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A Poesia do Drible

"Um pouco mais de sol - eu era brasa, Um pouco mais de azul - eu era além. Para atingir, faltou-me um golpe d'asa... Se ao menos eu permanecesse aquém..." - excerto de "Quasi", de Mário de Sá Carneiro

"Um pouco mais de sol - eu era brasa, Um pouco mais de azul - eu era além. Para atingir, faltou-me um golpe d'asa... Se ao menos eu permanecesse aquém..." - excerto de "Quasi", de Mário de Sá Carneiro

A Poesia do Drible

28
Jun24

Ain't no sunshine when he's gone


Pedro Azevedo

(Um dia muito triste: o Manel morreu e eu recupero aqui o que sobre ele escrevi estando ele ainda entre nós, que as pessoas só verdadeiramente desaparecem quando deixamos de pensar ou falar nelas.)

 

"Se uma pessoa se evidencia em vida, é justo que o reconhecimento público dos seus feitos também aconteça enquanto por cá anda. Ora, o Manuel Fernandes felizmente está connosco e espero que por muitos e muitos anos. Por isso, dedico-lhe esta humilde crónica como homenagem singela a um homem e um jogador de futebol que me deu inúmeras alegrias, sentimento que me gera uma dívida que nunca lhe conseguirei retribuir na íntegra.

 

Falar sobre o Manuel Fernandes é o mesmo que discorrer sobre a minha relação com o Sporting, eu que, menino, me estreei em Alvalade na época em que ele também se equipou pela primeira vez de leão rampante ao peito (de verde e branco já jogara, pela CUF). E se a minha estreia foi feliz, tal também se deveu em parte a ele, visto ter marcado um dos golos de uma esmagadora vitória (5-1) sobre o Porto do grande artista Cubillas. Além de excelente futebolista (já lá vamos), o Manel viveu o Sporting como nenhum outro futebolista depois dele. Eu bem o vi a sofrer por dentro e encolerizado por fora, na Luz, quando ao intervalo perdíamos 5-0 com o Benfica, que o apego ao símbolo que levava ao peito não lhe permitia conformar-se com a humilhação e vexação sentidas nesse momento. A vingança serviu-a fria, nove anos depois, com 4 golos no bornal numa épica vitória por 7-1 face ao rival eterno, ainda hoje o resultado mais desnivelado entre os 2 clubes em jogos oficiais. 

 

Fiél ao seu clube do coração, recusou inúmeros cantos de sereia dos nossos concorrentes ao título e só nos deixou quando lhe mostraram a porta de saída. Foi um tal de Burkinshaw, um treinador de má memória, quem lhe escancarou a porta, perante o silêncio e a inércia de uma direcção recém-eleita (Amado de Freitas) que sucedeu a João Rocha e não soube transmitir que num monstro sagrado não se toca. Se no longo-prazo pagaríamos tal dislate numa falta de mística que prolongaria a nossa travessia no deserto até se perfazerem 18 anos, no curto-prazo o défice foi imediato: deslocação a Setúbal para defrontar o Vitória e derrota por 1-0. Adivinhem quem marcou? O Manel, está claro. Na cidade do Sado pôde atenuar o enfado de ter deixado o Sporting ao reencontrar Malcolm Allison. E com Allison, Jordão, Eurico, Zezinho e Meszaros, a espinha dorsal da equipa campeã nacional pelo Sporting em 81/82. Continuou a marcar golos como sempre, até que arrumou as botas e assumiu a pasta de treinador. 

 

Do Manuel Fernandes jogador, recordo a finta curta dentro da área que o tornaria o pesadelo dos defesas, divididos entre tentar desarmá-lo ou correr o risco de sobre ele cometerem um penálti. Também a sua aceleração em poucos metros, seguida de súbita travagem com ABS que partia os rins a quem o defendia. Igualmente o seu entendimento com Rui Jordão, com quem comunicava por sinais de fumo e a quem daria múltiplas assistências para golo. Porque o Manel era assim, e muitas vezes podendo marcar, servia o companheiro mais bem colocado (ou, simplesmente, a precisar do golo para ganhar moral), altruisticamente. E quando a este duo se juntou António Oliveira, então nasceu a santíssima trindade (o Jordão era mesmo Trindade de apelido), para gáudio de todos os que seguiram de perto a epopeia de 82. Todavia, o traço que mais me impressionou nele foi a forma como se adaptou a avançado centro, ele que na CUF jogara como extremo, e como conseguiu sobreviver à pressão de substituir um outro meu ídolo de infância, o Hector Yazalde.

