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A Poesia do Drible

"Um pouco mais de sol - eu era brasa, Um pouco mais de azul - eu era além. Para atingir, faltou-me um golpe d'asa... Se ao menos eu permanecesse aquém..." - excerto de "Quasi", de Mário de Sá Carneiro

"Um pouco mais de sol - eu era brasa, Um pouco mais de azul - eu era além. Para atingir, faltou-me um golpe d'asa... Se ao menos eu permanecesse aquém..." - excerto de "Quasi", de Mário de Sá Carneiro

A Poesia do Drible

06
Set24

Tudo ao molho e fé em Ronaldo

E pur si muove !!!


Pedro Azevedo

Para uma santa inquisição bem instalada no tribunal da opinião pública, o Ronaldo é acusado de ser altamente prejudicial à Selecção. Trata-se (?) de uma teoria da conspiração como tantas outras, que tambem há quem acredite que os americanos estiveram na origem do 11 de Setembro ou que Elvis e Morrison estão vivos e a gozarem com isto tudo. São na sua maioria viúvas saudosistas de um tempo em que a Selecção estava no centro de tudo e não dependia de ninguém. Parece bom, conceptualmente. Mas na pratica foi uma era em que o Onze nacional assemelhava-se a um misto de Benfica e Porto e, como tal, estava dependente destes 2 clubes. Ora, há dependências boas e más. Por exemplo, uma pessoa depender afectivamente da sua família e núcleo duro de amigos, com quem criou laços de muitos anos, não é uma coisa má, mas a adição a drogas duras já não deve ser vista como uma coisa boa, especialmente se daí resultarem alucinações que deturpem a percepção da realidade como ela é. O que esses adeptos do Geocentrismo querem ignorar é que nesses saudosos tempos em que a Selecção não foi dependente de Ronaldo, nada ganhou. E por isso contestam a teoria heliocêntrica do universo futebolístico português, onde Cristiano Ronaldo é o sol e a Selecção continua a rodar (ainda e bem) em função dele.

[Percebemos que nos encontramos num país estranho quando o nosso cidadão mais estimado no mundo inteiro é contestado internamente num tribunal de inquisição da opinião pública e acusado de ser prejudicial à Selecção, ao ponto de os poucos galileus resistentes nos media terem de afirmar entredentes: "E pur si muove" (e contudo a Selecção move-se). E ganha !!!]

Porém, não devem as viúvas desanimar: como nada é eterno, um dia o sol ir-se-á embora. Depois ver-se-ão os resultados (colheitas). Aqui fica uma pista: pós-Pelé, o Brasil esteve 24 anos sem ganhar o Campeonato do Mundo; e, após Maradona, a Argentina necessitou de 36 anos para voltar a vencer a World Cup. Dá que pensar!!! Nada que demova as viúvas, que nos veem campeões do mundo assim que o Ronaldo se vá embora. Eu cá tenho um dedo adivinhador que me diz que elas sonham que ocorrerá num Domingo. De Ramos... 

 

Enquanto o Ronaldo vai dando nove centos de razões e três pontos de adição a quem confia nele, o tão propalado novo ciclo da Selecção iniciou-se com pompa e circunstância. Convidados: os do costume. Alguém mais conservador (ou cínico) dirá que há que dar o desconto, que o novo ciclo ainda agora se iniciou. E de facto o senhor Martinez merece 4 minutos de desconto, o equivalente ao tempo que concedeu a Pote para mostrar que a renovação está em marcha. Afinal, como aprendemos no "Leopardo", de Visconti, há que mudar alguma coisa a fim de que tudo fique exactamente na mesma. Oh Yeah !!! Tal como um maestro, cuja missão é coordenar as actividades de grupo e dar-lhes coesão e coerência, um Seleccionador deve ser muito mais do que um senhor de fato (casaca) que se apresenta em frente a uma equipa de futebol (orquestra). Ora, o problema de Martinez é a falta de coerência, o que a jusante se reflecte também na falta de coesão de toda a equipa, de todo o projecto. Só assim se compreendem as suas convocatórias, só assim se entendem as escolhas do onze inicial e as alterações que opera a partir do banco. Em relação a estas, Martinez parece a versão moderna de Dorian Gray: arranca determinado a encontrar o prazer na vida, mas depois vê reflectida a sua imagem num retrato que lhe parece envelhecer mal, vacila e começa a sabotar tudo aquilo por que inicialmente lutou convicto. Só assim se entende a marcha-atrás no segundo tempo que entregou o jogo a uns croatas até aí pouco mais do que inoperantes. 

