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A Poesia do Drible

"Um pouco mais de sol - eu era brasa, Um pouco mais de azul - eu era além. Para atingir, faltou-me um golpe d'asa... Se ao menos eu permanecesse aquém..." - excerto de "Quasi", de Mário de Sá Carneiro

"Um pouco mais de sol - eu era brasa, Um pouco mais de azul - eu era além. Para atingir, faltou-me um golpe d'asa... Se ao menos eu permanecesse aquém..." - excerto de "Quasi", de Mário de Sá Carneiro

A Poesia do Drible

28
Set23

Echo de Liverpool


Pedro Azevedo

Ian McCulloch chega de óculos escuros e logo procura conquistar a audiência com um "Muito Obrigado!". Num concerto em que falou quase tanto como (en)cantou, esta frase em português foi uma oportunidade rara de o entender. O resto perdeu-se na tradução, cortesia de um dialecto de Liverpool, conhecido como Scouse ou Merseyside English, que será padrão no famoso Kop de Anfield, a bancada mítica do estádio do seu amado Liverpool FC, mas dificulta a interacção com o público em geral ao vivo. Foram aliás sobre Jurgen Klopp as suas palavras seguintes, mas o nome do actual treinador dos Reds foi a única coisa que se conseguiu apanhar com nitidez. Pelo que o melhor foi mesmo a música, onde desfilaram pérolas como "Bring on the Dancing Horses", "Seven Seas", "Lips like Sugar" ou uma interessante versão de "Walk on the Wild Side" dos Velvet Underground. Sem esquecer a mais famosa "The Killing Moon" ou a sonoridade oriental de "The Cutter".

 

Os Echo and the Bunnymen ainda mexem e estiveram ontem na Aula Magna, num concerto curto (1h15m) e intimista para uma audiência predominantemente composta por quem já por cá andava quando editaram o seu primeiro album (Crocodiles, 1980). A fórmula é a de sempre, que estes "coelhos" não são novos e já não saem da cartola, mas continua a resultar. Ouve-se com prazer. E nostalgia.

echo.jpg

27
Set23

Ranking GAP Sporting


Pedro Azevedo

Nesta temporada de 2023/2024, o Sporting disputou até agora 7 jogos - 6 para o Campeonato Nacional e 1 para a Liga Europa -, obtendo 6 vitórias (85.71%), 1 empate (14,29%) e 0 derrotas (0%), com 14 golos marcados (média de 2 golos/jogo) e 5 golos sofridos (0,71 golos/jogo).

 

A nível individual, eis os resultados (estatísticas de golo):

 

1) Ranking GAP (medalheiro): Paulinho (5,0,0), Gyokeres (4,1,3), Diomande (2,1,0);

2) MVP: Gyokeres (17 pontos), Paulinho (15), Diomande (8); 

3) Influência: Gyokeres (8 contribuições), Paulinho (5), Pedro Gonçalves (4);

4) Goleador: Paulinho (5 golos), Gyokeres (4), Diomande (2);

5) Assistências: Nuno Santos (2), Coates, Diomande, Esgaio, Gyokeres, Hjulmand, Morita (1).

 

Fazendo uma análise por sectores em termos de pontos MVP (golo=3; assistência=2; participação=1), teremos:

 

Pontas de Lança (total=32): Gyokeres (17) e Paulinho (15);

Interiores (total=10): Pedro Gonçalves (6) e Edwards (4);

Médios (total=4): Morita e Hjulmand (2) ;

Alas/laterais (total=9): Nuno Santos (5), Esgaio e Geny (2);

Centrais (total=12): Diomande (8), Coates (3), Inácio (1).

Conclusões:

  • A posição de Ponta de Lança esta época destaca-se da de Interior em termos de pontos MVP, ao contrário de anos anteriores; 
  • Ordem de importância no golo: Pontas de Lança, Centrais, Interiores, Alas e Médios;
  • Um total de 12 jogadores já contribuiu para os golos leoninos;
  • Intervalos (minutos/golos): 0-15 (4), 16-30 (2), 31-45 (0), 46-60 (2), 61-75 (2), 76-90 (4).