 

Bastas vezes injustiçado no espaço da Selecção, de Manuel Fernandes raramente se ouviu um queixume. Homem humilde, nunca deixou de ser um senhor. No relvado, apesar de craque, fez sempre prevalecer a equipa em detrimento do seu interesse individual. Assim ocorreu, por exemplo, quando aceitou recuar um pouco no terreno para dar a área a Rui Jordão. Talvez por isso só tenha conquistado uma Bola de Prata, troféu que premeia o melhor marcador do Campeonato. Ganhou, no entanto, muito mais do que isso: a admiração de todos os Sportinguistas que sempre o viram como um de nós. 

 

Longa vida, Manel, e que o seu Sportinguismo ainda possa contagiar novas gerações de leõezinhos espalhados pelo país. Como, aliás, me contagiou a mim e disso lhe estou mui grato. Grande Manuel Fernandes, enorme campeão!!!"

 

"Eterno é tudo aquilo que vive uma fração de segundo mas com tamanha intensidade que se petrifica e nenhuma força o resgata." - Carlos Drummond de Andrade

 

P.S. Foi com o Manuel Fernandes (e Damas e Fraguito, os meus outros dois ídolos, que o primeiro de todos, Yazalde, já não fui a tempo de o ver jogar) que a minha relação com o Sporting passou de uma onda média (da rádio) para um tsunami de emoções (aquando da primeira vez que pisei o solo "sagrado" do velhinho José Alvalade).

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27
Jun24

Tudo ao molho e fé em Deus

Georgia on my mind


Pedro Azevedo

A primeira vez que ouvi falar na Geórgia foi pela voz de Ray Charles, que cantava que o estado americano, de que aliás era nativo, lhe tinha ficado para sempre na memória. Afinal, vim a descobrir mais tarde, havia outra, produto da desagregação da antiga União Soviética, com cidadãos com nomes como K V A R A T S K H E L I A, e outros do mesmo género, que só estava habituado a ler aquando das visitas ao oftalmologista. Essa "nova" Geórgia tornar-se-ia posteriormente uma minha velha conhecida através do rugby, ainda que tal conhecimento dificilmente pudesse ser caracterizado como agradável face às sucessivas derrotas impostas pelos georgianos aos nossos "Lobos". Pelo que o jogo de ontem se afigurava como de vingança por anos de provações que me deixaram com um "melão", que é metáfora que se aplica perfeitamente a uma modalidade em que a bola tem uma forma oval. 

Na antecâmara do jogo entrevistaram o melhor comentador das televisões portuguesas, o Professor Marcelo. Este logo considerou como muito inteligente a escolha do Onze titular e eu fiquei imediatamente de pé atrás. É que há um certo paralelismo entre Roberto Martinez e o Professor Marcelo, na medida em que ambos partilham o enorme desejo de afirmar ao mundo a sua imensa inteligência, nem que para tal seja necessário recorrer à... invenção (a vichyssoise do senhor Martinez chama-se "flexibilidade táctica"). E assim lá regressou a Geringonça (3-4-3) com os problemas do costume, ou seja, menos centro (só Palhinha e João Neves) em função de uma redobrada influência da extrema esquerda (Pedro Neto). A coisa já havia dado maus indicadores no passado, por pouco não nos levando a um checo-mate, mas o experimentalismo, tentação pelo abismo e a procura de afirmação de genialidade por parte do nosso seleccionador conduziram-nos de novo para esse buraco negro. Mudando-se novamente de sistema, quando a anunciada entrada de muitos jogadores até aí pouco ou nada utilizados recomendaria uma estrutura sólida em campo à qual se pudessem agarrar. Não havendo um sistema sustentado, Martinez pensou no individual. E lançou Diogo Costa, Palhinha e Ronaldo como tábuas de salvação. Só que não chegou: Diogo nada pôde fazer nos remates que deram os golos, Palhinha estava a ser o nosso melhor em campo mas foi substituído ao intervalo e Ronaldo teria dado o tempo por mais bem empregue com a Georgina do que com os georgianos. Pelo que a estratégia (?) redundou em fiasco absoluto. 