 

Tenor "Tudo ao molho...": Ronaldo

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01
Set24

Tudo ao molho e fé em Gyokeres

São Gyokeres contra o Dragão


Pedro Azevedo

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A percepção muitas vezes não corresponde à realidade. Umas vezes porque está errada, outras porque a própria realidade está prestes a mudar (e a percepção só reage após o facto consumado): na antecâmara do jogo, o Sporting ia defrontar um treinador invicto de um clube da cidade invicta, uma espécie assim de invicto ao quadrado, que de sinergias se espera um efeito multiplicativo e não só a soma das partes - Essa era a realidade. Depois, entrava a percepção: a de que o Porto seria imbatível, que "Não há duas sem três" e os últimos 2 jogos haviam pendido por sortilégio para eles, o último de forma particularmente insólita e, pensava-se, traumatizante. Tal alimentava a lenda, o mito do dragão. Só que a essa percepção faltou um elemento: São Gyokeres. Igualmente lenda, no caso da mitologia leonina, este Gyokeres não veio da Capadócia e logo demonstrou não ser súbdito romano pela forma como desmontou um adversário com nome de imperador (Otávio). Mas foi ele que primeiro apontou a lança ao pescoço do dragão e depois matou as suas aspirações, criando assim uma nova realidade. 

 

O Porto começou forte, confiante no seu tiki-taka a meio campo, seguro da sua superioridade numérica nessa zona nevrálgica do campo. Mas depois o Sporting foi apertando as marcações, reduzindo os espaços, enlaçando o Porto num torniquete que só estrategicamente em alguns momentos se aliviava. Morita comandou essa revolta leonina, bem secundado pelo estratega militar de Ruben Amorim, o Pedro Gonçalves, o popular Pote, um mártir ou Santo Contestável (às mãos de Roberto Martinez), um rapaz proveniente da República do Alto Tâmega e recém-naturalizado (desde Sexta-feira) português. Com o decorrer do tempo, contida a aventureira epopeia portista, os dois, com o imprescindível apoio de Gyokeres, foram também encontrando os espaços no ataque e criando oportunidades para os colegas. Trincão, o jogador que para ser compreendido não dispensa a consulta do almanaque Borda d'Água, desperdiçou a sementeira e nada colheu. E fomos para o intervalo empatados, num jogo de futebol que bastas vezes imitou outros desportos: houve jogadas em cabines telefónicas que replicaram o futsal e a placagem de Varela sobre Trincão teve resquícios de rugby, vela (Trincão ia à bolina quando levou com a retranca portista) e bowling (no fim, três pinos no chão). 

O Gyokeres ameaçou no início do segundo tempo: o argentino Varela negou-lhe o golo em cima da cal que divide o sucesso do inêxito. O sueco voltaria à carga num lance em tudo idêntico ao duelo com Otamendi da época transacta: Otávio não se conteve, quis igualmente adivinhar a charada antes do tempo, falhou e ficou de fora. A emenda subsequente foi pior que o soneto: penalty, cartão amarelo e 1-0 para o Sporting. [O Gyokeres parece que voa baixinho sempre que perto de si há um(a) OTA.]

 

A partir daí o Porto só poderia voltar ao jogo através de uma bola perdida na área ou cabeceamento mortal. Consciente disso, o Vitor Bruno ainda lançou o Fran Navarro e o gigante Samu, mas a defesa de anti-aérea dos leões mostrou-se impenetrável à medida que o jogo caminhava para o fim. Com o tempo a escoar-se, espaços nas costas portistas apareceram com mais frequência. Bola então para o Geny bolinar a partir da direita e rematar com a canhota: o Diogo Costa lançou-se, esticou-se, cresceu em envergadura mas não o suficiente para parar o que não tinha defesa. O Estádio quase veio abaixo, a vitória seria nossa e já nada a poderia impedir. Agora será tempo de seleções. Entretanto, a liderança (do campeonato) assenta-nos muito bem, real e percepcionadamente. 

