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A Poesia do Drible

"Um pouco mais de sol - eu era brasa, Um pouco mais de azul - eu era além. Para atingir, faltou-me um golpe d'asa... Se ao menos eu permanecesse aquém..." - excerto de "Quasi", de Mário de Sá Carneiro

"Um pouco mais de sol - eu era brasa, Um pouco mais de azul - eu era além. Para atingir, faltou-me um golpe d'asa... Se ao menos eu permanecesse aquém..." - excerto de "Quasi", de Mário de Sá Carneiro

A Poesia do Drible

28
Abr24

Tudo ao molho e fé em Gyokeres

Once upon a time in the West Ham


Pedro Azevedo

Com a vitória sobre o... Vitória, o Sporting ficou muito perto do título de campeão nacional. A instabilidade anterior à entrada de Amorim em Alvalade pareceu longínqua no tempo e definitivamente erradicada, com os resultados tinha chegado a famosa tranquilidade com sotaquezinho espanhol (língua do nosso grande capitão Coates) que no passado, entre outros méritos,  até normalizara o risco ao meio do Paulo Bento. Até que aconteceu segunda-feira, não um dia a seguir a Domingo semelhante a outros 51 que ocorrem durante 1 ano, mas aquele em que Rúben Amorim apanhou um avião (o avião criou imediato desassossego, se tivesse sido visto em Tires a andar de bicicleta ou trotinete saberíamos que não iria longe). A caminho de Londres. Para ir tratar de presuntos, na zona oeste da capital inglesa. Confesso que não entendi o empolamento. Quer dizer, já todos conhecíamos a ambição europeia de Amorim, mas o meu receio foi que ele se tivesse metido num vôo para Estrasburgo, à boleia de ser cabeça de lista da AD para o parlamento europeu. Porque o mandato é de 5 anos. Mas não, felizmente não, tal como o Montenegro, eu confundi alhos com Bugalhos: o Amorim só tinha ido a Londres. E sobre o assunto não adianta serrar mais presunto (há um campeonato para vencer). Ainda se fosse um Pata Negra talvez valesse a pena, mas assim...

 

Bom, mas isso foi na segunda-feira, hoje o Sporting jogava no Dragão (Oeste por faroeste, antes o último, ainda por explorar). Pelo que lá fomos nós à procura do Henry Fonda e de outros mauzões, só que o Fonda já havia sido mandado para casa por uma multidão em repúdio através de um escrutínio popular. Como o Mau estava de fora, tomou-lhe o lugar o Vilão-Boas (mas isso é um outro filme). Não tivemos Bronson, o que (não) foi uma gaita, mas Cardinal(e) não estava na linha, o que deu para evitar distrações. Assim, ninguém ficou de beiço caído... Sem Bronson, o herói foi Gyokeres. Amorim ainda deu 60 minutos de avanço ao Porto, facto de que agora deverá estar arrependido. Foi um erro, uma asneira, ter Inácio fora de posição e uma ala esquerda coxa, assim como a ida de Diomande (desastrado) a jogo. Só que Gyokeres foi para dentro de campo, Quaresma também, Nuno Santos entrou à hora de jogo, todas as peças finalmente encaixaram e o Sporting melhorou imediatamente. Até lá, valeram Hjulmand e Coates, que evitaram o naufrágio e deram fôlego a Amorim para corrigir aquilo que estava errado. 

 

O jogo e a semana resumem-se numa frase/interrogação de William Blake: "Como saberes o que é suficiente, se não souberes o que é demais?". Amorim pisou o risco, teve uma dose dupla de aprendizagem e crê-se que tenha compreendido a lição. Ora, lição rima com campeão. E Portimão, cidade do próximo clube que nos visita. É para ganhar, claro, qual a dúvida? Somos o Sporting, logo a Oeste nada de novo...

 

Tenor "Tudo ao molho...": Viktor Gyokeres

 

P.S. Força, meu capitão! As melhoras, Manuel Fernandes, e que no Marquês celebremos também a sua recuperação. 