 

Ranking GAP (Golos, Assistências, Participação decisiva em golo):

ranking gap 7j.png

26
Set23

Tudo ao molho e fé em Deus

O Tsubasa a tabelar com o Kierkegaard


Pedro Azevedo

Caro Leitor, o Morita é bom demais! Tão, tão bom que justifica o epíteto de Tsubasa, ou não parecesse ele saído dos desenhos animados. À técnica soberba, notória em recepções imaculadas e numa qualidade de passe que o faz com um coice na bola descobrir um colega a 10 metros por entre uma floresta de pernas, ele alia a dinâmica que torna tão pequeno um campo de futebol que até parece caber num quadradinho de uma manga japonesa. E se BD é anime, eu não podia ter maior animação ao ver um jogador assim. Ontem deu uma assistência a Paulinho que este não podia falhar.

 

Outro craque em evidência foi o Edwards. A quem só falta consistência. O inglês tem dias em que me faz lembrar o Philosophy Football, o brilhante sketch dos seus compatriotas Monty Python que nos propõe um jogo de futebol entre pensadores alemães e gregos onde o alheamento da bola é total e a letargia só é interrompida quando Arquimedes exclama "Eureka!" ou Karl Marx aquece junto à linha lateral envergando um apertado fato de treino vermelho a contrastar com uma larga barba grisalha. Eu olho para o Edwards e vejo um existencialista, um ser a maior parte do tempo angustiado e à procura de respostas sobre o significado, propósito e valor da existência humana. Uma espécie de Soren Kierkegaard (terá escapado ao nosso Scouting?) do Sporting, mas com menos nome de jogador que este "ponta de lança" nascido no mesmo reino de Hjulmand. Mas quando se liberta dessa carga e só pensa em jogar futebol, o Edwards é um conto de fadas, a resposta sobre o significado, propósito e valor da existência de um jogo de futebol. Como provou ontem com um golo do outro mundo. Não deixa de ser um caso curioso. 

 

O jogo? Uma primeira parte a todo o gás e uma segunda cheia de "conservativos", que houve Europa a meio da semana e isso no gíria dos treinadores significa controlo mal a casa do vizinho é arrombada. (Uma pergunta: será preciso a nossa ser arrombada para o Trincão ficar à porta?)  

 

Estamos em primeiro!

 

Tenor "Tudo ao molho...": Hidemasa Morita

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25
Set23

O Gyokerismo


Pedro Azevedo

Viktor Gyokeres é um atleta excepcional. Tem envergadura, altura e potência (força e velocidade). É leal nos duelos - comportamento que revela um saudável espírito de desportista - e respeitador do espectador que paga para ver o empenho de um jogador durar os 90 minutos de um jogo  O seu físico e mentalidade aproximam-no mais de um jogador de rugby do que de um futebolista - é um Purista, e como tal corre o risco de não ser entendido ou valorizado no ambiente tóxico do futebol português por alguns árbitros e uma certa estirpe de comentadores, estes últimos sempre solícitos a gabar a "inteligência" de quem se deixa cair ao chão ao menor sopro. São traços de uma enviesada cultura desportiva em Portugal, onde o fim (ganhar) assume sempre mais relevância do que a forma (como fazer para ganhar) e a crítica é feita consoante o resultado. Entendendo eu que é importante erradicar esta mentalidade, a relevância de Gyokeres para o futebol português vai além do seu rendimento desportivo, no sentido de que seria interessante se todos aprendêssemos algo com ele. Todavia, tenho poucas ilusões, é  mais difícil replicarmos a sua ética de trabalho do que o jogador se aculturar ao status-quo luso. Quando idealmente o que deveria prevalecer seria a doutrina que o sueco trouxe. Será possível haver Gyokerismo mesmo sem Gyokeres? Ou vamos continuar a educar na elegia da trafulhice?

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23
Set23

O milagre ali ao pé


Pedro Azevedo

Esteve para ser épico, mas não deixou de ser muito bom. Ao 6º embate em Campeonatos do Mundo, a Selecção nacional de rugby não perdeu, confirmando o crescimento competitivo de Portugal na modalidade da bola oval.  