Tenor "Tudo ao molho...": Gyokeres (o "Vitór")

30
Ago24

Trocar o cântaro pelo Pote


Pedro Azevedo

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"Bob, o Construtor" finalmente constatou o óbvio, que de tão claro e inequívoco se diria ululante. Vai daí, depois de reflexão pós-Europeu, o senhor concluiu que há cântaros que de tantas vezes que vão à fonte acabam por partir-se, preterindo-os agora em função de um bem mais maneirinho Pote, que anteriormente esteve à bica, à bica do (pedregulho no) sapato. Como não há fome que não dê em fartura, com o Pote vão também o Trincão e, pasme-se(!), o Quenda (chamada merecida da revelação desta temporada). Só faltou o Quaresma, mas, como a prioridade agora é o ritmo de jogo - razão pela qual Cancelo ou Matheus Nunes ficaram de fora - , avançou o António Silva. Para momento de humor só ficou a faltar o Vasco Santana. Juntos fariam uma dupla imbatível. 

25
Ago24

Tudo ao molho e fé em Gyokeres

Entre o neo-realismo de Gyokeres e o existencialismo de Edwards


Pedro Azevedo

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Por motivos logísticos, essencialmente relacionados com a capacidade de armazenamento de golos, o Farense trocou o acanhado São Luís, em Faro, pelo mais amplo Estádio do Algarve, em Loulé. E o que se pode dizer é que as previsões farenses bateram certo porque Gyokeres e companhia só por uma ocasião (auto-golo) deixaram os seus créditos por mãos alheias (no caso, uma cabeça). 

Cedo a vertigem de passe e repasse Sportinguista, em progressão constante, deixou os algarvios almareados. E foi com esse enjoo que viram Gyokeres, uma e outra e ainda outra vez, abanar as redes de Ricardo Velho, que por acaso até é jovem, qual espécie de Plínio dois-em-um, ou não tivesse ele revelado a sabedoria para ser eleito o melhor guarda-redes da Primeira Liga da temporada 2023/24 ou sido suficientemente crítico da extravagância a ponto de evitar que os números finais tivessem de ser representados em potência de base igual a 2 e expoente igual a 3. 


Como em qualquer bolo bem confecionado, faltava a cereja no topo. Eis então que surgiu Edwards, O Existencialista. E lá pegou na bola a meio campo, naquele seu estilo sisudo, de quem se questiona sobre de onde veio e para onde vai, o que faz aqui, e nesse jeito vai procurando respostas pelo caminho. No fundo, alguém que no seu existencialismo se opõe a um Camus, que escolheu a solidão de dois paus e de uma barra para melhor chegar a conclusões (foi guarda-redes de uma equipa argelina). Bom, a verdade é que o Edwards deve ter encontrado respostas e com isso formulado uma tese. E como, para seu conforto, do lado dos algarvios não apareceu nenhum discípulo de Hegel capaz de apresentar uma antítese, foi andando e tirando adversários do caminho até marcar o golo. Uma jogada Maradoniana na sua forma, à qual não faltou conceptualmente a mão de Deus que despertou Edwards da sua letargia e lhe iluminou o caminho. 

3 jogos, 3 vitórias, 14 golos marcados e finalmente uma "clean sheet ", haveria melhor maneira de com confiança preparar o Clássico que aí vem? 

Tenor "Tudo ao molho...": Gyokeres. Menções honrosas para Morita, o maestro, e Quaresma, um outrora obscuro subsecretário de estado que se propõe para Ministro da Defesa. 

22
Ago24

Western Mão-de-Vaca


Pedro Azevedo

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Nada de novo no Oeste? Quando a Itália começou a produzir em Cinecittá, periferia de Roma, os seus primeiros filmes do género "Western", os americanos jocosamente ajuntaram-lhe o apodo "Spaghetti", dada a escassez dos meios de produção e a falta de qualidade dos filmes. Todavia, o apodo tornou-se injusto para o realizador Sergio Leone, que se destacou dos demais ao emergir com filmes que foram um êxito de bilheteira, como "Por um punhado de dólares" ou "Por mais um punhado de dólares" e os fundamentais "O Bom, o Mau e o Vilão" e "Era uma vez no Oeste". Dando papéis de uma vida a actores aspirantes como Clint Eastwood e Charles Bronson ou a consagrados como Henry Fonda. 