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27
Abr24

Amorim e o futuro


Pedro Azevedo

Custa muito a crer que aquilo que agora é claro para Amorim não o tenha igualmente sido na segunda-feira. Ou foi o resultado do encontro tido com o West Ham que determinou que a viagem a Londres tenha sido um "erro" ou "asneira"? Em todo o caso, ficou evidente a vontade do treinador em sair. Por vontade de tomar novos desafios ou por entender que, ganhando o campeonato, o seu período em Alvalade estará terminado. Se este último for o caso, então permitam-me elucidar (iluminar) Amorim de que pode estar a deitar para trás das costas a possibilidade bem real de abrir um ciclo virtuoso no Sporting, semelhante ao que o clube viveu entre o final da década de 40 e os primeiros anos da de 50. Porque esse é o cenário que se abre com um Porto presumivelmente a testar uma nova liderança e um Benfica onde a contestação a Rui Costa é crível que aumente na proporção em que treinadores investidos de escudos protectores irão ficando por o caminho. Pelo que é de uma oportunidade histórica de vincar uma era que estamos a falar, algo que não pode deixar de sensibilizar Amorim. Isso acontecendo, será depois questão de a administração da SAD lhe fazer sentir que o núcleo duro da equipa se manterá e que episódios como os que levaram Matheus Nunes a sair inesperadamente não se repetirão. Essas serão as condições ideais ("Goldilocks") para o sucesso e Amorim poderá ser o arquitecto por detrás do ciclo. Uma saída agora, para lá de um risco enorme para si, seria também um risco elevadíssimo para o Sporting, que tem um elenco de jogadores e uma equipa de futebol mecanizados num sistema e dinâmicas com assinatura de autor. Um cenário portanto indesejado e que deve ser evitado pelas partes, criando perplexidade que a SAD tenha sido informada da viagem e não a tenha impedido em nome de um bom-senso que agora Amorim vem reconhecer não ter tido. Nada porém que não lhe deva ser perdoado em nome dos bons serviços prestados ao clube, que para se cometerem erros basta ser humano. Mas, antes, há que voltar a pôr os bois à frente da carroça para que esta ande para a frente, em direcção à meta. Já amanhã, no Dragão. O resto será discutido depois. No silêncio dos gabinetes e sem promessas vãs. O contrário só iria afectar mais a imagem do clube e do seu treinador, este último tendo-se deixado envolver num jogo onde tem sido sistematicamente preterido, quiçá porque as contrapartidas que pede aos clubes interessados, relacionadas com o processo de tomada de decisão em matéria de contratações e filosofia de jogo, só o Sporting está em condições de lhe garantir. Homem inteligente, Amorim não precisará certamente de dar a volta ao mundo para compreender isto, poupando-se assim ao desgaste. Investindo na Europa, mas cá dentro, o que no futuro poderá ser determinante para impôr as suas condições a novos interessados (Mourinho e AVB foram para gigantes europeus depois de terem vencido a Champions e a Liga Europa, respectivamente).

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26
Abr24

Provavelmente o melhor dos que você nunca viu

Matt Le Tissier


Pedro Azevedo

Le Tissier nasceu em Guernsey, uma ilha localizada no Canal da Mancha que embora sob dependência da coroa britânica não faz parte do Reino Unido. Estreou-se como profissional aos 17 anos no Southampton e por lá ficou até ao final da sua carreira, devoção ao clube que lhe terá custado um outro reconhecimento nacional e internacional. Porém, não lhe faltaram oportunidades para mudar de ares, pois durante os anos em que esteve no activo foi uma constante obsessão de Sir Alex Ferguson, que tentou levá-lo para o Manchester United em múltiplas ocasiões. Para além dos "Red Devils", os londrinos Chelsea e Tottenham também o cobiçaram sem sucesso, mesmo tendo feito ofertas que o tornariam o futebolista mais valioso da época. Menos mal, a sua lealdade aos "Saints" valeu-lhe a adoração dos adeptos do clube do sul de Inglaterra e o espirituoso epíteto de "Le God" que cruza o seu apelido de origem gaulesa com o requinte divino do seu futebol.  

 

Centrocampista, Matthew Le Tissier foi o sexto jogador a atingir a marca dos 100 golos na Premier League, o primeiro se considerarmos apenas os jogadores de meio-campo. No total obteve 161 golos em 443 jogos no campeonato inglês e 209 golos em 540 jogos pelo Southampton em todas as competições, tendo sido grandemente responsável pelo facto de os "Saints" nunca terem descido de divisão. Tal aliás esteve perto de acontecer numa mão cheia de vezes, mas "Le God" evitaria sempre tal desígnio. Numa dessas ocasiões, em 94/95, obteria 30 golos na temporada, marca só recentemente ultrapassada por Bruno Fernandes (32 golos) e que durante muitas épocas foi o recorde de golos para um centrocampista. 