 

O adversário era a Geórgia e o palco uma das catedrais do rugby europeu. Em Toulouse, os "Lobos" entraram mal no jogo contra a sua habitual némesis no Torneio das 6 Nações B, os "Lelos". Provavelmente nervosos e desabituados de jogar perante uma multidão, começaram por ceder um ensaio nascido na imaginação do defesa Niniashvili (jogador dos franceses do Lyon, no Top 14) e transposto em pontos pelo ponta Tabutsadze. Perdendo "touches" (alinhamentos) e disparando pontapés tácticos à toa, Portugal não conseguia criar uma boa base que fizesse evidenciar a sua melhor qualidade: o jogo à mão. Pior, a pouca disciplina em "rucks" (formações espontâneas) e a inferioridade nas "melées" (formações ordenadas) penalizavam-nos com faltas que levavam os georgianos para os postes. A factura não tardou a chegar: 0-13 aos 33 minutos de jogo. Até que de uma troca de pés e posterior aceleração de Raffaele Storti nasceu, quase do nada, o ensaio de Portugal. Samuel Marques, que não tem estado ao seu nível neste Mundial, falhou a conversão, mas ainda assim a Selecção saiu para o intervalo com um resultado bem mais lisonjeiro do que a exibição. 

 

No segundo tempo tudo mudou. Subitamente, Portugal começou a dominar o jogo no chão e os alinhamentos, criando condições de sustentabilidade para fazer girar a bola entre os seus três quartos. Surpreendidos com o ímpeto português, os "Lelos" iam fazendo faltas, o que nos permitiu através de penalidades reduzir o marcador até aos 11-13. Portugal não desarmava e de uma perfuração de Jerónimo Portela, filho do antigo mundialista Miguel Portela, saiu a subtileza de um "offload" (passe nas costas) que libertou Storti para ligar a moto e só desligar o motor na zona de ensaio. Storti, nascido em Portugal e filho de pai italiano, bisava assim no jogo. Um grande momento para o antigo jogador do Técnico, actualmente no Béziers, de França, um clube do segundo escalão gaulês mas com uma história imponente (terceiro melhor palmarés) no Top 14 (primeiro escalão). Com o subsequente ensaio transformado, Portugal adiantava-se no marcador: 18-13.

 

Faltavam 21 minutos, quase uma eternidade no rugby. Mas Portugal jogava bem e o seu nervosismo inicial havia-se agora transferido para os georgianos. Tivemos então uma série de boas cargas de avançados e de sequências à mão na área georgiana, que com um pouco mais de calma se poderiam ter materializado em penalidades ou ensaios. Infelizmente, não conseguimos materializar essas acções em pontos. E como quem não marca habilita-se a sofrer, de uma precipitação de Pedro Lucas, que entrara a substituir Samuel, nasceria a penalidade da qual resultaria um alinhamento em cima da linha de ensaio que seria a base para um "maul" dinâmico (progressão com a bola em pé, com os jogadores de ambas as equipas em contacto) que daria o empate à Geórgia (a conversão do ensaio foi falhada) quase ao cair do pano. Faltavam poucos segundos e Portugal tinha de repôr a bola no meio-campo georgiano. E surgiu uma falta, mais uma vez proporcionada pela excelente acção dos nossos avançados no "breakdown" (momento posterior à placagem e anterior ou concomitante ao "ruck"). Era o último suspiro, o milagre ali no pé direito de Nuno Sousa Guedes, que se perfilou para bater a penalidade. Todos nos lembrámos do pontapé de Samuel Marques no último segundo no Dubai, que nos qualificou para o Mundial. Seríamos nós capazes de repetir tal feito? Só que a bola produziu um efeito esquisito e no último momento afastou-se dos postes. E assim, com um efeito, ficou sem efeito a primeira vitória de Portugal num Mundial.