 

O sistema não era bom, havia muitos jogadores novos, mas Portugal tinha um trunfo: a Geórgia precisava de atacar para tentar vencer e assim garantir o apuramento para os oitavos de final. Pensava-se, por isso, que Portugal entraria no jogo de forma prudente, esperando pela iniciativa georgiana para melhor apanhar o adversário no contra-ataque. Mas António Silva fez um passe para trás sem olhar, Danilo viu Inácio acompanhar o jogador da Geórgia portador da bola e não endireitou a sua trajectória na direcção de Kvaratshkelia, António Silva perdeu em velocidade com este e a bola terminou dentro da baliza de Diogo. A perder, Portugal viu-se obrigado a ir atrás do prejuízo. Só que a velocidade de circulação de bola foi lenta e a ideia de pôr Felix entre-linhas não funcionou de todo, pelo que Ronaldo quase não teve bola, destacando-se apenas num livre directo, em dois remates bloqueados miraculosamente por defesas georgianos e numa tentativa de cabeceamento que António Silva (sempre ele) antecipou e se perdeu sem glória. 

Para o segundo tempo o Palhinha foi poupado a um amarelo, entrando Rúben Neves para apanhar o... amarelo. O resto foi mais do mesmo, com um golo saído dos desenhos animados a condenar definitivamente os portugueses: Diogo Costa colocou a bola num georgiano a fim de evitar um canto, João Neves cortou mas passou curto para António Silva e este chegou mais cedo ao pé de um adversário do que à bola e cometeu penálti. Até ao fim ainda entrou Gonçalo Ramos para o lugar de Ronaldo, mas o problema estava a montante e não a jusante e assim continuou. 

 

Portugal perdeu e bem e agora urge recuperar psicologicamente o jovem António Silva. O melhor do jogo foi a poupança de jogadores nucleares como Rúben Dias, Pepe, Nuno Mendes, Bernardo ou Bruno Fernandes, o pior foi a insistência num sistema táctico que no espaço da Selecção tem muito pouco tempo para ser aprimorado. Claro, o seleccionador poderia ter obviado esse problema recorrendo a jogadores do Sporting (actuais e antigos) que estão perfeitamente identificados com esse sistema e dinâmicas inerentes, mas Pote, Nuno Santos e Trincão não foram convocados, Matheus teve pouco tempo de jogo e isso diz muito sobre a consistência (ou falta dela) das ideias e escolhas do senhor Martinez. Venha então a Eslovénia e com ela uma nova revolução. É a flexibilidade táctica, senhores. Vai mais uma voltinha na montanha russa ??? Atenção que pode ser a última...

 

Tenor "Tudo ao molho...": João Palhinha

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24
Jun24

O melhor Onze


Pedro Azevedo

Estes dois jogos de Portugal no Euro ajudaram a clarificar quem são os jogadores indiscutíveis no nosso Onze e qual o melhor sistema táctico a apresentar. Na baliza e sector defensivo, Diogo Costa, Ruben Dias, Pepe e Nuno Mendes estão de pedra e cal. No miolo, a inclusão de Palhinha trouxe outra consistência defensiva e Bruno Fernandes tem uma dinâmica ofensiva de que a Selecção não pode abdicar. Na frente, Ronaldo e Bernardo não têm discussão. Pelo que há 3 lugares de titular em aberto, um por cada zona do terreno: lateral direito, "oito" e interior/extremo esquerdo. Cancelo é um lateral de forte propensão ofensiva, mas defensivamente comete erros de principiante, arriscando o desarme a meio do nosso meio-campo quando o mais prudente seria fazer contenção, ou estando frequentemente mal posicionado para o momento da perda de bola. Tanto Dalot como Nelson Semedo dão mais garantias defensivas, mas o senão é o défice no balanço atacante. Ponderando os prós e contras, Semedo talvez seja a solução mais equilibrada. No meio-campo, Vitinha tem vindo a ser a solução. Curiosamente, a sua influência parece ser maior no 3-4-3, sistema que não provou, do que no 4-3-3, que foi experimentado com sucesso e se ajusta melhor às características da maior parte dos jogadores. O problema de ter Vitinha no 4-3-3 é que ele se imiscui muitas vezes no início da construção, retirando margem a Palhinha na condução de bola. Ora, se há aspecto em que Palhinha cresceu bastante foi no passe raso entre-linhas. Porém, com Vitinha não temos 3 linhas no meio campo, a equipa joga mais em 4-2-3-1 do que num efectivo 4-3-3, o que torna a ligação com Bruno Fernandes mais difícil e arriscada, exactamente por ausência de um "middle man". Não está em causa a valia individual de Vitinha, mas, a meu ver, João Neves ou Matheus têm as características ideais para serem o elo de ligação entre Palhinha e Bruno, até pelo contraste que apresentam face a estes dois. Na frente, para mim, Jota é indiscutível. Não há ninguém tão equilibrado a atacar e defender, nem quem defina tão bem como o jogador do Liverpool. Leão traz repentismo mas define quase sempre mal e Félix vem mais para dentro, o que exige maior profundidade ao lateral (será mais jogador para o 3-4-3). 