 

Número 7 nas costas, Le Tissier foi um predestinado que enchia de magia o relvado do antigo "The Dell", a velhinha casa do Southampton. Dotado de uma grande visão de jogo que lhe permitia colocar a bola à distância em companheiros bem colocados ou inesperadamente enganar guarda-redes adiantados à linha de baliza, aliava essa característica a uma técnica de remate que era um misto de força e colocação. Além disso, a sua habilidade natural permitia-lhe recrear-se com a bola em fintas e simulações que faziam as delícias da multidão que pagava para o ver jogar. Todas estas qualidades permitiram-lhe ao longo dos anos disfarçar a sua pouca intensidade sem bola e falta de resistência ou velocidade. Ele era mais do tipo artista que com uma pincelada de génio pintava uma bela tela.

 

O facto de nunca ter jogado num grande inglês fez-se sentir nas convocatórias da selecção inglesa. Muitas vezes sentiu-se injustiçado, especialmente quando Glenn Hoddle não o convocou para o Mundial 98. Ainda assim, realizou 8 jogos pela equipa de Sua Majestade. 

 

Tendo vivido em Inglaterra, acompanhei de perto a carreira de Le Tissier e senti o respeito que os adeptos do mundo do futebol britânico tinham por ele, algo que se estendia a treinadores e jogadores da Premier League. Se pensam que estou a exagerar, nada como verem o vídeo que deixo em baixo. Enjoy!

26
Abr24

Sugestão da semana

Very Ruud not to


Pedro Azevedo

Será muito ruud o Leitor passar ao lado do excelente podcast de Simon Jordan, "Up front with Simon Jordan". Este empresário, que fez fortuna no retalho de telemóveis com The Pocket Phone Shop e já foi dono do Crystal Palace, é também um muito bom entrevistador, certeiro, desafiante e inteligente. Num dos episódios que vi, o entrevistado foi Ruud Gullit. Noutro, John Terry, que foi especialmente laudatório para com Mourinho. Para quem quiser passar por lá, os vídeos estão disponíveis no YouTube. 

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22
Abr24

Tudo ao molho e fé em Gyokeres

Todos à Praça da Figueira


Pedro Azevedo

No dia seguinte ao do Benfica ter sido eliminado da Liga Europa pelo Marselha, o jornal A Bola, na sua edição on-line, fazia manchete com a notícia de que os encarnados haviam sido o clube português que mais pontos obtivera na Europa nos últimos 5 anos (não se pode deixar cair o Benfica, nem que para tal seja preciso recorrer ao jogo da malha ou ao chinquilho). Ou seja, quem ingenuamente pensou que o Benfica havia perdido, afinal veio a deparar-se com mais um retumbante êxito das águias (ou como um êxito pela porta pequena das competições europeias pode ser também um grande êxito em si mesmo). Pensei nisso na antecâmara do jogo contra o Vitória e de como um potencial triunfo nosso seria sempre infrutífero porque certamente o Marquês já estará reservado para a comemoração do quinquénio europeu benfiquista. [Acho que a isto se chama A Bola passar o lustro (meia-década) ao Benfica.]

 