 

Quem não acompanhe a modalidade em Portugal poderá achar histérica ou despropositada a celebração de um empate de Portugal neste Mundial. Mas tal será mesmo só porque não acompanha o rugby jogado neste país. Se o fizesse, aperceber-se-ia do amadorismo que ainda acompanha o desporto da bola oval, da disponibilidade que as famílias semanalmente revelam para que os seus filhos possam comparecer aos treinos e haja escalões de formação em Portugal, da carolice de inúmeros dirigentes cujo denominador comum é o amor ao jogo, do esforço que vem sendo feito pelos clubes no sentido de haver melhores infraestruturas e do enorme sacrifício dos jogadores em conciliar os treinos com os estudos ou o trabalho. Sempre com pouco dinheiro, que este não abunda no rugby em Portugal. Por isso, a bola chutada por Sousa Guedes até pode ter entortado e Deus não ter feito o milagre que os jogadores bem mereciam, mas Portugal empatar com uma equipa profissional como a Geórgia, num Mundial, já foi um sortilégio. Porque não natural, ainda que do domínio do profano, embora a decisão da FPR, presidida pelo Engº Carlos Amado da Silva, de convidar Patrice Lagisquet para seleccionador nacional ajude um pouco a perceber como se encantaram os "Lobos". E nos encantámos todos nós. P-o-r-t-u-g-a-l!!!

 

P.S. Uma nota especial de mérito para as exibições de Jerónimo Portela (médio de abertura), Raffaele Storti (ponta), José Madeira (segunda linha), Pedro Bettencourt (segundo centro) e Nicolas Martins (terceira linha), mas a Selecção valeu como um todo (especialmente na segunda parte).

storti.jpg

22
Set23

Tudo ao molho e fé em Deus

Um cabrito antes do borrego


Pedro Azevedo

As visitas do Sporting à Áustria provocam-me sentimentos contraditórios. Por um lado, convocam-me uma certa nostalgia, trazendo-me à memória os concertos de ano novo do maestro von Karajan e a família von Trapp do "Música no Coração", filme que em miúdo não houve madrinha, padrinho, mãe, pai, avó, avô ou amigo de família que não me tivesse levado a ver no cinema. Por outro, fazem-me sonhar, na medida em que à boleia dos jogos acabo sempre por ser transportado para o universo de Mozart e a genialidade da sua arte. Finalmente, causam-me pesadelos. Não, não me refiro ao canto tirolês do José Figueiras, mas sim às bolas que entraram a meio da baliza do Costinha em Salzburgo (Casino), expulsão de Dani em Viena (Rapid), derrota pesada em Linz (LASK) e a uma outra meiguinha, porque a eliminatória nos sorriu, em Innsbruck (Swarovski Tirol), tudo consubstanciado numa sova de 14 golos sofridos e apenas 2 marcados em visitas anteriores. Ou causavam, porque ontem matámos o borrego na pátria da imperatriz Sissi.

 

A transmissão televisiva iniciou-se e logo dei conta da publicidade enganosa. É verdade, em Grass, ou Graz, ou lá o que é, a (S)turma que trata da relva merecia um cartão vermelho. Nada porém que incomodasse sobremaneira o nosso panzer sueco, um todo-o-terreno a quem devemos agradecer o empenho acima da média - "You have to push yourself", disse ele no fim do jogo com aquele rigor quase robótico que caracteriza a irrepreensível ética de trabalho dos povos do norte da Europa. Dado o local do jogo, é sem dúvida caso para lhe enviar um "graz(ie)"!  

 