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22
Jun24

Tudo ao molho e fé em Deus

Experiência superada


Pedro Azevedo

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Cada jogo de Portugal é uma nova experiência para Roberto Martinez, uma oportunidade de (re)inventar o futebol. O problema é que se inventar o futebol fosse sinónimo de ganhar, a Inglaterra teria vencido todos os Campeonatos do Mundo e da Europa em que participou e não apenas o Mundial de 66 que organizou e onde, quiçá em nome da Aliança celebrada em 1386 (Tratado de Windsor), contou à última hora com o beneplácito português de passar a meia-final de Liverpool (Goodison Park, nosso Quartel-General) para Londres (Wembley). Toda a gente sabe que no futebol a componente física é importante, mas a química que se estabelece entre os jogadores também o é. Vai daí, o Roberto Martinez mete a equipa toda num tubo de ensaio dentro de um laboratório e depois vai combinando aleatoriamente, 11 a 11, diversos reagentes à espera que dessa mistura saia o produto da solução ideal. Depois, a fim de sinalizar que a reacção se está a produzir, usa muito o azul (de tornassol) como indicador. Só que às vezes no aquecimento, não necessáriamente com o Bico de Bunsen, já se vê que a coisa vai correr mal, libertado-se gases tóxicos que após exposição prolongada podem conduzir a alucinações intermitentes e até a um lacrimejar pungente. Foi até certo ponto o caso do ocorrido contra a Chéquia, embora as lágrimas tenham sido contidas num ultimo momento. No fundo, no fundo, o senhor Martinez é o Panoramix dos tempos modernos, com a diferença que onde o druida gaulês apostava na melhoria do rendimento individual (poção mágica), o espanhol procura a reacção em cadeia, nem que para isso tenha primeiro de fazer explodir o laboratório e depois ver-se obrigado a levar os jogadores à vez para dentro de um caldeirão a ferver até encontrar os 11 reagentes que combinem idealmente entre si. Era porém sabido que, tal como os ponteiros de um relógio parado, que num determinado jogo a hora iria bater certo. A interrogação que se colocava era se essa hora viria ainda a tempo. Nesse impasse, chegou o jogo com a Turquia... 

 

Para o jogo com a Turquia, Bob Martinez recorreu a Palhinha. Ora, Palhinha é como diz o anúncio da Savora: com ele, toda a comida melhora. Depois, trocou a geringonça táctica do jogo com a Chéquia por um onze mais próximo do que uma maioria absoluta de adeptos recomendaria, disposto em 4-3-3. Com os reagentes próximos do ideal (continua a ser incompreensível a exclusão de Jota) e na posição correcta, Portugal rebentou com a Turquia: Bernardo inaugurou o marcador no aproveitamento de uma bola perdida na área. Depois. o Autogolo, o melhor marcador de Portugal no Euro, fez o segundo. E, já no segundo tempo, uma desmarcação circular de Ronaldo foi acompanhada por um passe açucarado do capitão português para Bruno empurrar para o golo. Portugal venceu assim o jogo e o grupo, garantindo a qualificação para os oitavos-de-final. Com isso ganhámos tempo: de recuperação física dos mais utilizados, que deverão ser poupados com a Geórgia, e de rodagem de outros jogadores. Um tempo que no entanto não aquecerá nem arrefecerá a Pepe, cuja carreira não se rege pelo calendário gregoriano que todos nós seguimos, o que é o mesmo que dizer que o tempo não passa por ele. Pepe foi o eucalipto que faltou aos pupilos de Montella para submeterem os portugueses ao banho turco, acabando eles por entrar em burnout tantas foram as vezes que o central português lhes negou o caminho para o golo. 