Ainda que ofuscado pela gloriosa gesta europeia lampiónica, o Sporting recebia o Vitória, em Alvalade, a fim de consolidar a sua pretensão ao título (menor, quando comparado com o quinquénio europeu escarlate, mas ainda assim um título). Com o seguinte dilema prévio: se, por um lado, ganhar ao Vitória era fundamental para mantermos a cadência, por outro, uma vitória em cima de Vitória parecia uma contradição nos termos. Pensei maduramente nisso e no que Amorim diria no balneário à sua equipa e cheguei à conclusão de que para saírmos vitoriosos contra o Vitória teríamos de nos disfarçar de vitorianos. O Amorim pensou o mesmo e fomos a jogo equipados de branco. O Álvaro Pacheco é que não foi na conversa de assumir o jogo à Sporting e começou por pôr as barbas de molho, definindo uma estratégia que passava por cautela e caldos de galinha. A quente, como o caldo era deles, esses primeiros 20 minutos não foram canja para nós, mas depois, mais a frio, o Bragança teve uma boa jogada e a equipa acertou o ritmo. Até que novo desequilíbrio causado pelo Bragança na área deu a oportunidade ao Pote de visar a baliza: o Pedro peyroteou com categoria e adiantámo-nos no marcador. E sobre o intervalo, o Gyokeres dilatou a vantagem após uma triangulação que envolveu também Bragança e Pote e fez lembrar o Sócrates, o Falcão, o Careca e o Escrete dos anos 80. Em sequência, o Álvaro foi pensativo para o balneário. Quer dizer, a boina, de griffe Yves Saint-Laurent, já de si lhe dá um certo ar de parisiense, intelectual, criando a imagem de um ser introspectivo, alternativo, um artista do Quartier Latin quiçá com influências de Rimbaud e Baudelaire, mas agora era a pressão dos números (e não da baguete esmagada debaixo do braço) que o fazia reflectir. Serviu de pouco, porque logo aos 4 minutos do reatamento o Gyokeres bisou. O sueco não voltaria porém a marcar, algo que já não faz há precisamente 41 minutos ou 2460 segundos, mais até se considerarmos o tempo que mediou desde que acabou o jogo e a hora a que entrego esta crónica. Pelo que, à falta de um saudoso Albarran que lhe dê o devido acento, se espera pelo menos que os jornais de mais logo continuem a pegar no tema desta imperdoável abstinência goleadora. [Na retina porém ficou um inacreditável slalom (gigante) do sueco, digno de um Stenmark ou Girardelli, que infelizmente acabou em derrapagem e queda (tipo Tomba) na hora da conclusão. Brutal! E a mostrar que, se cá nevasse, o Gyokeres faria por cá ski,]

 

E assim estamos cada vez mais perto do título. Com o Marquês tomado por um Benfica a reboque de uma imprensa amiga que seca tudo à volta, o melhor será mesmo o Sporting ir comemorar para a Praça da Figueira, assim a modos de recuperação de uma parábola célebre de Jesus Cristo (Mateus 21:18-21). Recordando-nos de que ao mesmo tempo que secou uma figueira, Jesus alertou os seus discípulos de que a fé pode mover montes até ao mar. Como a fé de um Sportinguista, que não só move montanhas como será sempre recompensada em milagres. [Só mesmo um milagre explica termos sobrevivido a ASD, Pinheiro, Godinho, Veríssimo e, pior(!), ao impacto negativo no PIB nacional produzido por a "instituição" não vencer.]

 

Tenor "Tudo ao molho...": Pote. Bragança, em versão Telé Sant'Amorim, seria a minha segunda opção e os centrais estiveram muito bem. Gyokeres voltou aos golos e Trincão produziu uma assistência pelo segundo jogo consecutivo.

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17
Abr24

Tudo ao molho e fé em Gyokeres

Romances de cordel escarlate


Pedro Azevedo

Caro Leitor, o drama, a tragédia, o horror é que o Gyokeres está em crise. Eu explico: o homem já não tem uma acção decisiva para golo desde as 20:35 de ontem, e essa longa espera ameaça ser capa nos jornais desportivos de hoje. Mas, para nós, adeptos, ontem foi mais um dia no escritório para o sueco: recebeu a bola de Nuno Santos, deixou-a rolar para tirar logo um adversário do caminho, atraiu outro para a bola antes de tocar para Trincão, abriu uma auto-estrada para este dar a Pote ao levar consigo um terceiro defesa para o espaço. O que queriam mais? Que o homem comprasse a totalidade da nossa dívida pública? Pelo que nas estatísticas figurará que marcou Pote e assistiu Trincão, mas o golo foi 60% do Gyokeres. 

 

Uma capa de desportivo alternativa de hoje (bastante mais possível) será o Gyokeres não peyrotear há 5 jogos. Vejo isso com muito bons olhos. Primeiro, porque, desses 5 jogos, o Sporting venceu 4+1, sendo o +1 um empate que soube a vitória (qualificação para a final da Taça). Em segundo, na medida em que arrefecerá um suposto interesse do Liverpool: depois da Sky Alemanha ter noticiado que os Reds haviam entrevistado Amorim, os media portugueses já estavam a esfregar as mãos de contentamento para informar que a Sky Azerbaijão acabara de anunciar a presença de Gyokeres (e Varandas, por inerência) em Anfield para um colóquio sobre venda(vai)s. Agora que se consolem com as notícias da Sky Nazaré sobre o famoso canhão Esgaio, se este tiver algum interesse (eu creio que não) em nos trocar para ir "vender o seu peixinho" para o cidade dos Beatles. Enfim, nesta mixórdia, razão tinham os Salada de Frutas quando cantaram: "Sky nevasse, fazia-se Sky ski".