Como os tempos são de crise, o Rúben entrou em poupanças. O problema é que não se deve poupar no que nos alimenta, senão faltar-nos-ão as forças para realizar bem o nosso trabalho. Foi mais ou menos disso que nos ressentimos ontem. Sem Morita e Pote, dois jogadores absolutamente nucleares e imprescindíveis na filosofia de jogo de Amorim, ao Sporting foi faltando quem quebrasse linhas em progressão e soubesse jogar entre-linhas. Assim, o jogo tornou-se monocórdico, de posse estéril, sem quem o acelerasse no centro do terreno com critério (bom, a ideia era ser o Trincão...). Restavam assim as linhas laterais, mas o deplorável estado da relva não ajudou a esse desiderato. Ainda assim, foi de iniciativas individuais de Geny que resultaram os lances de maior perigo do Sporting, ingloriamente desperdiçados por Paulinho e Trincão. Quanto a Gyokeres, ele bem tentou desestabilizar as linhas austríacas, ora explorando a profundidade, ora procurando a largura, sacando faltas e 2 cartões amarelos no processo, mas a comunicação com um contido Matheus Reis não o favoreceu. Foi sempre mal servido, dando muito mais à equipa do que esta actualmente lhe dá. Por outro lado, quando desceu no terreno em apoio, faltou sempre quem soubesse ir na outra direcção, em ruptura. Trincão nunca o fez, pelo que as saudades de Pote estavam a ser enormes. Até que de uma transição simples dos austríacos resultaria a nossa inferioridade no marcador, em lance onde foi notória a ingenuidade de Geny e o desposicionamento e falta de pernas dos médios leoninos, sem conseguirem recuperar após atraídos que foram para o vazio quando em superioridade numérica. 

 

A perder, Amorim meteu a artilharia pesada. Diomande galgou terreno e avistou Pote. Se a ideia era matar o borrego, o transmontano começou com um cabrito. E deu a prová-lo ao guardião austríaco. Da indigestão subsequente resultou uma bola perdida perto da linha de golo. Um defensor do Sturm Graz estava muito melhor posicionado para atacar a bola, mas a força física, velocidade de reacção e instinto matador de Gyokeres levariam a melhor. Mais ninguém no nosso actual plantel conseguiria marcar um golo assim. Com o empate, o Sporting cresceu ainda mais. Pote marcou um livre, a bola resaltou para a entrada da área e Diomande amorteceu-a, mudou de direcção e rematou. Coates ainda lhe terá tocado, mas o resultado foi o fundo das redes do Graz. O golo sentenciou o jogo, pouco mais havendo a declarar além de uma iniciativa individual kamikaze austríaca que só o nosso capitão conseguiu parar.

 

"Diz-me como rodas a equipa, dir-te-ei que resultados obterás". Ontem pusemo-nos a jeito, num outro dia provavelmente não teremos a mesma sorte.  

 

