Tudo ao molho e fé em Deus
Lévi-Strauss contra a tanga
Pedro Azevedo
Qual Lévi-Strauss, qual Bronislaw Malinowski, antropologia da boa é na SportTV. Pelo menos de cada vez que o professor Luis Vidigal lá vai discorrer sobre os jogos do Sporting. No episódio de ontem o tema foi a tradição dos povos. De uma forma instrutiva, o Luis foi-nos dando exemplos. Subitamente, a propósito do cartão amarelo a um tal de Topic, topa isto: "É uma questão cultural dos sérvios usar muito as mãos!". Enfim, talvez não os recomende para companheiros de viagem num Metro apinhado, mas decerto explicará porque rivalizam com os EUA no basquetebol. Mas foi com a observação que deixou sobre o Geny Catamo que se me fez luz sobre as idiossincrasias lusas: explicou-nos o Vidigal que fazia parte das "dores de crescimento" o moçambicano não se ter atirado para o chão após um adversário lhe ter soprado nas costas. E fiquei bem resolvido sobre o tema da cultura desportiva em Portugal. (Entretanto, a aculturação do Gyokeres está em progresso. Mais umas semanas e uma cotovelada como a que lhe deu o Riccieli levá-lo-á a dar um flick flack à rectaguarda à moda do Minho e o empurrão nas costas acompanhado por um puxão nos calções na área fá-lo-á mergulhar encorpadamente a pedir o penálti. O Vidigal sentenciará que o sueco é muito inteligente e tudo voltará à paz do Senhor.)
Em Portugal queima-se tudo. Queimam-se as fitas, os resíduos, as árvores e às vezes até os "fusíveis" dos portugueses. E, no futebol, queima-se tempo, torrando a paciência do santo de altar que é o espectador. Mas há quem defenda esse status-quo: durante toda a primeira parte o bom do Vidigal esforçou-se por contextualizar as sucessivas interrupções do jogo para entrada do médico. Os minhotos iam caindo à vez no relvado, contorcendo-se com suplicantes dores de cotovelo perante a superioridade do Sporting, mas o comentador lá ia justificando cada nova inacção com as assimetrias entre os clubes. E nem mesmo durante o longo intervalo, quando todo o elenco famalicense teria necessitado mais da assistência de um relojoeiro do que do médico ou do próprio treinador, o comentador se descompôs. Até porque o problema maior foi o braço do Gyokeres, que ameaça ser o novo cisma para as cartilhas dos nosso rivais. Como é que o sueco pode ser responsabilizado por uso do rádio (e do úmero, cóccix, sacro, vértebras, omoplatas, clavículas, etc...), se todos os orgãos do seu corpo estão permanentemente a ser agarrados, logo controlados, pelos adversários? Só se o rádio de que falam for um de pilhas, e ele o leve à socapa escondido nos calções para assim não perder os distintos comentários do Vidigal...
Gostei da estreia a titular do Hjulmand. Face ao jogo de Rio Maior houve um pouco menos Gudelj e um pouco mais William, com aqueles passes rasos e verticais a quebrar linhas. E defensivamente, ainda que não um Palhinha ou mesmo um Ugarte na intensidade, esteve melhor, cobrindo competentemente as linhas de passe através de uma boa ocupação do espaço e não se encolhendo junto dos centrais. Com a sua entrada, o Morita avançou um pouco no terreno, aproximando-se com perigo da área adversária como tantas vezes lhe vimos na época passada. Assim, o Pote pôde ocupar um lugar no trio da frente. O Pedro não deslumbrou, mas melhorou o seu rendimento. E podia ter marcado em duas ocasiões. Pelo que o que me pareceu que funcionou menos bem foi a ligação dos alas com a restante equipa. Muito devido à incapacidade de ambos em desequilibrar no 1x1, precisando por isso de um espaço que não tiveram. E se ao Nuno Santos faltou alguém na esquerda que comprometesse o lateral direito do Famalicão para que ficasse liberto a fim de sacar aqueles cruzamentos cheios de veneno que lhe reconhecemos, o Esgaio perdeu espontaneidade entre cálculos diferenciais e resolução de polinómios de terceiro grau que o levam a dar toques a mais na bola antes de centrar (nesse sentido, o "elástico" de Geny, seguido de assistência para desperdício de Pote, foi como um clarão numa noite escura). Assim, acabou por ser com a força aérea, à imagem e semelhança do lance que deu a vitória sobre o Vizela, que se resolveria este jogo contra um equipa de grande rigor defensivo, com jogadores de belíssimo recorte técnico e um óptimo guarda-redes (se o Júnior é assim, imagine-se o que não será o Luiz Sénior...). Como protagonista de novo Paulinho, o Lázaro que ressuscitou o seu faro de golo desde que guiado pelo intenso perfume que veio da Escandinávia. Uma nota final para Coates, que fez o seu melhor jogo nesta época, e para Diomande, intransponível pela terra e pelo ar, numa noite em que o Sporting estreou o novo equipamento CR7, dourado e preto, que tem sido um sucesso de vendas. E estamos na frente!
Tenor "Tudo ao molho...": Paulinho