Esta coisa das fontes é curiosa. Como o facto da Sky inglesa, tão perto do Liverpool, recorrer à sua filial alemã para dar a caixa de Amorim ter sido alegadamente entrevistado. Será que o treinador fez escala em Frankfurt para comprar umas salsichas? Ou, em alternativa, andarão os media a encher chouriços? Em todo o caso, não me pareceu nobre. Ou Nobre, tendo em atenção os artigos em questão. Pelo que nesta coisa de fontes eu só confio na Luminosa e na Pereira de Melo. E se for só para "dar troco" à malta, então escolho a de Trevi. 

Gosto tanto de ver destruir preconceitos quanto gosto de observar o Bragança jogar. Se ter pelo menos um bom pé e capacidade física são condições sine-qua-non para se ser um jogador profissional de futebol, a partir daí joga-se essencialmente com o cérebro, sendo esse o topo da pirâmide de satisfação de Maslow de como um adepto vê um jogador de futebol. Pelo que o nível que o Bragança vem exibindo não surpreende, como nunca surpreende ver a inteligência contagiar positivamente tudo o que a rodeia. O que surpreende, sim, é ver o Bragança contrariar a sentença de Einstein de que é mais fácil desintegrar um átomo do que destruir um preconceito, mas o Braganca até podia ser físico nuclear, se quisesse.

 

Menos artístico na acção, mas em modo omnipresente, apresentou-se o Hjulmand. Sobre ele, Hans Christian Andersen escreveria um conto de fadas, se ainda fosse vivo. O homem é um colosso, um digno sucessor de Holger Danske, não deixando porém de mostrar uma sensibilidade no campo digna do seu compatriota Kierkegaard quando este pronunciou: "A vida só pode ser compreendida olhando para trás, mas só pode ser vivida olhando para a frente". Assim é ele, no seu vai-vem, que dá organização e vida ao jogo do Sporting. E depois há ainda que falar de Quaresma: com Diomande em modo complicativo, com passes para o hospital e falta de velocidade para segurar o flanco direito, no primeiro tempo o Chiquinho cresceu para Chicão. Até que entrou o Quaresma e o Chicão ficou assim pequenino que nem um Chiquinho. Para caber na algibeira do calção do jovem leonino. E ver-se obrigado a mudar de flanco. Uma última palavra para o Trincão, que trabalhou muito ofensiva e defensivamente (o que ele cresceu nesse aspecto) e apenas teve o senão de ter permanecido 15 minutos a mais no terreno de jogo, esgotado, provavelmente devido à desconfiança de Amorim no rendimento defensivo de Edwards. 

 

Para somar à seca de golos de Gyokeres, o Sporting não vence desde sensivelmente as 22:00 de ontem. Pelo que até ao apito do árbitro para o início da recepção ao Vitória passarão exactamente 118 horas e 30 minutos desde a última vez que o Sporting ganhou. Com tanto tempo de hiato, não se poderá chamar a isto uma crise? E o Benfica, ganhará moral, agora que o Sporting além dos golos do Gyokeres perdeu também o joker de ter um jogo a mais? Enfim, boas questões para serem desenvolvidas na imprensa da manhã (ou manha).

 