Tenor "Tudo ao molho...": Viktor Gyokeres

sturm graz.jpg

22
Set23

Ponto de situação


Pedro Azevedo

Ao fim de 6 jogos começo a formar as primeiras ideias em relação à época. Aqui as deixo, para discussão: o Gyokeres é o tipo de jogador que encanta um adepto, mas falta o passo seguinte que será vir a encantar, e nesse sortilégio transformar, o resto da equipa. A meu ver, o sucesso da temporada dependerá muito disso, sendo certo que faltam jogadores do meio campo para a frente com andamento para o acompanhar e não deixar espaços para transições. Por isso a equipa joga um pouco aos solavancos. Isso, por si só, não é negativo. Por exemplo, na saída de bola por vezes adormece-se o adversário até a bola chegar ao ponto que queremos, onde se irá acelerar o jogo. Ou seja, o abrandamento é puramente estratégico. Mas eu falo de outra coisa, da aceleração estar feita e depois não haver quem a acompanhe e conclua. Quer dizer, Matheus Nunes e Palhinha seriam 2 jogadores ideais para fazerem companhia a Gyokeres, um no apoio directo, outro no posicionamento ideal face à eventual perda de bola. Não podendo ser, creio que a equipa perde muito ofensivamente quando o meio campo é formado simultaneamente por Hjulmand e Bragança. Não porque sejam maus jogadores, longe disso, e o Morten até tem um passe vertical raso que é do meu particular agrado, mas devido a estarem num comprimento de onda diferente. Nesse sentido, para mim, Morita tem de jogar sempre, porque ele consegue meter-se entre-linhas e aparecer na cabeça da área. Se com o dinamarquês ou o português, dependerá das características dos adversários e do momento de forma de cada um. Aliás, até defensivamente se nota que com o Daniel e o Morten não há quem ataque o portador da bola, são jogadores que procuram preencher o espaço, ao passo que o japonês consegue ser minimamente eficiente (menos que Ugarte e muito menos que Palhinha, obviamente). Outro caso que me parece carecer de solução tem a ver com a alternativa de jogo directo. Esse é na maioria das vezes lançado atrás, nos centrais. Ora, o central mais bem posicionado para o fazer, logicamente o do meio, é, curiosamente, aquele que tem menos precisão no passe longo. Seria substancialmente melhor se tal missão fosse conferida a Inácio (Diomande é mais de sair com a bola em posse), mas Coates é o capitão e não pode jogar em qualquer outra posição porque ficaria desprotegido por falta de velocidade. Isto cria um dilema difícil de solucionar, dada a relevância de Coates enquanto líder e o seu bom aproveitamento nas bolas paradas. Depois, e ainda voltando a Gyokeres, o que é que ele nos traz além da energia? Bom, ele não só desce no apoio como sobe na profundidade, e essa segunda dimensão do seu jogo torna-o mais relevante do que o Paulinho, por exemplo. Para lá da profundidade, o sueco acrescenta ainda largura, uma terceira dimensão do seu jogo, aquela com que porventura o público se identifica mais e maior desgaste provoca nos centrais oponentes. Só que aqui encerra-se um outro dilema: como o Gyokeres não tem o dom da ubiquidade (mas é quase omnipresente), se está numa ala não está no centro da área, ficando assim mais longe do golo, ele que é o melhor finalizador entre os pontas de lança da equipa (a quarta dimensão do seu jogo). O problema é que não só são importantes os golos de Gyokeres como a desestabilização que as suas deslocações laterais suscitam nos adversários. E porquê? Porque se Gyokeres ficar muito fixo, a dinâmica da equipa perderá bastante. A não ser que Afonso Moreira ou Geny Catamo se afirmem como interiores, mas Amorim pensa neles como alas. Porque Edwards e Trincão são ambos de vir de fora para dentro e não baralham marcações como o sueco que vem de dentro para fora, de fora para dentro e acima e abaixo. Uma coisa é certa, ninguém no actual plantel alia a capacidade física ao instinto matador patentes no primeiro golo do Sporting na noite passada. E isso suscita a dúvida, alicerçada num rácio de aproveitamento de oportunidades incomparavelmente superior ao de Paulinho, se não seria melhor para todos (ele e equipa) jogar no meio e não bascular tanto.

 

Enfim, estas dúvidas que aqui deixo são apenas reflexões ou inquietações de um adepto. Apesar disso, não tenho dúvidas de que estamos mais fortes que na temporada passada. Mas sinto que ainda falta algo para podermos sonhar com o título de campeão nacional, talvez o crescimento e maturação de alguns jovens, porventura uma melhor ligação vertical (meio campo vs ataque) e horizontal (interiores vs ponta de lança) no relvado. Fundamentalmente, seria frustrante acertarmos tanto numa contratação (Gyokeres) e dela não tiramos o melhor partido. Falo mais do ponto de vista colectivo do que no respeita ao desempenho individual do sueco. Porque este por vezes ainda parece um corpo estranho numa equipa que desmembra-se amiúde com as suas movimentações de procura de profundidade ou de largura e acaba por dar espaços no centro do terreno para um jogo de transições (o golo do Sturm Graz, ainda que a profundidade tivesse sido solicitada a Geny e não a Gyokeres, é disso paradigmático). 

