots of Fire"). Para tal, contrataram o Vangelis (Pavlidis). Faz sentido ! Crê-se, no entanto, que a partitura só será interpretada a rigor com as inclusões do Homem do Bongo (Renato Sanches) e de um solista caído em desgraça e desesperadamente à procura da redenção (João Félix). Enquanto o Benfica alimenta sonhos de grandeza, procurando o que crê ser o Best(e) do mercado, o Porto enfrenta a realidade, sem tempo para megalomanias (ou melomanias). Com os condicionalismos de Balanço conhecidos, no que respeita a contratações a música é "The Sound of Silence". A aposta será assim no talento precoce caseiro, o que geralmente (de)Mora a produzir obra. No Sporting vira o disco e toca o mesmo, o que é bom quando se vem de um triunfo (como é o caso): em fórmula vencedora não se mexe. Para tal conta com a manutenção dos Cinco Violinos (Geny, Trincão, Gyokeres, Pote e Nuno Santos), especialmente do seu Stradivarius sueco. E ainda há o Braga, que tem em Daniel Sousa um compositor com trechos produzidos em Arouca e Barcelos que entraram facilmente no ouvido de quem tem aspirações a lutar pelo título. 

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06
Jul24

Tudo ao molho e fé em Deus

E depois do adeus


Pedro Azevedo

De um lado os filhos da pátria, do outro os egrégios avós (Pepe e Ronaldo). Uma luta de galos, ou não fosse esse o símbolo francês e o de Barcelos uma componente importante  da idiossincrasia lusa. E se em termos literais as coisas se punham assim, figurativamente os galos eram Mbappé e Ronaldo, o aspirante vs o decano do reino do futebol mundial. Com uma diferença entre ambos que Schopenhauer explica: enquanto para Mbappé a vida de futebolista se perspectiva como um futuro infinitamente longo, Ronaldo vê-a já como um passado demasiado breve. Para Ronaldo, por Ronaldo era preciso ganhar aqui e agora, daí o sentimento de urgência e a indisfarçável ansiedade que assaltaram o craque português durante todo o torneio e que tão mal compreendido foi por parte dos portugueses.  

 

Portugal não jogou mal, diria até que realizou de longe a sua melhor exibição neste Euro que ficará para a história como de má memória. Tacticamente a equipa foi irrepreensível e jogadores houve que escolheram este jogo e este palco para terem o seu melhor desempenho nesta competição. Refiro-me a homens como Rafael Leão, Nuno Mendes (rendimento médio mais alto de todos os seleccionados lusos neste Euro), Rúben Dias, Bernardo Silva ou Vitinha. Os dois últimos foram como duas costureirinhas que alinhavaram, ponto por ponto, todo o jogo de Portugal. Não dando ponto sem nó, ou seja, concluíndo sempre bem as suas acções. Então, o que correu mal? Talvez os velhos vícios que Martinez não só não erradicou da Federação como deles foi cúmplice. Pelo que na hora da verdade, com uma moto no banco de ensaio como Diogo Jota, cheia de energia e de golo e preparada para pilhar os despojos do que antes havia sido uma França pujante e altiva, preferiu fazer entrar o Ofelix, um personagem que partilha com o seu treinador o facto de parecer saído dos desenhos animados, ele que caiu dentro do caldeirão da poção mágica dos empresários de milhões em pequenino e desde aí só revela fastio. E o que aconteceu no fim foi o produto de tanto termos desafiado os deuses do futebol, ao ponto de deles recebermos de volta a ira. 

 

Portugal saiu do Euro sem glória, mas finalmente mostrando o perfume de um bom futebol. Precisamos como nunca de nos libertar das amarras de um passado que amordaça algum do talento que ficou em Portugal ou raramente saiu do banco de suplentes. E para isso necessitamos de uma revolução, cujo protagonista nunca poderá ser Pedro Proença, o paradigma do situacionismo que impera no país e que para se perpetuar leva a que por vezes seja preciso mudar tudo para que tudo fique exactamente igual, não evoluindo, granitizando e parasitando à volta do melhor que o nosso futebol tem: o talento dos seus jogadores. Venha então a tão desejada Revolução e que a sua senha seja o "E depois do adeus" (à Alemanha). Só assim teremos as reformas que se impõem há décadas no futebol português, bem como a libertação de certas amarras de marinheiro que fazem com que "A Equipa de Todos Nós" seja presentemente "A Equipa de Todos os Nós". 

 

Tenor "Tudo ao molho...": Rafael Leão

 

P.S. "Crónica de uma morte anunciada" seria um bom título alternativo para esta crónica.