Tenor "Tudo ao molho...": Daniel Bragança

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16
Abr24

O Leão em Famalicão


Pedro Azevedo

A vida surpreende-nos quando zomba das cassandras, enquanto preenche palavras nos espaços que imaginámos como de silêncio e nos oferece reencontros com quem pensámos que não voltaríamos a ver. Assim também aconteceu em 2020/21, época em que o Sporting não era suposto ter uma palavra a dizer - ninguém dava nada por nós - e acabou por se reencontrar com o título máximo do nosso futebol, 19 anos depois do último triunfo (o primeiro campeonato ganho em ano ímpar desde 1953). "E se corre bem?" - interrogou-se Ruben Amorim quando foi apresentado em Alvalade. Este optimismo "out of the box" do nosso treinador acabou por ser providencial na nossa recuperação enquanto clube e está na origem de uma nova "remontada" leonina ocorrida nesta temporada, depois de uma época anterior nada auspiciosa. Levantado do chão parece ser o lema do Sporting de Amorim, que surge sempre mais forte quando as probabilidades estão contra si. E se no último triunfo foi a criteriosa aposta na prata da casa (Formação e jogadores que se destacaram noutros clubes no campeonato nacional) que originou o êxito, esta temporada ficará associada ao rigor das escolhas nórdicas, que trouxeram potência e poucos estados de alma, rendimento constante no alto desempenho e profissionalismo de excelência. Mas a história, bonita, desta temporada só será homericamente narrada se terminar bem. Se compararmos o campeonato a uma maratona um pouco mais curta (34 km/jogos), tudo se irá definir na última légua (5 km/jogos). E aí será diferente chegar com 7 pontos de avanço do que com 5 ou 4. Pelo que o jogo de hoje, em Famalicão, assume uma transcendente importância. Vai ser preciso ter fome, muita fome, porque com fome o leão será mais feroz. E feroz, o Rei da Selva (o que no contexto do futebol português será mais literal do que figurado). Rei, contudo, valoroso, por nunca se enlamear no pântano. 

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13
Abr24

Tudo ao molho e fé em Gyokeres

Em terra de galos, o leão foi quem cantou cedo


Pedro Azevedo

Ontem, o Sporting jogou em Barcelos. A equipa está com uma óptima dinâmica, legiões de adeptos seguem-na para todo o lado e cheira muito a título. Mas um Sportinguista desconfia sempre e nunca está totalmente confiante antes de um jogo. Mesmo com 4-0 ao intervalo põe-se logo a pensar num cartão amarelo que resulte em suspensão ou numa expulsão. É como se os nossos jogos se escrevessem no céu e o guionista escolhido fosse especialmente trocista, começando os filmes em apoteose para que terminem em desgraça, só para que o espectador possa por momentos acalentar a expectativa de sucesso. Tem sido quase sempre assim nas últimas 4 décadas. Não foi porém  o caso de ontem à noite, ainda que muitos anos a virar frangos nos ensinem que jogos com o Gil possam sempre dar galo. Mas não, não desta vez, o Sporting foi muito superior, peyroteou cedo e em profusão foi acumulando mais golos, pelo que pôde descansar com bola no segundo tempo a fim de melhor preparar a ida a um Famalicão que se espera ter sido devidamente estafado pelo Porto esta tarde. Não sei por isso se esta equipa do Sporting improvisa com tanta categoria que dispensa guionista ou se este aproveitou o bom tempo e foi a banhos celestes, o que é certo é que pude assistir ao jogo com uma sensação que já não tinha desde os tempos em que o Paulo Bento esgotou a palavra: tranquilidade.  

Duas óptimas notícias da noite foram os reaparecimentos de Morita e de Trincão ao mais alto nível. Houve também a confirmação do Daniel Bragança (o lance em que ele recupera a bola e depois progride com ela e assiste magnificamente Trincão deveria ser mostrado em looping aos discípulos de São Tomé que insistem no preconceito e não querem perceber o óbvio). E o Quaresma regressou ao onze inicial. Sobre o Quaresma é preciso dizer que fez 15 jogos como titular a partir do momento em que jogou com o Porto. Desses 15 jogos, o Sporting venceu 12, empatou 2 e perdeu 1 (Braga, Taça da Liga), médias ligeiramente superiores às que a equipa tem esta época. E o Sporting, com ele desde o início, conseguiu 8 "clean sheets", só sofreu 8 golos no total e marcou 47, médias muito melhores que as da temporada. Ontem fez mais um jogo competente. Entretanto, o Gyokeres trocou os golos pelo bola na barra (ou no poste), o que é muito mais difícil, exige maior pontaria e deveria valer mais pontos. O homem pareceu abatido, ele que é quem geralmente abate os adversários, e o caso não é para menos e exige os maiores cuidados do nosso Departamento Médico: é que o excesso de ferro provoca hemocromatose e isso pode danificar órgãos importantes. Por falar em órgãos, eles hoje tocaram a rebate nas capelinhas do Dragão, a anunciar desastre. Ver o Porto acossado por Braga e Vitória não é bom para nós, pois obriga-o a dar tudo para ganhar ao Sporting. E nós já temos problemas de sobra: uma pessoa nem consegue desfrutar da expectativa do título com tanta notícia de vendas. A perspectiva é de ver o Amorim, o Gyokeres e o Paulinho (o técnico de equipamentos) a cantarem o "You'll never walk alone" e nós a caminharmos sozinhos. Pelo menos a avaliar pelo que os media dizem. Teremos ainda clube na segunda-feira? E, mais importante, na terça? Estou expectante e com os nervos em franja. Será que teremos 11 para Famalicão ou perderemos por falta de comparência? Irão todos para a cidade dos Beatles? Let it be? With a little help from my friends? Enfim, um desassossego...