21
Set23

RIP, Marinho Peres


Pedro Azevedo

Ando há uns dias para Vos falar sobre o desaparecimento de Marinho Peres, desde logo porque não queria entrar nos chavões tão habituais nestas circunstâncias. O Marinho merecia mais e melhor, ou não tivesse ele sido uma daquelas personagens "bigger than life", com o seu refinado sentido de humor e bonomia, que o levavam a produzir frases como "tenho tanto azar que se trabalhasse num circo até o anão crescia", após um jogo em que tudo correu mal à equipa que treinava. Marinho era um ser carismático, e essa característica, mais do que as componentes táctica, técnica e física, viria a ser o pilar que norteou toda a sua carreira como jogador e treinador. Se como jogador capitaneou o Escrete, de Rivellino, num Mundial (74), glória suprema para qualquer atleta, e foi companheiro de Pelé no Santos e de Cruijff no Barcelona, como treinador destacou-se por fazer muito com poucos meios. Começou a sua carreira nos bancos como adjunto de um dos melhores, Telé Santana, o ideólogo do futebol champanhe do Brasil de 82. Em Portugal foi particularmente feliz em Guimarães e Belém, mas também teve momentos especialmente bons no Sporting. Na cidade berço esteve na origem de uma equipa magnífica que na Europa eliminou o Atlético de Madrid e em Portugal chegou a assustar os grandes, onde pontificavam, entre outros, Jesus (guarda-redes), os laterais Costeado e Basílio, os centrais Nené e Miguel, Roldão, os 3 zairotas (Basaúla, N'Kama e N'Dinga) e os astros Ademir e Paulinho Cascavel. Ao seu lado, no banco, estava Paulo Autuori, de quem foi amigo e mentor. No Belenenses venceu a Taça de Portugal, batendo o Benfica na final com golos de Juanico e Chico Faria. Em Alvalade protagonizou uma das melhores prestações europeias da história do Sporting, atingindo as meias-finais da Taça UEFA. Domesticamente, conseguiu o melhor arranque de sempre no campeonato, com 11 vitórias consecutivas. Um empate em Chaves (2-2), após ter chegado ao intervalo a ganhar por dois golos sem resposta, precipitaria a queda anímica de uma equipa que tinha jogadores como Luizinho, Oceano, Carlos Xavier, Fernando Gomes e Balakov. Também se destacou por ter dado uma oportunidade a Luis Figo na equipa principal. 

 

Marinho Peres fez parte de um lote de treinadores cuja fleuma permitia manter a boa educação e ultrapassar as contrariedades sem ceder à pressão, uma espécie ou linhagem hoje quase em extinção onde também cabia, por exemplo, Malcolm Allison. O segredo por detrás de tanta classe talvez fosse a consciência de que havia muito mais vida para lá de um jogo de futebol, contexto que ao longo dos anos nos foi permitindo observar um Marinho jovial, gracejante e sedutor, armas que que lhe granjearam uma liderança indiscutível dos balneários por onde passou. RIP, Marinho Peres!!! Fazem nos falta Homens assim...

marinho peres.jpg

18
Set23

Tudo ao molho e fé em Deus

Um búfalo à solta em prado verde


Pedro Azevedo

Não sei se ouviram o alerta da Protecção Civil, mas andou um Búfalo à solta ontem à noite em Lisboa. Para evitar o alarme social que uma notícia tipo Correio da Manhã poderá causar no público em geral, aviso desde já que esse Búfalo é humano, o que à partida parecerá uma contradição nos termos e desgostará certamente aqueles que já se viam a caminhar para Sete Rios, na expectativa de que entretanto o "animal" fosse direccionado para o Jardim Zoológico e aí pudesse ser domesticado e observado em meio controlado. Não, este Búfalo não só é humano como joga futebol, no Sporting, e a única relação que tem com o Zoo é ser um alvo preferencial da "bicharada" que pulula no futebol português. Pelo que se o quiserem ver em acção têm de se deslocar ao José Alvalade ou, em alternativa, itinerantemente onde o Sporting jogar. Então vê-lo-ão no seu estado selvagem, ainda não contaminado pelo ambiente em seu redor. Indomável na sua natureza, leal no seu carácter, o Gyokeres é a grande atração do Sporting e do circo do futebol português para a temporada 2023/24. E o que eu posso dizer é que desde o Matheus Nunes não desfrutava tanto de ver um jogador em campo! O mesmo não dirão os adversários, esfalfados, estafados, esbugalhados, sem ar, como se expostos 90 minutos a uma sauna sueca (+de 100 ºC). Quem diria que, depois de uma unha encravada de um Eskilsson, a Suécia enconderia um tesouro assim? Ontem, quase sozinho, destruiu o Moreirense. Eu bem dizia que ele me fazia lembrar o Elkjaer...