Vem este arrazoado a propósito do futebol português. Este também tem contornos de "Western", com "cowboys" e "índios", heróis e vilões, orçamentos que imitam acrobacias de circo (com ou sem rede do "super-empresário") e uma qualidade média do seu principal campeonato que fica um bocado aquém do que o público aspiraria. O ponto mais ocidental (faroeste) deste Western, cuja idiossincrasia tuga o força a designar por "Western Mão-de-Vaca (ou Vata)" ou "Western Pezinhos-de-Coentrada" (à moda do Norte), não está curiosamente centrado no Cabo da Roca: embora se desconheça o actual paradeiro, sabe-se que no passado o seu epicentro foi em Canal Caveira. Porém, tal como no "Western Spaghetti", há um "Leone" que se destaca dos demais, no caso um Leão Rampante que desde 1906 procura elevar o nível e luta por uma maior qualidade das produções. Com melhores ou piores actores, estrelas ou canastrões, mas sempre com integridade. 

18
Ago24

Tudo ao molho e fé em Gyokeres

Futebol ao Sol e à Sombra


Pedro Azevedo

IMG_3383.jpeg"Futebol ao Sol e à Sombra" é o título de um extraordinário livro do insigne Eduardo Galeano, mas poderia ser também paradigmático de um outro tempo, dos jogos (ao Domingo) à tarde, com os relvados polvilhados de sol e da sombra projectada pela cobertura das bancadas cheias de gente. Foi isso que aconteceu ontem na Choupana, literal mas também metaforicamente: no primeiro tempo, o Sporting não "foi pela sombra" tanto quanto se recomendaria, isto é, não se protegeu, não se cuidou.  É certo que marcou cedo, numa bela iniciativa individual de Pote, mas depois trocou as chuteiras pelas chanatas, sacou do farnel, enterrou (mal) umas cascas de banana, deitou-se na toalha e dormiu uma soneca. Acordou tarde e a más horas, não se sabe se consequência do próprio ressono ou do barulho das gaivotas que entretanto se abeiraram por lhes cheirar a presa, e exposto a uma insolação. Nesse transe, um nacionalista superou o irmão gémeo do Diomande que regressou da CAN e repôs o empate. Para a coisa não se complicar demasiado, valeu o Trincão desafiar milhares de anos de sabedoria popular expressos no almanaque Borda d'Água e antecipar a colheita só prevista para os meses de Janeiro e diante. O golo teve o condão de levar o Sporting à frente no marcador para o intervalo. 

 

No reatamento, o Quenda caiu na área. Quer dizer, houve Que(n)da na área e o árbitro Godinho não teve outro remédio senão assinalar a penalidade provocada por um defesa nacionalista. O Gyokeres aproveitou para "molhar a sopa", que não seria de todo gaspacho tal o caldo quente que se fazia sentir na Madeira. Entretanto, os nacionalistas iam caindo que nem tordos, ao passo que os leões se mostravam frescos que nem a alface de onde a Nike extraiu o pantone da cor das suas camisolas.  Meio perdido, o Nacional ainda depositou a fé no seu Ulisses para que a odisseia não terminasse mal, mas quando este capitulou, não fazendo jus ao herói de James Joyce (Leopold Bloom) ou de Homero, os madeirenses entregaram os pontos: logo, Geny roubou a bola dentro da área e deu de bandeja de prata a Trincão para o quarto golo; depois, Bragança procurou o melhor enquadramento para o seu pé esquerdo e colocou fora do alcance do desamparado guarda-redes nacionalista; finalmente, Gyokeres recebeu um passe do recém-entrado Debast e com um tiro de canhão causou severos danos na rede da baliza dos insulares.

 

O que é Nacional, é bom. Com a vitória garantida, os leões regressaram a banhos na bonita Pérola do Atlântico. Seguir-se-á o fim das mini-férias madeirenses e o regresso a Alcochete. Na liderança do campeonato. 