 

Até terça! Se houver jogo. E crónica (para o caso de o cronista também ir a caminho de Liverpool)...

 

Tenor "Tudo ao molho...": Trincão

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11
Abr24

Mou


Pedro Azevedo

Depois de vários anos como adjunto de Robson e Van Gaal, Mourinho começou a dar nas vistas como treinador do Benfica. Na retina ficou uma vitória por 3-0 sobre o Sporting, campeão nacional em título. Com Vilarinho refém de entendimentos eleitorais, ao triunfo seguiu-se... o despedimento, com o técnico a ver-se substituído por Toni. Mas a aura estava lá e foi depois exuberantemente confirmada em Leiria, equipa que intrometeu entre os 3 grandes. Esse trabalho valeu-lhe um convite para treinar o Porto e com isso a abertura de um reinado no mundo do futebol que durou uma década. À dupla vitória europeia no Porto seguiu-se a dupla vitória na Premiership pelo Chelsea, nova Champions pelo Inter e campeonato e Taça do Rei pelo Real Madrid. Nesse período, Mourinho ostentava o seu reconhecido toque de Midas, destruindo preconceitos e atingindo metas à partida impossíveis: no Porto venceu Liga Europa e Champions contra os tubarões europeus dos Big 5; no Chelsea ganhou mais campeonatos do que aqueles que o clube havia conquistado na sua história, derrubando a hegemonia que se afigurava como crónica do Arsenal no processo; no Inter dominou a frente interna e externa; no Real conquistou a Taça 18 anos depois e ganhou o campeonato ao Barcelona do tiki-taka com um recorde de pontos e golos. Todavia, nos últimos anos dessa gloriosa década o desgaste foi evidente. Porque Mou encontrou em Pep a sua nêmesis, tendo que ser muito adaptativo para vencer. Essa adaptação constante ao adversário descaracterizou a sua ideia de jogo e teve custos na década seguinte. Após sair do Real, Mourinho ainda conseguiu ser novamente campeão no Chelsea mas depois a sua estrelinha empalideceu, o toque de Midas foi-se, de Special One passou a Common One (ganhando e sendo derrotado como os outros) e o treinador pareceu perdido num labirinto de escolhas que nada contribuíram para o seu sucesso. Prestar-se a expor-se à enxurrada causada pela saída de Alex Ferguson do Manchester United foi uma decisão de muito risco - ainda que a seu favor joguem 3 competições ganhas, uma a nível europeu - , a passagem pelos Spurs pode mesmo ser considerada inconsciente e a ida para Roma afastou-o pelo menos provisoriamente do top do futebol europeu (ainda assim voltou a ganhar na Europa, com a primeira final europeia perdida também no seu pecúlio). Não foi só a aura vencedora que Mourinho perdeu, a sua estratégia de contratação de jogadores também deixou de ser virtuosa: onde antes procurava jogadores ambiciosos em ascensão, como Maniche, Derlei ou Drogba, Cech, Robben ou Snejder, Mou agora escolhe consagrados aburguesados como Dybala ou Lukaku. Não é a mesma coisa, e Mourinho tem pago por isso. Adicionalmente, o seu modelo de jogo perdeu todo o encanto, tornou-se burocrático e entediante para o espectador. Do mesmo modo, os "mind games" que o destacaram também já não provocam o efeito de antigamente, parecendo mais uma bóia de salvação a que o treinador se agarra para mediaticamente permanecer na ribalta. Assim, o Mourinho de hoje é uma versão pobre do original. Todavia, o génio está lá, pelo que redescobrir a fórmula vencedora e reinventar-se é o desafio que tem à sua frente. Entre evoluir ou extinguir-se, um "back to basics" será providencial, podendo a liga portuguesa servir-lhe de âncora sobre a qual novamente fundeará os seus sonhos de grandeza. Com uma equipa técnica que lhe volte a dar aquilo que Rui Faria e Silvino lhe ofereciam. Aguardemos pois, que eu acredito que o homem tem mais vidas do que aquelas que algumas cassandras hoje em dia lhe auguram. 

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