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03
Jul24

Estranha forma de vida


Pedro Azevedo

Escrevo esta crónica sob a forma de um apelo, o de que os jogadores da nossa Selecção se unam, ponham o ego de lado e ofereçam o caneco ao povo português e... a Ronaldo. Sim, a Ronaldo, da mesma forma que os argentinos deram o Campeonato do Mundo a Messi. Sejamos claros, Ronaldo tem a justa ambição de passar à história com um estatuto semelhante a Messi. Durante mais de uma década isso nem se discutiu, a rivalidade entre ambos catapultou-os para o Olimpo dos deuses onde não havia lugar para mais ninguém. Mas a estrela de Ronaldo empalideceu na última década, período em que Messi conseguiu juntar uma Copa América ao título de campeão do mundo. Destacando-se. Ora, o que eu vi nesse torneio mundial foi uma equipa unida em torno de Messi, com um craque como Di Maria, campeão em Portugal, Espanha e França e ganhador da Champions, perfeitamente alinhado nesse propósito. É aqui que a porca torce o rabo, porque eu não vejo esse alinhamento em Portugal. O que vejo é uma imprensa que desdenha do jogador e que criou o mito de que há uma Selecção apesar de Ronaldo ou que com pesar ainda há Ronaldo na Selecção. E isso estimula a desagregação, gera ansiedade de querer mostrar demais, dá espaço à ambição porventura desmedida de jovens lobos já não tão jovens assim como Bruno Fernandes que se veem como líderes sem trono. Porém, é preciso dizer que, apesar de excelente jogador, Bruno, ao contrário de Di Maria, não tem um currículo preenchido de títulos, nunca venceu um campeonato nacional ou uma Champions, não esteve no Europeu que Portugal conquistou. O que quer dizer que não obstante a sua indiscutida qualidade individual, que no entanto nunca o aproximou de uma Bola de Ouro, não contribuiu decisivamente para o sucesso colectivo. Aconselha-se por isso mais humildade e uma maior noção do ridículo. Pelo que há que arrepiar caminho e promover o aggiornamento. Que não passa por querer à força promover Gonçalo Ramos - apenas 14 golos num contexto gaulês em que o PSG é marcadamente hegemónico - em detrimento de Cristiano Ronaldo. Evidentemente, Ronaldo é hoje um jogador diferente, já não tem a explosão de outros tempos em que levava a equipa nacional às costas, é hoje dependente de outros colegas. Mas com ele a Selecção não perdeu uma única fase final de um certame internacional de relevo e venceu todos os jogos da última qualificação europeia, com ele como máximo goleador. E foi providencial no Europeu ganho, com 2 golos à Hungria que permitiram um apuramento rés-vés Campo de Ourique para o mata-mata e 1 golo e uma assistência que nos puseram na final. Assim como foi determinante nos 3 golos da vitória sobre a Suiça que nos deram a possibilidade de discutir a final da Liga das Nações que vencemos. Merece por isso, mas não só, todo o nosso respeito. E não só, porque quando se fala de um Ronaldo obcecada por recordes individuais de golos e Bolas de Ouro estamos a olvidar que colectivamente contribuiu para 4 títulos de campeão do mundo de clubes (por 2 clubes diferentes), 5 Champions (2 clubes), 3 campeonatos ingleses, 2 campeonatos espanhóis, 2 campeonatos italianos, 14 taças e supertaças domésticas e europeias, uma Taça dos Campeões Árabes e o Euro e a Liga das Nações pelo nosso país. Ora, só isto deveria fazer-nos pensar que não há "apesar de Ronaldo" e sim "com Ronaldo". Agora o que é preciso é aliviar-lhe a pressão, pô-lo naquele estado "soltinho" em que se apresentou naquele jogo de preparação com a Irlanda. Pressão aliás que Bruno e Bernardo, os seus delfins, também têm estado a sentir, talvez porque o foco de todos eles não esteja no essencial, a vitória de Portugal. E, sim, Ronaldo tem um estatuto especial. Como Messi o tem na Argentina, onde ninguém o ousa contestar. Qual é o problema? Não fez por isso? Então, saibamos ganhar com ele, haja um treinador que indique que nem todos os livres (especialmente aqueles na zona da meia-lua) deverão ser da sua autoria e aproveitemos a nosso favor algumas das características que Ronaldo ainda não perdeu e que ainda inspiram temeridade nos adversários. Em vez de andarmos a ver problemas onde um qualquer estrangeiro só observaria soluções. Estranha forma de vida esta de ser português...

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02
Jul24

Tudo ao molho e fé em Deus

O Anjo de Guarda(-redes)


Pedro Azevedo

Não estou a gostar muito deste Europeu de andebol de 11 que se está a disputar na Alemanha. Na televisão só oiço falar em basculação e pontas invertidos. E não vejo profundidade, se calhar para evitar violações da área dos 6 metros ou ainda mais crateras na relva do que aquelas que ontem foram bem visíveis em Frankfurt (este termo da "profundidade" irrita-me e deveria também irritar o Júlio Verne nas suas 20.000 Léguas Submarinas). Como é regra, o pivô (Ronaldo) é quem tem levado mais pancada. Não se estranha. O que surpreende é que a maior carga de pancada venha dos estúdios (comentadores) e não dos estádios (jogadores adversários), mais uma originalidade lusa...