E Martinez? William Blake dizia: "Como saberes o que é suficiente, se não souberes o que é demais?". Com a Chéquia, as suas opções foram demais, hoje, com o caldeirão a ferver, misturou muito melhor os ingredientes e regressou ao suficiente. Não foi demais, foi de mais. Muito mais. Portugal, olé , Portugal, olé!!!

 

Tenor "Tudo ao molho..": Pepe

18
Jun24

Tudo ao molho e fé em Deus

A Teoria do Caos


Pedro Azevedo

Caro Leitor, este Roberto Martinez é definitivamente um personagem dos desenhos animados: umas vezes Bob, o Construtor, a desfazer e refazer do zero o que parecia já edificado e sólido, outras o Professor Pardal, a inventar tácticas mirabolantes. Foi este último que aliás se apresentou contra a Chéquia, mas por sorte houve um Lampadinha (Conceição) a salvar-lhe a face. 

 

Portugal apresentou-se ontem em campo com um sistema táctico e concomitantes dinâmicas baseadas na Teoria do Caos. Esta trata de sistemas altamente complexos, difíceis de entender por um homem médio que não o Professor Pardal, cuja dinâmica acaba por suscitar uma instabilidade que se denomina como "sensibilidade às condições iniciais", que os torna não previsíveis ao longo do tempo. Assim, ao alterar permanentemente o Onze titular, o inventor vai introduzindo o caos determinístico, tornando impossível prever o que se passará a seguir. As correcções que de seguida efectiva no modelo não permitem regressar às condições iniciais, até porque já houve ocorrências intermédias que não podem ser apagadas, pelo que a dado momento o sistema afigura-se aleatório à vista desarmada, dada a sua profunda instabilidade. É o "Efeito Borboleta" e as suas consequências, como explica Lorenz, que em termos de Selecção podem resumir-se ao bater de asas da Selecção na Alemanha virem a influenciar uma revolução no corpo técnico da Federação em Lisboa. Tão certo como a morte e os impostos, se as coisas não mudarem.

 

Contra uma Chéquia toda recuada no terreno, Portugal actuou 90 minutos com 3 centrais que, à falta de cartas para jogarem uma bisca lambida, se entretiveram a marcarem-se uns aos outros. Depois, faltou um cabeça de área (Palhinha) que estivesse na zona onde os checos desferiram o remate que os adiantou no marcador e que conduzisse a primeira vaga de construção para libertar os restantes médios para funções mais ofensivas. Com 2 médios a jogar na mesma linha e separados dos avançados pelo muro que os checos construíram, em vez de 3 em 3 linhas diferentes como seria lógico e recomendável, Portugal não conseguiu produzir evidentemente qualquer jogo interior entre-linhas (a não ser aquele que só o senhor Martinez reconheceu ter visto, em entrevista após o jogo), limitando-se a circular a bola por fora do bloco checo. Com isso, Martinez foi o melhor amigo da Chéquia, reduzindo à banalidade um jogador como Bruno Fernandes, com enorme potencial de golos e assistências. Não só faltou Palhinha como também um médio rompedor (João Neves ou Matheus Nunes), que Bruno e Vitinha parecem pouco compatíveis e o treinador deverá decidir por um só. Estando os 2 médios atados atrás e conseguindo Martinez a proeza de manter os 3 centrais até ao fim, nunca lançando um terceiro médio (Cancelo andou por lá, qual peixe fora de água), as movimentações dos nossos avançados foram facilmente anuladas pela superioridade numérica da Chéquia nessa zona. Acresce que Bernardo desgastou-se em funções redundantes e fez um jogo muito fraco e Leão mostrou uma péssima definição dos lances, não se entendendo o motivo pelo qual o primeiro não foi substituído (por Chico Conceição) e o mistério da razão que continua a afastar Jota da titularidade. No meio de tanta asneira (Nuno Mendes chegou a jogar como central, antes da entrada de Inácio) e desorganização táctica (que Martinez orgulhosamente define como "flexibilidade"), valeram-nos dois erros crassos defensivos da Chéquia que nos deram a vitória e evitaram um escandaloso checo-mate, o último dos quais já bem perto do gongo e a envolver ainda Chico Conceição e Pedro Neto, 2 jogadores que haviam entrado ao minuto 90. Pelo que não faltará quem elogiará o génio de um seleccionador capaz de prever que 4 minutinhos seriam uma enormidade de tempo para sacar dois coelhos da cartola. Assim sendo, é de prever que Roberto Martinez continue a fazer magia e que a grande ilusão termine com o título europeu. Se já aconteceu com Fernando Santos, por que não com este discípulo de Jorge Silas e do "Tudo ao molho e fé em Deus" a.k.a "flexibilidade táctica"? Em todo o caso, receio que ainda venhamos a lamentar não termos convocado o Ritalina para resolver o problema da hiperactividade do nosso seleccionador. 