 

Tenor "Tudo ao molho...": Pote

13
Ago24

Tudo ao molho e fé em Gyokeres

O Óbvio Ululante


Pedro Azevedo

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Aquando da convocatória para o Euro, ficámos a saber que, para Roberto Martinez - um homem incapaz de ver o óbvio ululante, ainda que este se agite, num dia de céu aberto, a um palmo do seu nariz -, o Pote é um indivíduo com azar, muito azar. Mas o azar de uns é a sorte de outros, como foi o caso da França ou da Geórgia. Também do Pedro Neto, que acaba de assinar pelo Chelsea por 60 cripto-mendilhões, que é moeda que valoriza sempre para directores desportivos e nos mercados do futebol internacional. Sorte, e orgulho, tambem tem o Sporting em contar com o Pote nas suas fileiras, sentimento que tudo o indica ser recíproco: na Sexta-feira voltou a mostrar o seu entusiasmo com 2 golos, um com uma finalização à ponta de lança, outro de pura antologia. Tal como no passado, não deverá ser suficiente para convencer o senhor Martinez, algo que deveria ser mais propício de preocupar o Dr Fernando Gomes do que o Pote. É que, como diria o Confucio: "Se o problema tem solução, concentra-te na solução; se o problema não tem solução, porque é que te preocupas?". O facto é que Roberto Martinez não tem mesmo solução e o Pote tem o poder de mudar o figurino de um jogo mas não o de demitir o Seleccionador, logo...

[O cargo de Seleccionador nacional tornou-se assim o símbolo do mais alto representante do "gajo-porreirismo" luso, doutrina que consiste em habilmente se conseguir estar bem em simultâneo com Deus e o diabo. Os seus representantes são os "gajos-porreiros", isto é, muito amáveis e gentis mas sempre incapazes de tomar partido por uma causa justa que possa afectar compromissos assumidos ou obrigue a tomada de decisões que ponham em causa cargo e carreira. Habitam em cima de muros, sendo o comprimento, largura e profundidade desses muros as únicas medidas que têm no pensamento praticar em vida, aquelas vitais que evitam que caiam (na real) e se tornem uns "gajos susceptíveis" e capazes de empreender acções em nome de conceitos tão comezinhos como os resultados ou a justiça.]

 

Comecei por dizer que o Pote marcou um golo "à Inzaghi", mas na preparação estiveram o Quenda e o Gyokeres. A sorte do Quenda é ser do Sporting. Se fosse do Benfica, logo os poetas e bardos do regime teceriam loas e entoariam belas melodias à volta dos seus feitos, estabelecendo imediatamente um mercado paralelo de cotações onde o jogador valeria na casa das centenas de milhões. Mas o Quenda é do Sporting, e essa singularidade é o melhor antídoto contra o vedetismo e o deslumbramento. E assim poderá ir longe... O que não foi longe foi o pontapé do guarda-redes do Rio Ave, que ficou logo ali, à entrada da área e ao jeito do pé direito do Pote. Resultado: bola e jogo na gaveta, venha o próximo !!!

 

O segundo tempo foi igual a tantos segundos tempos de jogos antecipadamente ganhos ao intervalo, prélios de que constitui desonrosa excepção o recente desafio da Supertaça: os espectadores, treinadores e jogadores de ambas as equipas sabem tacitamente que o jogo terminou, mas há que prosseguir, representando, como se tudo estivesse em aberto. Nesse contexto mais distendido, pudemos vislumbrar  melhor o jogador que Gyokeres é e aquele que Trincão virá a ser a partir de Janeiro. Do encontro entre um sueco que diz presente e um português que é o futuro gerou-se  um buraco negro temporal por onde a bola irrompeu aos tropelões até dentro da baliza do Rio Ave. Até ao fim, nada mais haveria a destacar, não fora a audácia de Clayton em desmontar o Diomande em dois, momento que, à semelhança dos múltiplos protagonizados por Debast na Supertaça, serviu para evocar o grande capitão Coates. Amém !!!
[Cronista que se preze não analisa o Trincão sem primeiro se fazer municiar do Borda d'Água. Uma breve leitora deste almanaque permite-nos concluir que em Janeiro se colhem couves e espinafres, tulipas, violetas, amores-perfeitos... e amores-imperfeitos como o Trincão (a adenda é livre e do autor). Este é portanto o tempo de semear, para colheita o Leitor deve esperar pelo início do novo ano.]

 

P.S. O "óbvio ululante" é uma expressão criada pelo genial Nelson Rodrigues, um dos melhores cronistas desportivos (e não só) de sempre.  