 

Depois de uma fase de grupos dada largamente à experimentação, hoje começou o mata-mata. Do outro lado estava a Eslovénia, pátria de Pogacar e Roglic, o que só por si era sinal de que teríamos de dar muito ao pedal. E demos, durante 120 minutos (mais penáltis). É certo que poderíamos ter abreviado o sofrimento quando Jota ligou a moto e 4 eslovenos já não tiveram pedalada que lhes valesse, optando então por o deixar apeado, mas Oblak e o poste negaram o golo de penálti a Ronaldo. Mas também não é mentira nenhuma que quando Pepe atingiu o seu ponto de saturação, Sesko seguiu isolado para a nossa baliza e só Diogo Costa manteve-nos no jogo. Na altura ainda não sabíamos, mas o Diogo estava só a aquecer para o que viria a seguir...

 

O que veio a seguir foi a marcação de grandes penalidades. O acto em si foi precedido por um protocolo: Ronaldo escolheu a baliza, que se encontrava à frente do sector onde se concentravam os adeptos portugueses, e Oblak determinou que seria a Eslovénia a primeira a bater. Durante a semana ouvimos várias análises que procuravam desmontar o jogo esloveno. Não foram análises quaisquer ou centradas unicamente na questão táctica. Nada disso, tanto foi dito que o Oblak era o melhor guarda-redes do mundo como que o Ilicic havia recuperado recentemente de uma depressão. Pensei nisso quando o vi partir para a bola. Mais sensível aos problemas de saúde mental dos portugueses, o Diogo voou para a bola e nesse vôo foi acrescentando centímetros aos seus braços até conseguir conectar com a bola. Agora caberia a Ronaldo tentar de novo adiantar-nos no marcador. O facto de Ronaldo ter assumido a marcação do nosso primeiro penálti revela bem o campeão que é. Poderia ter-se guardado para a quinta penalidade, que nem necessária poderia vir a ser, mas não. E então vimo-lo a inspirar fundo, o que não fizera aquando do penálti que bateu no prolongamento, e a desferir um remate perfeito, na força e colocação, que só parou na malha lateral da baliza de Oblak. Seguiu-se um esloveno, de novo um canhoto. Pensei que o Diogo se atirasse para o mesmo lado da penalidade de Ilicic, mas por instinto ou estudo prévio optou por mudar. E defendeu, novamente em grande estilo. Pelo que Bruno Fernandes, o senhor que se seguiu, tinha nos pés a possibilidade de dilatar a nossa vantagem. O Bruno partiu para a bola e o Oblak pareceu ter ficado com os pés colados à relva: 2-0 para Portugal !!! Veio então um destro esloveno, certamente para variar. Só que o Diogo voltou à primeira forma e acreditou no remate cruzado, acabando por sair-lhe o bilhete premiado. Apos 3 defesas do nosso guarda-redes a 3 remates eslovenos, Bernardo Silva tinha a possibilidade de acabar com o nosso sofrimento. E não a desperdiçou, mandando Oblak para a sua direita enquanto a bola seguia no sentido oposto. Portugal qualificava-se para os quartos.

 

Portugal foi melhor durante o tempo regulamentar mas teve sempre difiuldade em entrar no bloco esloveno. As excepções foram uns raids de Leão e de Nuno Mendes, este último um sério candidato a melhor em campo não fora Diogo Costa ter aberto o livro, perdão, as asas. Por isso estranhou-se a substituição de Leão por Conceição e a verdade é que a equipa caiu. Todavia, a velocidade e classe de Jota - será necessário um manifesto popular para que Martinez lhe dê a titularidade? - acabariam por proporcionar a Cristiano Ronaldo duas soberanas oportunidades não concretizadas. E lá fomos para os penáltis. Uma palavra para a Eslovénia, uma equipa sempre muito agressiva em cima da bola, contrariando a ideia de ser orientada por um treinador queque (ou Kek).

 

Numa noite de grande suor e muitas lágrimas, a emoção começou ainda antes do apito do árbitro para o início da partida quando a UEFA permitiu que fosse concedido 1 minuto de silêncio pela morte de Manuel Fernandes. E que estreia no Céu teve o nosso Manel(!), qual anjo de guarda(-redes) que acredito tenha encantado o nosso Diogo. É o que se chama entrar pela porta grande de São Pedro, que nenhuma outra além da 10A estaria de acordo com o jogador e Homem que foi. Ou é, que pessoas assim não morrem efectivamente, são eternas. Simplesmente, ascendem para verem ainda melhor e assim zelarem altruísticamente por nós (mas não abusem). 

 

Tenor "Tudo ao molho..." Diogo Costa, "O Homem Alado". Nuno Mendes, Palhinha (excelente segunda parte), João Cancelo, Rúben Dias, Vitinha, Jota e Leão estiveram em bom plano. Curiosamente, Bernardo, Bruno e Ronaldo, pouco inspirados durante o jogo, foram decisivos nas penalidades finais. 

Portugal ainda procura o rumo mas pelo menos sabe que está em mãos seguras (crónica)

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