 

E agora, alguém se atreve a tentar adivinhar o Onze contra a Turquia? É mais fácil acertar no Euromilhões...

 

Tenor "Tudo ao molho...": Chico Conceição (decidiu o jogo)

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13
Jun24

O meu Onze para o Euro


Pedro Azevedo

Com base no que têm sido as escolhas de Roberto Martinez e as respostas dos jogadores, e tendo em conta (com muita pena minha) que o seleccionador nacional considerou que os 18 minutos concedidos a Matheus Nunes (divididos por 2 jogos) foram uma oportunidade, este é o meu Onze para o Euro:

 

Diogo Costa

Diogo Dalot

Rúben Dias

Pepe

Nuno Mendes

João Palhinha

João Neves

Bruno Fernandes

Bernardo Silva

Cristiano Ronaldo

Diogo Jota

12
Jun24

Tudo ao molho e fé em Deus

Bob Descartes


Pedro Azevedo

Os jogos de preparação para uma grande competição servem essencialmente para o seleccionador tirar as últimas dúvidas sobre os jogadores e o sistema a utilizar no arranque oficial, assim a jeito de um ensaio geral repetido tantas vezes quantas as necessárias para garantir que a "máquina" fica bem "oleada". Assim acontece um pouco por todo o mundo. Em todo o mundo menos numa "pequena aldeia de irredutíveis gauleses", que por acaso até são portugueses. É verdade, na antecâmara do Euro, por via da sua costumeira originalidade, Portugal tem agora mais dúvidas do que certezas: a outrora garantida linha de 4 defesas está agora ameaçada pelo sistema dos 3 centrais. Assumindo que o meio campo será a 3, Vitinha deixou de ser uma certeza, podendo ser preterido em função de João Neves. Mais, acertar nos 2 laterais (alas?) que serão titulares parece agora um exercício com um coeficiente de dificuldade semelhante a ganhar o Euromilhões. E, na frente, há a incerteza sobre se a táctica será ajustada para poder incluir um vagabundo Félix (há que reabilitar o "Menino de Ouro", nem que para isso tenhamos de entrar em campo com 1 a mais) ou se o Jota se submeterá humildemente ao 4-3-3 tradicional. Pelo que a única certeza que ficou destes jogos a brincar foi que o Ronaldo será titularíssimo, o que deve estar a dar alguma azia aos "haters" do costume que acham que o Cristiano é o grão de areia que atrapalha o bom funcionamento da "máquina". Viu-se...

 

Aos 39 anos, o Cristiano Ronaldo marcou um golo após um trabalho individual soberbo, fez outro através de uma finalização de primeira de alto nível e ainda enviou um livre directo ao ferro e isolou o Dalot com um passe magnífico. Entre outras minudências que, por exemplo, enfolam o ego e a conta bancária ao Félix mas para o Ronaldo são só um "amouse bouche" para o prato principal que vem a seguir. Será titular de caras. Tal como o Diogo Costa e o Bruno Fernandes. E o Rúben Dias. Também o Bernardo, pelo estatuto. E o Pepe, se estiver bem. Daí para a frente é uma incógnita. Quer dizer, o Palhinha seria titular em 99,9% das selecções e clubes do mundo, mas na nossa nunca se sabe. E o Félix suspeito que jogará de início, pois já se percebeu ser um amor (de perdição?) de Martinez. O resto logo se verá. E quanto aos sistemas, tanto quanto se sabe, poderemos jogar em 4-3-3, 4-4-2, 3-4-3 ou 3-5-2, uma flexibilidade táctica que lembra os tempos de Silas no Sporting e faria o Rúben Amorim perder o cabelo todo em apenas 45 minutos. 