Tenor "Tudo ao molho...": Pote

07
Ago24

Eles que paguem as favas


Pedro Azevedo

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Após uma derrota traumatizante, mais até pela forma como ocorreu, nada melhor do que jogar logo a seguir. Jogar é terapêutico, o melhor remédio contra a dúvida, a ansiedade e a depressão. Do outro lado vai estar o Rio Ave, uma boa equipa mas a anos-luz do potencial do Sporting. Por isso, não podemos passar da euforia incontida para a depressão mais profunda, da vertigem de, qual Hummer, passarmos todos os adversários a ferro para o pânico de sermos atropelados pela carrinha de gelados da Olá (para refrescante já chegou o balde de agua fria que levámos em Aveiro). Pelo que então joguemos, joguemos e façamos recair sobre os vilacondenses a frustração do nosso desaire anterior, que é como quem diz, eles que paguem as favas. Que são verdes, uma das cores históricas do nosso equipamento (a outra é o branco), agora tricolor por imposição dos marketeers. E o Rio Ave nada? Não, dos rioavistas devemos esperar luta, ousadia e intrepidez próprias de quem se lança ao mar todos os dias sem saber se regressa. Assim é a sua natureza, e a natureza não mente nem se desmente. Então, não duvidemos nós da nossa natureza, do nosso ADN de leão, de um clube que nasceu para ganhar, e mostremos aos vilacondenses e ao mundo a raça de que somos feitos e a qualidade do nosso futebol. E, já agora, a qualidade também dos nossos jogadores, que só precisam de voltar a acreditar em si próprios, não se deixarem corroer pelo pessimismo e sentir o apoio e estímulo da melhor massa associativa do mundo. Marquemos então o reencontro com a nossa história para Sexta-feira, que o fim de semana passado foi apenas uma triste nota de rodapé numa história gloriosa e que se pretende que continue viva mais nos relvados do que no museu. 

05
Ago24

Complicar o que é simples


Pedro Azevedo

Ao contrário do jogo de rugby, que é iminentemente estratégico e se assemelha a uma guerra, onde não faltam até às 3 armas do exército - artilharia, no chuto aos postes e pontapés tácticos; infantaria, nas melées, moules, rucks e scratch em geral; cavalaria, quando avançam, a flanquear as colunas, os três quartos - o jogo de futebol é extremamente simples na sua génese. Mas também é o mais democrático, com regras que permitem mais facilmente a um David enfiar uma fisgada num Golias e uma exposição maior ao acaso (aquilo a que chamamos sorte ou azar). São as regras, e não tanto a estratégia, que promovem uma maior equilíbrio entre os contendores, permitindo tácticas como o antigo "catennaccio" que seriam improváveis de pôr em prática numa modalidade como o rugby. O que não quer dizer que uma boa organização no fim não faça toda a diferença, atenuando assim a diferença de valores entre os jogadores das equipas em disputa. O que me parece no futebol actual é que os jogadores estão demasiadamente amarrados a tácticas e não conseguem extrair todo o sumo que têm dentro, ao contrário do que vejo no rugby, onde o espectáculo é maior e há motivos constantes de vibração nas bancadas. Estarão os treinadores a matar o jogo de futebol, não libertando os craques que podem fazer a diferença? E estará esse factor na origem de cada vez menos vermos talento natural em campo? É normal que nos escalões mais precoces da Formação se peça a miúdos para não fintarem, não procurarem o desequilíbrio em nome de uma organização de todo desenquadrada com as características que deveriam desenvolver nessa idade? Depois não nos admiremos que o jogo fique completamente robotizado (como se viu no Euro), na medida em que "sábios" muito pouco conhecedores estão a levar o futebol para essa dimensão mais própria da máquina do que do Homem, dando assim razão a Aldous Huxley no seu Admirável Mundo Novo. Escravos da parafernália táctica, que transforma simplicidade em complexidade, o futebol caminha no sentido de não ter heróis. Neste novo-normal o importante é sempre o colectivo, como deveria ser numa empresa ou na sociedade em geral (que no entanto tendem a respeitar a idiossincrasia de cada indivíduo, por via dos seus direitos ou da meritocracia). Contudo, talvez nos estejamos a esquecer de que o futebol é emoção e que a atração tamanha que exerce no espectador está na proporção directa do eco dos feitos dos heróis dos estádios. Já não há heróis? 

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