 

Das últimas fornadas da Formação, o Sporting foi a jogo com o internacional Inácio, em subida vertiginosa de cotação. O "late bloomer" Geny começou no banco, assim como o Bragança. O Essugo de lá não saiu. Dos afluentes faltaram o Rodrigo Ribeiro, a rodar na B, e o Afonso Moreira de Cónegos(?), provavelmente de fora porque o jogo era com o Moreirense. Ou então porque convocado à porta de casa do St Juste, para o ajudar a rodar a maçaneta, não fosse o holandês torcer um braço (ou mesmo o baço). Dos outros, de África veio um Diomande em bruto e do Uruguai a Vitamina C (Coates) para evitar o escorbuto. No meio, um dueto improvável de guerreiros constituído por um Samurai (Morita) e um Viking (Hjulmand), uma transposição do medieval "For Honor" da Playstation para os relvados onde vamos lutar. Nas alas, o Esgaio e o Nuno Santos, indiferentes ao 1x1, o nazareno mais de comedimento, o "ranhoso" mestre na arte do cruzamento. E para fazer companhia a um motor de explosão (Gyokeres), dois dieseis, um (Pote) mais aditivado do que o outro (Edwards). Na baliza, como habitualmente, o Adán, que cometeu o pecado original de roer a maçã que a Eva lhe deu e assim provar da nova obrigatoriedade dos guarda-redes saberem dar um chuto na bola.  


Os primeiros 15 minutos foram de adaptação: ao Moreirense, ousado na pressão, e ao critério do árbitro, exigente com o Inácio e condescendente com o Fabiano. (Já se sabe que a melhor fita do Manuel Oliveira é o Aniki-Bóbó, cuja acção se desenrola no Porto.)

 

De adaptação em adaptação, de seguida o Sporting começou a adaptar-se aos postes. Primeiro pelo Morita, depois pelo Hjulmand (mais tarde, no travessão, cortesia do Paulinho). Pelo meio o Manuel Oliveira ignorou uma falta na meia-lua (sobre o Pote), o que viria a repetir-se no segundo tempo (com Gyokeres). E outros lances polémicos houve, inclusive na área do Moreirense, ainda que o telescópio Hobby-Eberly habitualmente ao serviço da SportTV desta vez estivesse desligado e assim não podermos ser definitivos. Apesar de tudo, no segundo tempo o Gyokeres levou tudo à frente, isto é, nas canelas, no pé, na cara, em suma em qualquer parte frontal do seu corpo onde fosse possível bater-lhe... Contudo, não se intimidou, estando no primeiro golo, assistindo involuntariamente para um tiro raso de Hjulmand que contou com vários jogadores moreirenses a tapar a visão do seu guarda-redes (quando vi o guarda-redes levantar o braço temi uma interpretação tuga da regra do fora de jogo mais tarde explicada às massas pelo Duarte Gomes), e marcando o segundo, este com um movimento que fez escola em Portugal através do Jardel: um pasito adelante; un, dos, tres pasitos pa' atrás (como cantava o Ricky Martin). O terceiro veio de uma bola de canto de Geny(o), que apanhou a cabeça do Diomande ao segundo poste, um lance repetido de outro (laboratório), no primeiro tempo, em que Morita chutou e a bola esbarrou no poste. 

 

No fim, três golos, três bolas nos ferros, três defesas excepcionais do guarda-redes do Moreirense (Kewin), um golo anulado por 5 cm e uma exibição arrasadora de Gyokeres, um viking de meter medo a qualquer defesa da Primeira Liga. E estamos em primeiro! (Mas, atenção, vi no editorial de A Bola o José Manuel Delgado fazer uma cava com um ponta de lança chamado Chopin - seriam violinos?- , rendas de bilros e um futebol champanhe dos nossos vizinhos da 2ª Circular.) 

 

Tenor "Tudo ao molho...": Viktor Gyokeres, 1 golo, 1 assistência, 4 passes para remate à baliza, 9 faltas sofridas, 3 amarelos arrancados e (uff!!!) 11 km percorridos - "Diz-me como treinas, dir-te-ei como Gyokeres" (adaptação livre do poema célebre de Paulo Bento.)

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