 

No fundo, as "convicções" de Roberto Martinez assemelham-se à dúvida metódica de René Descartes: Martinez duvida sistematicamente que cada uma das suas crenças seja verdadeira ("Bob, o Desconstrutor"), a fim de construir ("Bob, o Construtor") a partir do zero um sistema de crenças que consista apenas em crenças certificadamente verdadeiras. Com uma única excepção: Félix. No final se verá se a certificação obedecia aos critérios de qualidade ISO e se muitas opiniões tidas como verdadeiras não se revelarão como falsas. Mas para já é preciso começar. Do zero, que da dúvida metódica virá a luz. Se a dúvida falhar, pode sempre avançar o Ronaldo... (Hoje avançou, ou não fosse o Cristiano também Aveiro.)

 

Tenor "Tudo ao molho...": Cristiano Ronaldo

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09
Jun24

Tudo ao molho e fé em Deus

Do mito à realidade


Pedro Azevedo

Não sei se as Ilhas Faroé, Andorra, Gibraltar, Malta, Chipre ou outros colossos do futebol mundial não estavam disponíveis nesta janela de preparação para o Euro, o que sei é que não havia necessidade de trazer uma selecção de veteranos da Croácia para provar de uma vez por todas a eloquência do futebol de Félix, 120 milhões esvanecendo-se no relvado sob a forma de uma total inconsequência. Mas como com o senhor Martinez aprendemos que a Selecção é um espaço de recuperação de inválidos do comércio e de perpetuação de propaganda sobre figuras da mitologia jornalística nacional, o processo decorre conforme o previsto. A única maçada é que vem aí o Euro, e com ele uma desnecessária exposição a objectivos que não são o núcleo central da acção de um seleccionador nacional. Mas isso é o menos, o pior é que de tanto se procurar transformar mitos em realidade, acaba-se por tratar mal as poucas realidades que não são aparentes ou confundíveis com percepções nem sempre condizentes com o que é real. É o caso do Ronaldo. Nesse sentido o dia de ontem foi muito mau para os estatísticos de amostras de uma observação só, aqueles sempre pródigos a elogiar o fluidez do jogo nacional quando o astro português não está em campo. Tal como o jogo com Marrocos já tinha mostrado à evidência, embora eles teimem em não querer ver. No fundo, o mesmo ensaio sobre a cegueira que os fez embandeirar em arco com o pleno de vitórias sobre a fina flor do terceiro mundo do ludopédio mundial. Ensaio do qual se deve excluir o senhor Martinez: enquanto outros põem a cabeça na areia como a avestruz, ele aprende. Ou diz que aprende, elogiando os méritos destas derrotas e qualificando-as como muito importantes. Como já havia acontecido na Eslovénia ou de cada vez que levamos dois golos de adversários menores. Porque o importante é preparar o Mundial de 2026 e aí perder com estilo para melhor acolher o Euro 2028. E assim sucessivamente. Nesse sentido, Martinez não representa uma evolução face a Fernando Santos: Martinez não é a versão 2.0 de Fernando Santos, mas sim a sua versão beta, sempre disposto a elogiar uma "excelente" pergunta de um jornalista ou a compadecer-se com os azares daqueles que nunca convocou. Pelo que se prevê que continuemos a pedir a Palhinha que, sozinho, segure o peso do mundo, qual Atlas das transições defensivas, em vez de o ajudarmos, pondo-lhe à frente um Matheus Nunes. E que o Diogo Jota continue a ser preterido pelo Félix, numa equipa onde só Ronaldo e Bruno têm golo e para quem as balizas não exercem um fascínio por aí além. Porque a nossa onda é andar a filosofar pelo campo adentro, o Cancelo a mostrar-nos as virtudes e contradições do livre-arbítrio, o Vitinha a ser tese e antítese hegeliana ao mesmo tempo, o Félix a lembrar-nos o existencialismo como Heidegger o vê. Até que o Arquimedes que há em Ronaldo exclame Eureka! ou o Kierkegaard existente no Bruno elucide o Bernardo e todos os outros que a  vida só se compreende olhando para trás mas só se vive para diante. 

 

Tenor "Tudo ao molho...": Diogo Jota

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07
Jun24

Um dia...


Pedro Azevedo

Se um dia o Rúben Amorim sair, o Leitor vê algum treinador actualmente a trabalhar em Portugal com capacidade para assumir a lideraça técnica do Sporting? Para mim, há um: Luís Freire. O seu Rio Ave foi a equipa que deu mais água pela barba aos Leões. Perdemos (mal) com Vitória e Benfica, mas com os vilacondenses o empate ajustou-se completamente ao que se passou no terreno de jogo. Como alternativa talvez o Daniel Sousa, com trabalhos meritórios em Arouca e Barcelos, mas Braga será o teste decisivo para aquilatar as suas reais capacidades num contexto superior (no contexto de um grande, a sua discrição levanta mais dúvidas que a personalidade mais marcante de Freire). Bom, mas isso espero que aconteça daqui a muito anos, que Amorim é o homem certo no clube certo.

05
Jun24

Treinadores com menos sucesso que jogadores na Europa


Pedro Azevedo

Ao contrário dos melhores jogadores portugueses, que foram campeões nas principais (Big 5) ligas europeias e até venceram a Champions, o histórico dos nossos treinadores nesses campeonatos é comparativamente fraco, tão fraco que se resumem a um trio as histórias de sucesso. O primeiro treinador a triunfar lá fora foi Artur Jorge (PSG, França), seguindo-se-lhe José Mourinho (Chelsea, Inglaterra; Inter, Itália; Real Madrid, Espanha; Champions pelo Inter) e Leonardo Jardim (Mónaco, França). Verdade seja dita, as oportunidades também não foram muitas, pois, exceptuando Toni (Bordeaux, França), Villas-Boas (Chelsea, Inglaterra) e Mourinho (Man U, Inglaterra), mais ninguém treinou um clube dessas ligas que tivesse hipóteses mínimas de vencer campeonatos (o Tottenham, por onde andaram Villas-Boas, José Mourinho e Nuno Espírito Santo, não deve ser incluído no lote de favoritos). 

 

Ora, se temos uma boa opinião sobre os nossos treinadores e ela até parece justificar-se, se é português um dos empresários de futebol mais influentes do mundo, custa a entender a razão pela qual eles não estão na alta-roda. A razão talvez se encontre no facto de não terem desempenhos europeus dignos de registo, faltando aí por vezes um golpe de asa ou mais uma pitada de ambição que faça com que se ultrapasse a desculpa fácil da diferença de orçamentos - Cruijff dizia que nunca tinha visto um saco de dinheiro ganhar um jogo de futebol - e se atinja um patamar superior. Porque a verdade é que Artur Jorge ganhou um contrato em França (Matra Racing) e José Mourinho outro em Inglaterra (Chelsea) por terem vencido a Taça dos Campeões/Champions e Villas-Boas chegou lá por vencer a Liga Europa (Toni foi finalista da Taça dos Campeões), enquanto o feito de Leonardo Jardim deve ser comparado à parábola de David (Mónaco) e Golias (PSG) na medida em que os monegascos não eram propriamente favoritos à partida. 

 

Dirá o Leitor que, defendendo os principais clubes portugueses, dificilmente os nossos treinadores poderão ter sucesso na Europa. Porém, isso não tem servido de desculpa aos treinadores holandeses, por exemplo, que têm coleccionado várias conquistas europeias. O último a ingressar num clube de topo das Big 5 foi Arne Slot (Liverpool), que acumulou boas actuações europeias com o Feijenoord. Dá que pensar, não é? Será que falta inovação aos nossos "misters", que se encostaram demasiadamente à escola Mourinho? E o Leitor, o que pensa disto? (Eu por mim até fico contente que lá fora não olhem com os devidos olhos para Amorim, mas choca um bocadinho ver os nossos principais treinadores serem permanentemente relegados.)

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